Edvaldo Magalhães (PCdoB-AC), um comunista de olho no Senado

Eram 16h15 quando o presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Acre (Aleac), Edvaldo Magalhães (PCdoB), pegou a estrada para a cidade boliviana de Cobija. Num dos países mais amigos do Brasil, Edvaldo teria reunião com o chefe da Casa Civil do presidente Evo Morales, Juan Ramón Quintana, e o vice-presidente da República, Alberto Linera Garcia.

Edvaldo Magalhães

Antes, tinha almoçado com o vereador Netinho de Paula e o delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz. Dirigentes do PCdoB em São Paulo, os dois estão preocupados em melhorar ainda mais a relação entre o Brasil e a Bolívia, por conta dos 200 mil bolivianos que moram na capital paulista, muitos deles em condições subumanas.

Em Cobija, a comitiva acreana trataria da situação dos brasileiros que moram nos seringais da Bolívia e dos estudantes de Medicina em cidades bolivianas. Também foi mais um passo para que se estabeleça uma relação institucional entre os dois países.

Desde que assumiu a presidência da Aleac, Edvaldo Magalhães tem se empenhado na construção de relações com o Peru e a Bolívia, países vizinhos ao Acre, mas que, ao longo dos anos, têm ficado de costas um para o outro. Foi dentro de uma camionete, na velocidade média de 100 quilômetros por hora, que o comunista concedeu a entrevista. Falou de vários temas, entre eles sua possível candidatura ao Senado e o futuro da Frente Popular.

Em 2010, o PCdoB completa 25 anos de legalidade. No Acre, conta com 22 vereadores, 10 vice-prefeitos, dois deputados estaduais, uma deputada federal e quase 7 mil filiados. Nesta entrevista, Edvaldo Magalhães deixa claro que os comunistas querem mais.

A causa que move – “O que nos inspirou e nos moveu foi a causa. Foi o desejo de um setor vivo e orgânico, embalado por lideranças legítimas e legitimadas, de livrar o Estado das mãos daqueles que se apoderaram da máquina pública para fazer negócios. Essas lideranças colocaram à frente um programa e um rumo para o Acre. O que nos fará atual para a geração de agora e a geração do futuro é estarmos sintonizados com essa causa”.

Capacidade de mover – “A nossa aliança só será inovadora e se renovará na medida em que tiver causa. Não podemos permitir nunca que a nossa aliança tenha como base a distribuição de espaço de poder, o loteamento de cargos públicos e a distribuição das benesses. É preciso ter causa para a gente se mover e mover as pessoas”.

Método adequado – “Uma aliança, se não for nucleada por forças avançadas e ideológicas, não irá muito adiante porque não irá se referenciar na causa. Ela precisa ter o método adequado, que é a construção coletiva da sua unidade de ação política. Uma aliança que não consegue o mínimo de unidade para conduzir no propósito não segue adiante. O que nos fez ganhar todas as eleições foi a nossa unidade”.

Construção da unidade – “Essa nossa unidade não foi construída em cima de disputa por espaço de poder nem de loteamento de cargos. Ela foi cimentada na causa. Renovar os propósitos é fundamental para conseguir atrair a sociedade para a nossa causa”.

Amplitude com identidade – “No Brasil, a história dos partidos e da democracia ainda é recente. Nas forças mais conservadoras é possível encontrar pessoas, personalidades e famílias que estão ali por uma condicionante histórica. Ser amplo não significa perder a identidade. É fundamental que a gente tenha três fatores na construção desse nosso movimento, que são identidade ideológica, pluralidade política e amplitude política. Às vezes você é plural, mas não é amplo. É sectário”.

Perda de quadros – “Chega determinado momento em que é preciso perder gente para poder avançar. Acho que a Frente Popular, se tiver que perder alguns dos seus pedaços para manter sua base ideológica, sua pluralidade e sua amplitude, não precisa ter pruridos”.

A reflexão – “Quando a gente completa vinte anos de fundação, tem que fazer algumas reflexões. A primeira dela é saber o que estamos construindo e se o programa está de acordo com a causa que nos moveu. Isso vai permitir que estejamos sempre nos atualizando e sintonizando com as necessidades daqueles que mais precisam”.

Segunda reflexão – “A segunda reflexão é saber se o que nos move é a nossa causa ou a acomodação de espaço de poder, a nossa relação com a sociedade. Precisamos ter um governo aberto e próximo do povo”.

Refundar a Frente – “A gente tem que repactuar a relação com a sociedade, na chamada participação popular e na relação interpartidária, para cimentarmos a nossa unidade. Precisamos refundar a Frente para os desafios dos próximos vinte anos. É preciso enfrentar as próprias crises. Precisamos nos repactuar internamente para recimentar a nossa unidade se quisermos continuar obtendo as vitórias”.

Assembleia Aberta – “Aprendemos que, quanto mais próximos estivermos dos problemas, mais próximos estaremos das pessoas. E quanto mais próximos estivemos das pessoas, mas ampliaremos a nossa credibilidade. O programa Assembleia Aberta é uma experiência nova e inovadora que estamos vivendo no Acre”.

Imagem do Legislativo – “Estamos colhendo os frutos das grandes mudanças políticas construídas a partir de 1999 no nosso Estado. Nós tínhamos instituições fragilizadas, desacreditadas ou altamente comprometidas com práticas escusas. A reconstrução da identidade do nosso Estado fortaleceu as entidades. A Assembleia, hoje, colhe os frutos desse processo de reafirmação e do fortalecimento das instituições”.

Peru e Bolívia – “Conseguimos identificar a oportunidade de uma nova perspectiva de desenvolvimento para o Acre. Nos primeiros oitos anos estávamos focados na recuperação do nosso tempo perdido. O nosso Estado chegava ao fim do mês sem os funcionários receberem os seus salários. Discutir temas como esses era normal e importante. Descobrimos que não somos uma ilha. Ao nosso lado existem países que têm problemas, riquezas, sonhos e deficiências. Se estivermos próximos deles podemos construir uma grande relação política e econômica. O Acre está se descobrindo como vizinho. Temos relações bastante avançadas com o Peru e estamos retomando uma relação institucionalizada com a Bolívia”.

Nova secretaria – “Daqui a alguns dias precisaremos ter no Acre uma Secretaria de Relações Internacionais, porque fazemos fronteiras com dois países, não mudaremos de endereço e esses povos vão continuar onde sempre estiveram. A integração é uma realidade, a Transoceânica será concluída no ano que vem e precisamos ter política para isso”.

Visão plural – “A gente precisa olhar a decisão de Marina Silva de forma plural para não ver apenas problema. Eu vejo algo positivo. O Acre produz grandes lideranças. Esse também é um fruto da fase nova da nossa política”.

Personalidades políticas – “Temos três personalidades que têm influência no Brasil e no mundo. Se você pegar o Jorge Viana, ele é uma referência política porque, após os seus oitos anos de mandato, é ovacionado em qualquer lugar em que ande no Estado. Tem dificuldade de andar nas ruas pelo assédio positivo. É um fruto extraordinário da produção política do nosso Estado”.

Tião no Senado –
“Você tem um senador Tião Viana, que um dia desses estava polarizando a disputa para a presidência do Senado com um programa avançado. Disputou a eleição com bandeira progressista e avançada, fazendo questionamento e botando em xeque a velha política institucionalizada do Brasil”.

Marina Silva – “A Marina Silva, a nossa seringueira, ex-ministra e senadora, que, ao se colocar como possibilidade de disputar a Presidência da República, muda os rumos da disputa eleitoral. Criou a necessidade de se mudar o debate nacional. Estamos produzindo grande quadros da política. Essa experiência de Frente Popular não é apenas uma experiência de construção política, mas de resultados administrativos, está produzindo grandes lideranças”.

Colheita de dificuldades – “É claro que iremos colher também dificuldades com a saída de Marina Silva. Ela criou dificuldades no plano nacional da base do presidente Lula, mas trouxe para dentro da Frente Popular a necessidade de uma reflexão acerca da continuidade do nosso projeto, da necessidade de reafirmação dos nossos programas, da identidade política e ideológica do nosso projeto. Isso tudo vem à baila”.

“Luz vermelha" – "Acho que o debate provocado com a atitude da senadora Marina Silva é positivo para Frente Popular. Acabou acendendo a luz para vermelha para conversar sobre a gente. Vamos nos olhar. Vamos olhar para o nosso programa, para o nosso fazer cotidiano, a nossa condução política e administrativa. Vamos corrigir os erros que estamos cometendo para que a gente possa seguir adiante para uma nova fase e os próximos anos”.

Formação de chapa – "A mexida provocada com a saída da senadora Marina Silva da disputa foi grande, inclusive provocando, de imediato, um debate acerca da chapa majoritária da Frente Popular. Há dois meses, ninguém em sã consciência, uma analista político minimamente responsável, ousaria discutir a vaga da nossa senadora. Tampouco se discutiria quem seria o ocupante da segunda vaga da chapa. Temos o entendimento de que essa vaga tem um pretendente natural, que é o ex-governador Jorge Viana. A chapa estava formada”.

Nome no debate – “A saída de Marina Silva da disputa abriu um debate em torno da vaga. É natural que muitos se habilitem. Costumo dizer que essa tem que ser uma construção coletiva. Ela não pode ser uma construção a partir de um desejo individual. O meu nome está no debate. Isso é fato. Já houve partidos que tomaram posição pública acerca desse assunto”.

O querer dos outros – “Penso que esse é um processo de construção. Ninguém vira candidato ao Senado de um movimento político do tamanho que é a Frente Popular por desejo próprio, capricho, sonho ou birra político-partidária. Querer é muito importante, mas não basta apenas querer. Para ser candidato majoritário é fundamental que os outros queiram”.

Traço ideológico – “Sou daqueles que acham que a Frente Popular, nessa nova fase que viverá, vai precisar dar à sua chapa majoritária questões fundamentais. A primeira, que seja uma chapa com traço firme do ponto de vista ideológico, com pessoas identificadas com a construção da história dessa nova fase vivida no Acre. A segunda, uma chapa que seja, do ponto de vista político, plural. Precisa ser uma chapa que espelhe a sua amplitude política, onde aqueles que têm simpatia ideológica com esse movimento possam se ver, mas aqueles que, mesmo não tendo simpatia ideológica, também se vejam”.

Governo Binho – “O governo Binho Marques vai deixar uma marca programática muito forte. Ele está dando estabilidade republicana para os segmentos administrativos do Estado. Isso será um legado para as futuras gerações”.

Falta de protagonismo – “Tenho apenas uma crítica ao governo Binho Marques porque protagoniza muito pouco na política. Poderia protagonizar muito porque os feitos são extraordinários do ponto de vista do conteúdo e de quantidade. Os resultados são muito bons”.

Compromisso com pobres – “No ano que vem vamos viver uma grande fase de conquistas do governo Binho, mas, para mim, a grande marca será o foco de um governo que tem compromisso com todos, mas é focado nos mais pobres. Tem programas amplos e progressistas focados nos mais excluídos. Tem resultados extraordinários naquilo com que a gente sempre sonhou”.

Momento certo – “Cada momento exige uma atitude de firmeza e de grandeza. O nosso partido sempre foi construtor da chamada unidade da Frente Popular. Sempre compreendemos os desafios que a aliança teve que enfrentar em cada um dos seus momentos”

José Alberto – “Quando da sua construção inicial, em 1990, o candidato a vice-governador foi um médico militante do PCdoB, o doutor José Alberto, de Cruzeiro do Sul. Fui um dos construtores da indicação dele para compor a chapa com Jorge Viana. Naquele momento havia um preconceito muito grande contra os comunistas. Tivemos que abrir mão da filiação do doutor José Alberto no PCdoB para que a gente não pudesse botar o debate partidário na frente do movimento que nós estávamos construindo”.

Recuos estratégicos – “Recuamos naquele momento em nome da afirmação de um movimento muito maior e mais importante para o Acre, que era o movimento da Frente Popular. Depois, mas à frente, houve outros episódios nos quais nós reafirmamos o nosso compromisso com a unidade”.

Quase vice – “Na eleição passada, quando afirmamos a candidatura de Binho Marques e também a convicção de que precisávamos construir um movimento mais amplo, não tivemos dificuldades de retirar meu nome em função da ampliação dessa aliança, porque o momento exigia isso”.

PCdoB na chapa – “Temos a convicção de que o momento exige a reafirmação dos propósitos. O momento exige a repactuação programática e a reafirmação ideológica da Frente Popular. Nesse momento, a presença do PCdoB na chapa majoritária é indispensável. O momento, portanto, exige o não-recuo em nome da amplitude e da própria unidade da Frente. É preciso firmeza para a construção de nova etapa desse projeto que tão bem tem feito ao Acre”.

Tião Viana – “O senador Tião Viana é uma dessas lideranças políticas incansáveis na construção do seu dia-a-dia, no exercício do seu mandato. É um peregrino, que está constantemente visitando o Acre inteiro. Tem uma presença política extraordinária, porque é daqueles que amam e gostam do que fazem. É por isso que é o grande favorito para a sucessão de Binho Marques. Não só acredito, como todas as pesquisas indicam isso. Mas não nos acomodaremos em função de pesquisas. Para nós, a eleição e a disputa eleitoral vão começar em março do ano que vem. Vamos para a campanha como tivéssemos zero por cento nas pesquisas”.

PCdoB e PT – “É uma relação de unidade e de luta. Atuamos e disputamos as mesmas faixas sociais e os mesmos espaços políticos. Duas forças que atuam dessa maneira naturalmente, de vez em quando, se trombam. Acho que temos uma construção muito madura e amadurecida por conta dos problemas que vivenciamos anteriormente. Vivemos uma boa fase nessa relação política. Temos propósitos em comum, identidade política e programática, mas também temos desejos, que às vezes podem se conflitar aqui ou ali. O que precisamos fazer sempre é encontrar o caminho do meio, o ponto de mediação para que esses conflitos de interesses não possam estar acima do projeto maior, que é o interesse do nosso povo”.

Vitória política – “A vitória política é a da reafirmação da Frente Popular perante a maioria do nosso povo. Ganhar bem as eleições para o governo, eleger os dois senadores e o maior número de deputados estaduais e federais representariam a grande vitória política nas eleições de 2010”.

A oposição – “A oposição ainda está procurando seu caminho. Ela não se encontrou no Acre desde que perdeu as eleições em 1998 porque vinha de uma prática de disputas mesquinhas e de projetos individuais. Sem um programa claro de desenvolvimento para o nosso Estado. Até hoje não foi possível à oposição construir um programa que pudesse unificar todos os atores que estão disputando a eleição nesse campo oposicionista”.

Falta de líder – “Não tendo um programa que a unifique, a oposição não tem uma liderança que possa unificá-la, que possa conduzir o projeto. A oposição precisa de um programa claro, que unifique a própria oposição”.

Partido pulsante – “A nossa Conferência Estadual foi a demonstração do tamanho da nossa maturidade e organização. Somos um partido que emerge do povo e que vive o cotidiano da política, atuando no momento dos acontecimentos. Somos protagonistas e afinados com a sociedade. Estamos sempre com os dois dedos no pulso dos anseios da coletividade. Somos um partido vivo".

Fonte: Página 20