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Rubens Diniz: a energia nuclear no centro do debate internacional

Realizou-se no Rio de Janeiro, entre os dias 29 e 30 de outubro, o seminário internacional “Não-Proliferação Nuclear e Desarmamento”. O evento, organizado pelo Cebri (Centro Brasileiro de Relações internacionais), debateu as polêmicas em torno do da energia nuclear e do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Pelo Cebrapaz (Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz), estiveram presentes Rubens Diniz e Ronaldo Carmona.

Por Rubens Diniz*

A participação de figuras centrais no tema sobre não-proliferação e desarmamento fez do seminário um evento expressivo. Foi o caso da representante do presidente Barack Obama para os temas de Não-Proliferação, Susan Burk; do presidente do Instituto Internacional de Pesquisas da Paz de Estocolmo (Sipri), Rolf Ekéus; e do alto representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento, o brasileiro Sergio Duarte.

Tendo em vistas a realização em 2010 da conferência de revisão do TNP — único instrumento multilateral que busca estabelecer uma normatização em torno da posse e da proliferação de artefatos nucleares e do uso dessa energia para fins pacíficos —, o seminário analisou as polêmicas que atualmente se encontram na agenda da questão nuclear.

Criado no período da Guerra Fria — entrou em vigor em 1972 —, o TNP possui três pilares com os quais os Estados que aderem se comprometem: o desarmamento, a não-proliferação e o direito ao uso pacifico da energia nuclear.

O tratado é considerado desigual mesmo por países que o assinam, como é o caso do Brasil, que aderiu de forma polêmica, no período FHC. O TNP perpetra a divisão entre as potências nucleares e as não-nucleares. Isto se dá devido a que as grandes potências dão prioridade à agenda de não-proliferação — e exercem fortes pressões sobre o direito dos países em desenvolver o uso pacifico da energia nuclear. No entanto, pouco se exige das potências nucleares, no que se refere ao desarmamento.

Segundo o representante da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), Olli Heinonen, “vivemos hoje um renascimento da questão nuclear”, que a coloca no centro do debate internacional, como ocorreu nos anos 70 e 80. Esse renascimento está relacionado à busca por novas fontes de energia e pelo seu uso nas questões de segurança internacional.

A não-proliferação e a atual ordem internacional

Não existem números precisos, mas algumas estimativas contam que existem em torno de 23 mil ogivas nucleares distribuídas. De todo esse conjunto, 95% dos arsenais estão divididos entre Estados Unidos e Rússia. Os outros três membros do Conselho de Segurança da ONU também têm ogivas e são aderentes ao TNP.

Índia, Paquistão e Coreia do Norte afirmam possuir artefatos, mas recusam-se a participar do TNP tal como ele é hoje. Já Israel não confirma, apesar de distintos institutos internacionais sustentarem que o país possui em torno de 200 ogivas nucleares.

Nos últimos anos, as grandes potências nada realizaram no sentido de diminuir e de destruir seus arsenais nucleares. Ao contrário, em muitos casos o que tem existido é um esforço de modernizá-los e desenvolver estratégias nas quais se rogam ao direito de utilizar armas nucleares contra seus inimigos. É o caso dos Estados Unidos, com sua estratégia da “contraproliferação” — um corolário que afirma que os estadunidenses têm direito de usar armas nucleares contra grupos terroristas e países que lhes dão apoio.

O não-desarmamento das grandes potências — que são as mesmas que detêm o monopólio do uso da força no Conselho de Segurança e que desenvolvem políticas agressivas como a da “contraproliferação” — impõe um clima de profunda insegurança e inquietação no sistema internacional, gerando a necessidade da adoção de estratégias de dissuasão pelos países ameaçados.

Um exemplo é a Índia, representada no seminário pelo seu embaixador no Brasil, B.S. Prakash. Ele foi claro e enfático ao afirmar que a Índia se recusa a participar do TNP por considerá-lo discriminatório e injusto. Defendeu que seu país, desde a independência em 1948, tem afirmado claramente, que “por suas dimensões, por ser um quinto da população do globo, não pode abrir mão de fontes de energia, de uma tecnologia, de meios de dissuasão, que os outros países semelhantes à Índia possuem e não abrem mão”.

Prakash concluiu defendendo a criação de uma convenção internacional que proíba o uso de armas nucleares. Essa proposta tem sido defendida por vários países em desenvolvimento, como uma forma de tornar um crime contra a humanidade o uso desse artefato, proposta que arrepia os países desenvolvidos.

Ingerência e saqueio de recursos estratégicos

Outro ponto que esteve presente nos debates foi a proposta estadunidense de “multilaterização do ciclo de enriquecimento de urânio”. Trata-se da constituição de um mecanismo internacional (banco) que enriqueceria o urânio para os países que fazem parte do tratado.

O pais entregaria suas reservas de urânio ao banco, que autorizaria um outro país “credenciado” (uma das cinco potências nucleares) a realizar o enriquecimento. Em seguida, o urânio seria devolvido ao país de origem, em pequenas quantidades, sob o argumento de “evitar que se possa ter quantidade suficiente de urânio enriquecido, para a produção de um artefato nuclear”.

Trata-se de uma proposta com um grande conteúdo de ingerência e de saqueio de um recurso estratégico. A demanda mundial por fontes de energia é grande e se amplia pelos dilemas surgidos a partir do aquecimento global, o que faz com que a energia nuclear seja tanto um tema de disputa comercial como um tema de segurança.

Nesse aspecto, além das questões de segurança nacional, está o interesse em manter o monopólio do comércio de material físsil, impedindo a emergência de que outros países o possam comercializar. As grandes potências têm realizado fortes pressões aos países em via de desenvolvimento, como o Brasil, para que estes assinem protocolos adicionais que ampliam ainda mais restrições ao desenvolvimento da energia nuclear, a produção e o gerenciamento de materiais físseis.

O Brasil tem se recusado a assinar tal protocolo adicional e já chegou a impedir que inspetores da Aiea realizassem inspeções em parte do programa que era considerado segredo cientifico. Além do quê, o Brasil possui, em conjunto com a Argentina, uma agência que fiscaliza a produção de material físsil de forma conjunta, a ABACC (Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares), que dá garantias sobre os fins do material produzido pelos dois países.

Durante o debate, o belga Pierre Goldshmidt indagava sobre quais eram as razões que levavam o Brasil a se recusar a assinar o protocolo adicional do TNP, chegando a dizer, que “a constituição brasileira não dava garantias suficientes à comunidade internacional sobre as intenções do Brasil” em dominar o ciclo de enriquecimento de urânio — e para quais finalidades quer esse material. E que o país deveria assinar o protocolo adicional ao mais tardar até a conferência de revisão sob pena de ser recriminado pela comunidade internacional.

Já o alto representante da ONU para o tema de desarmamento, Sergio Duarte, pediu licença de suas funções como funcionário da entidade e afirmou que, “antes de ser da ONU, era brasileiro, e que não era possível se referir à Constituição do Brasil nestes modos”. Completou alfinetando: “Espero do senhor mesmo ímpeto e beligerância na cobrança de ações concretas das grandes potências sobre o desarmamento”.

Finalizando a rodada mais quente do seminário, o embaixador Marcos Azambuja afirmou que “o Brasil e seus vizinhos de caracterizam por constituírem uma zona de paz e livre de armamentos nucleares. Segundo ele, o pais já havia realizado muitos gestos à comunidade internacional desde que se tornou aderente ao TNP”. Azambuja concluiu afirmando que “a bola está do outro lado, o que as grandes potências irão fazer sobre o tema.”

Ampliar o debate

O que está realmente em jogo é a manutenção de um restrito e fechado clube nuclear, que detém o monopólio do uso da força. A defesa desse monopólio e o controle sobre a tecnologia nuclear estão muito ligados à manutenção da atual ordem internacional, uma vez que o uso da força é um elemento central e determinante na política internacional.

O debate sobre a questão nuclear não deve ser feito de forma ingênua, a partir das agendas impostas pelas grandes potências. Devemos pensar a questão em todas suas variantes e a partir de nossas necessidades. No contexto em que se encontra o TNP, não há como pedir que a um país abra mão de seu direito em conhecer a energia nuclear e de considerar seu uso para fins de dissuasão pacífica, sem o desarmamento das grandes potências e o estabelecimento de garantias de seu uso pacifico.

* Rubens Diniz é membro da Comissão de Relações internacionais do PCdoB e diretor do Cebrapaz (Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz)