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Colômbia: Militares matam 2 mil jovens forjando baixas em combate

“As lágrimas caem nas minhas mãos… As tuas estão atadas esperando que te matem. É o meu irmão que abateram na zona de combate“ canta Liz, de 17 anos. Ela é irmã de Fair Leonardo, rapaz assassinado pelo exército, vestido como rebelde e apresentado como inimigo morto em combate – um dos chamados "falsos positivos" do exército colombiano.

Segundo um recente relatório da procuradoria-geral da Colômbia, são mais de 2 mil os jovens colombianos assassinados pelo exército e apresentados como baixas de combate (no jargão, denominados "positivos"). Entre eles, haveria 59 menores de idade e 122 mulheres. A maioria dos crimes investigados pela promotoria ocorreu a partir de 2002. O fenômeno foi dobrando ano a ano, para alcançar o ápice de homicídios em 2007, ano em que foi cometido um terço deles.

O caso veio à tona com os chamados “muchachos de Soacha”. Uma reportagem da revista Semana, no final de 2008, revelou que alguns rapazes – hoje se fala em mais de 30 – deste bairro pobre na zona sul de Bogotá, tinham sido atraídos até a cidade de Ocaña, a 600km dali, com falsas ofertas de trabalho. Mais tarde, as famílias denunciaram o desaparecimento dos jovens, cujos corpos acabaram encontrados enterrados como mortos em combate com o exército. Alguns foram assassinados poucas horas depois de seu desaparecimento.

“Onde eu moro, somos pobres e não temos trabalho. Eu decidi escrever e cantar lágrimas para lembrar meu irmão e para que outros garotos não caiam na armadilha de ir embora com a ilusão de um trabalho. Porque o que encontram é só a morte”, conta Liz, de 17 anos, ao Opera Mundi, pouco antes de subir ao palco. Esta é a primeira vez que ela canta em frente a um grande público. Ao seu lado, a mãe, Luz Marina, e outras das mães de Soacha, todas trazendo placas que mostram as fotos dos filhos assassinados, o nome e os anos que cada um tinha quando morreu.

O evento é o maior encontro de rappers colombianos: “hip-hop no parque”. Marroco veio de Medellin para assistir ao concerto com os amigos. “Não temos instrução e não temos futuro”, comenta. “Isto poderia ter acontecido conosco. Esta canção é um alento para os que morreram. Esta é a realidade que se está vivendo na Colômbia nas zonas marginalizadas, em nossos bairros na total impunidade.” Pondo a mão no pescoço como enforcado, ele prossegue: “Temos que denunciar. Muitos amigos nossos moram nos bairros e chegam lá oferecendo um monte emprego e os caras vão sem saber que estão sendo levados para a morte”.

Crime recorrente

O termo "falsos positivos" é uma definição jornalística. Para os organismos internacionais, o crime é tipificado como execução extrajudicial. De acordo com Michael Evans, diretor da seção colombiana da ONG National Security Archive, de Washington, que o Opera Mundi encontrou em Bogotá, o crime não é exatamente uma surpresa. “A única novidade é o translado das vítimas de uma região para outra, certamente não o disfarce de corpos de guerrilheiros. Isso sempre ocorreu na Colômbia”. Ele mostra uma série de documentos liberados, inclusive telegramas da embaixada dos EUA em Bogotá e relatórios da CIA, que confirmam suas palavras.

Por causa deste escândalo, o governo tomou a medida de exonerar 27 militares, entre eles três generais. A unidade de direitos humanos da procuradoria está adiantando 1.273 processos contra membros do exército pelas execuções – entre eles, os 48 militares envolvidos no escândalo dos jovens desaparecidos de Soacha.

O presidente e o alto escalão do exército defendem a teoria das "maçãs podres", como o general Óscar González: “Se alguém violou a lei, foi porque quis. Não foi por falta de capacitação. É porque tinha esses instintos. Aqui, a única coisa que se ensina são princípios. O Exército conta com 240 mil homens; não se pode julgar toda a instituição pelo comportamento de poucos”.

Mas vários ativistas consultados pelo Opera Mundi não concordam e creem que as políticas de recompensas aos militares por cada guerrilheiro morto são a base do fenômeno dos "falsos positivos".

A alta comissária das Nações Unidas para os direitos humanos, Navanethem Pillay, tampouco compartilha da visão do general e considera que os "falsos positivos" poderiam ser considerados um crime de lesa-humanidade por seu caráter generalizado e sistemático.

Fonte: Opera Mundi