Honduras não inspirou o embaixador João Cabral de Melo Neto
Ocupada há 22 dias por Manuel Zelaya, a ampla casa residencial onde está instalada a Embaixada do Brasil em Honduras já viveu dias mais idílicos: por dois anos e meio, entre 1982 e 1985, lá morava o embaixador e poeta João Cabral de Melo Neto (1920-1999). Foi uma passagem literariamente discreta. Diferentemente de Sevilha e Recife, as cores locais não inspiraram poemas.
Publicado 13/10/2009 09:17
Quem conhece como ninguém a vida do poeta em Honduras é a sua filha Isabel Cabral de Melo de Zepeda, 54, funcionária da embaixada brasileira desde 1985 e casada com um hondurenho há 30 anos. Foi ela o motivo de sua vinda ao país. "Ele não desgostava de Honduras, mas disse que estava aqui para ficar comigo", diz Isabel. Ela conta que, em 1982, João Cabral tinha de escolher um posto no exterior. Embarcou para Honduras para ficar com a filha e os netos.
À época, o prédio era a residência oficial do embaixador brasileiro. João Cabral dormia na ampla suíte de baixo, onde agora dormem quatro assessores de Zelaya e, de dia, é um dos 'escritórios' do presidente deposto.
Outra pessoa que conviveu com ele é Denis Hernandez, contratado por João Cabral em 1982, aos 17 anos. "Era muito sério e exigente, mas tratava bem os funcionários, não se exaltava e cumpria com o horário de trabalho", diz o encarregado da manutenção.
Na embaixada, não há nada que marque a passagem de João Cabral, com a exceção de sua assinatura em alguns documentos, como o Livro de Registro de Nascimentos. Mas Tegucigalpa tampouco marcou o poeta: João Cabral não publicou uma linha sequer sobre a cidade, segundo a sua filha Inez, que mora no Rio e conhece bem a obra do pai.
Escreveu ela, por email: "Na época em que meu pai morou aí, ele escreveu "Agrestes", de 81 a 84. Nesse livro ele fala de alguns países africanos (Senegal, Guiné-Bissau, Mali) e do [vulcão] Chimborazo, no Equador. Em 84 também, ele estava terminando de escrever "Auto do Frade", mas o frade é o frei Caneca, pernambucano. Depois disso, só escreveu "Crime na Calle Relator", "Sevilha Andando" e 'Andando Sevilha", onde praticamente só trata de Sevilha… que pena!".
Fonte: Folha de S.Paulo