Luiz Carlos Antero: Para onde marcha o PCdoB?

Ao se traçar rumos para o Partido Comunista do Brasil, alguns elementos fundamentais devem ser considerados nas teses congressuais.

A organização política mais antiga do País, o PCdoB é hoje a maior esperança do povo brasileiro, seu mais significativo patrimônio na luta por dias melhores e conquista de um regime avançado.

É a força capaz de se diferenciar no ambiente político, ao fomentar os ideais de igualdade social e liberdade pelos quais se lutou de forma intensa ao longo de oito décadas do século passado. Formado no calor da luta de classes, esse Partido se identificou generosamente, em todas as contendas travadas — das grandes questões de natureza nacional que empolgaram a sociedade às pugnas de resistência ou por direitos localizados —, com as propostas mais avançadas de transformação para o nosso País, estratégia e tática adequadas.

As classes e camadas mais conscientes e envolvidas no processo político brasileiro se habituaram à idéia de que os comunistas — não obstante os maiores sacrifícios e restrições às liberdades democráticas em boa parte de sua trajetória (1922-1985), antecedente ao atual momento (1985-2009) — sempre marcariam sua presença ou surgiriam de algum lugar para resgatá-las com bravura e profunda solidariedade ao nosso povo.

A simples leitura biográfica de quadros históricos do PCdoB, ou mesmo o percurso da obra mais engajada de Jorge Amado, traça um perfil desta presença no cotidiano das batalhas políticas. Distante da frouxidão e da pusilanimidade, esse perfil foi apropriado pelos comunistas em sua linha — de postura firme, ampla e flexível, de princípios.

Entretanto, convertida em certeza, essa expectativa perpetuou-se também, em seu limite derradeiro, nas palavras de João Amazonas, num de seus últimos depoimentos no Congresso Nacional: “Não fazemos proselitismo da luta armada, mas onde houver ameaça às liberdades lá estarão os comunistas, de armas na mão, para defendê-las”.

Os tempos hoje efetivamente são outros. Já supera um quarto de século o período mais extenso de vigência da — ainda que limitada — democracia em nosso País, fornida por garbosos êxitos eleitorais. Nunca o povo brasileiro dispôs de uma tão prolongada oportunidade para construir um novo patamar de conquistas e uma correlação de forças mais favorável às transformações progressistas avançadas.

Assim, passa a se constituir em tarefa de significativa atualidade, até por mera consideração às viragens da História, a preservação e fomento da natureza revolucionária do Partido Comunista — substancialmente responsável pelos êxitos alcançados. Sim, pois nada é tão natural quanto ser revolucionário, tão lógico e dialético quanto a matéria e o movimento, em seu fluir permanentemente libertário.

A fonte primeira em que se dessedentam as forças avançadas e de vanguarda da sociedade está nas massas em luta contra uma ordem de coisas irremediável em si mesma. É unindo-se aos seus anseios nas múltiplas lutas que os comunistas turbinam sua energia eleitoral ou revolucionária.

Nessas condições, subordinar-se a política do Partido Comunista à vertente institucional enquanto apanágio do seu crescimento, ainda que avaliando com justeza sua importância, é colocar-se em inferioridade num terreno que não a privilegia, num território o qual, sob o atual regime, torna-se pantanoso e sempre hegemonizado pelo inimigo de classe — um ambiente naturalmente recriado pelo grande capital com a supremacia dos rentistas, mega-especuladores e monopolistas associados ao imperialismo.

Estes, indiferentes à extensa miséria que se abate sobre largos contingentes humanos, e à margem das necessidades sociais e do desenvolvimento, se apropriam de R$ 140 bilhões somente em 2009, privando o País e seu povo de preciosos recursos que tornariam mais robusta a poupança nacional voltada para a prosperidade em favor das amplas massas.

Submeter-se a linha partidária de modo privilegiado ao aconchego institucional, sob as mazelas e limites típicos da intervenção pública sob o capitalismo, significa conduzi-la a um horizonte acanhado e conformado, a um padrão de subserviência diante dos calendários e agenda das classes dominantes.

Estas, entre outras proezas, tratam de amiudar a rotina eleitoral para imprimir seu tom doméstico às refregas de classe — muito mais confortável para quem modernamente pretende assimilar, cooptar ou manter distantes os temporais revolucionários.

Se é irrecorrível a óbvia participação dos comunistas nesses embates, isso se deve sobretudo à referência leninista que oferece um dos antídotos à doença infantil esquerdista, além da oportunidade ímpar que se lhe proporciona na educação política das massas. Tem-se aqui uma excelente oportunidade de externar o ideário avançado e propagandear seus objetivos táticos e estratégicos, desde a linguagem simples que se traduz em mensagens extraídas do cotidiano dos trabalhadores e do povo.

Entretanto, não cabe aos comunistas o exercício da legitimação dos processos políticos viciados da direita, submergindo na vala comum dos mercadores de votos, assimilando sinecuras financeiras dos espoliadores das massas trabalhadoras, sob o equivocado argumento de que é preciso disputar as eleições em pé de igualdade — e com as armas do inimigo de classe.

O rebaixamento à absorção das práticas do grande capital — beneficiário de um novo patamar cumulativo —, cedo ou tarde será examinado pelo julgamento popular, nas urnas ou não, no entanto sincero e inapelável, consistindo na desmoralização e derrota em todos os níveis da luta política e derrocada da credibilidade de uma força plasmada pelo respeito e até pela veneração das massas.

Em suma, submeter-se às regras de um prolongado “desenvolvimento pacífico”, a pretexto de uma disputa por hegemonia no terreno e sob as regras do antagônico adversário, consagra à humilhação histórica o legado heróico de decênios — que alicerçou a força política em sua conformação moderna.

Não se chegou a um horizonte tão longínquo dos primórdios da luta de classes para se morrer na praia em sua renhida fase atual, engasgando-se à areia salgada da confusão teórica, política e ideológica. O momento, de um plano avesso à estagnação, é de avanço espelhado na renhida mas, apesar do adverso, prazerosa construção histórica dos comunistas brasileiros.

Luiz Carlos Antero, filiado em 1969, sociólogo, jornalista e escritor.