Jô Moares entrevista ministro boliviano

Uma delegação da Direção Nacional do PCdoB estive nos últimos comícios da Campanha à reeleição do presidente Evo Morales, nos estados de Pando e de Beni. No deslocamento entre as duas cidades, a Deputada Jô Moraes, integrante da caravana teve a oportunidade de realizar uma esclarecedora entrevista com o Ministro da Presidência da Bolívia, senhor Juan Ramon.

Jô e Evo

 Porque as eleições na Bolívia foram antecipadas?

Agora temos uma nova constituição e na nova constituição está previsto um novo governo. Pela nova constituição, necessitamos renovar todos os poderes públicos. Agora é hora de refundar o país. Então há novas instituições: novo governo, novo parlamento, novos governadores, novos prefeitos. Além disso, se incorpora pela primeira vez as autonomias departamentais (referentes aos estados) e isto implica eleger representantes regionais (deputados) para constituir as assembléias departamentais. Portanto, é uma transformação radical da arquitetura do estado.

Quais as principais mudanças estruturais que a constituição realizou?

As mais importantes mudanças se deram nos direitos constitucionais dos cidadãos. Reconhecimento de um estado plurinacional, que significa reconhecer a existência de 36 povos indígenas que não estavam reconhecidos na constituição anterior.

Direitos, identidade, idioma, valores, tradições, religiões, usos e costumes. Hoje há 36 povos indígenas e cada povo se constitui em uma nação. Então, a soma dessas nações formam o estado plurinacional. Não se pode pensar a Bolívia a partir apenas das relações Estado/cidadão, quando essas 36 nações convivem sobre a base de valores coletivos, da vida em comunidade. É o que caracteriza esses povos. Esses povos não têm nenhuma lógica democrática liberal. É uma lógica democrática comunitária, de responsabilidade, reciprocidade do povos inteiros.

Esta é uma transformação fundamental; o ciclo que se move. Desde a criação da República, os índios não contavam. Os índios eram objeto de genocídio estatal. Eram um grande obstáculo à mentalidade liberal do século IX.

 E qual é o percentual da população indígena na Bolívia?

Mais de 60%. 17 indígenas que se reconhecem indígenas.

O que unifica a Bolívia já que institucionalmente são 36 nações. Que unidade, que instituições, que políticas unificam a Bolívia?

A partir de agora todos os valores da igualdade, da cidadania multicultural que, portanto, se assumem na diversidade cultural. A diversidade como o segmento social. Que antes o discurso da unidade era um discurso vazio: que somos bolivianos. Sim, somos bolivianos, mas não somos cidadãos. O conceito de cidadania não reconhecia o conceito de identidade cultural, somente o cidadão e pronto. Não o cidadão: valores; identidade; memória coletiva; história comum; território. Isso não existia. Agora existe. A hora é de construir a comunidade imaginária. Tem que se construir um novo imaginário nacional sobre a base diversidade. A diversidade tem que ser o cimento da unidade nacional.

Como se expressam politicamente essas nações no contexto nacional? Há alguma diferenciação; cota de representação na assembléia federal?

Agora os povos indígenas terão sua própria bancada na assembléia legislativa. Os povos indígenas terão seus representantes. A nova constituição obriga todas as instituições a exercitar seu direito à diferença.

A constituição prevê uma bancada com base territorial?

Há 3 tipos de representantes no parlamento: representação por população, por território e por povos indígenas. É a representação por circunscrição uninominal; plurinominal e especial para os povos indígenas.

 E que política coesiona a nação boliviana? É a política dos valores comunitários? O que é comum ao cidadão boliviano de cada nação, de todas as nações?

Há uma sociedade em permanente construção. Há um imaginário nacional ilusório: um cidadão e pronto. Todos somos iguais perante a lei, mas na realidade isso não funciona. Então, há um reconhecimento, há uma cidadania fracassada. Agora, estamos trabalhando por uma cidadania inclusiva, de reconhecimento das identidades. O que vai no imaginário da unidade nacional será a valorização dessa diversidade. É como escreve um estudioso canadense: o valor da República é só passado. É uma história já encerrada. Hoje, o estado é plurinacional. Que o estado republicano é um estado que devia um sêlo europeu. Agora é um estado plurinacional e um exemplo da multiculturalidade.

 Como incorporar politicamente os setores urbanos que tinham vantagens no velho modelo?

Neste setor urbano também existem muitos indígenas. Em La Paz a maioria são indígenas aimaras tem empresários aimaras exitosos que trazem comercio da Coréia do Norte, do Japão, da China com a mesma eficiência que um empresário de outras origens. Entre os Aimara tem burguesia. Entre os Quetsna tem a burguesia indígena também, que sempre estiveram escondendo sua identidade. Burguesia indígena que enviava seus filhos para estudar nos Estados Unidos. Para que não fossem separados por suas origens indígenas. Tinham trocando a hora de reconhecê-las. Uma política do reconhecimento é uma política de consistência.

A expectativa que vocês têm em relação aos resultados da eleição consolida o caminho de mudança na Bolívia?

Sim. Não somente consolida, também aprofunda. Será o momento para aplicar a nova constituição. Temos vivido mais um processo político delicado. Agora vamos viver uma mudança que tem apoio constitucional temos lutado pela constitucionalização da mudança. Agora, a mudança já tem constituição. Esta é a hora de um processo contra a constituição anterior. Portanto é um processo que tem constituição. É para nós um tempo de mudanças, é hora de pensar numa mudança de tempo, de outra época. Agora é a época das grandes transformações que tem legitimidade social, que tem reconhecimento cultural, que tem reconhecimento internacional.

Hoje, a maioria das casas legislativas apóia o presidente Evo Morales?

Na Câmara dos Deputados o governo tem a maioria. No senado, a maioria é de oposição.

A expectativa é de que o processo eleitoral altere essa composição?

Agora vamos lutar para transformar. Vamos fazer maioria absoluta na Câmara dos Deputados e maioria absoluta no Senado.

A mudança do padrão biométrico foi uma mudança radical. Alguns setores oposicionistas dizem que houve um crescimento muito elevado do registro eleitoral?

O crescimento da população se verificou nos últimos 10 anos. No último censo na Bolívia (2001) houve muitas falhas. O crescimento da população média na Bolívia foi de 3.8% quase 4%.

O último censo não foi na eleição de três anos atrás?

O último censo foi no ano 2001. Bolívia tinha 8 milhões e 300 mil habitantes Se hoje fizermos um censo provavelmente chegaremos a 11 milhões de pessoas.

 E a metade, 5 milhões e 100 mil serão os eleitores?

Sim, 5 milhões e 300 mil.Ocorre que, no campo as pessoas não se registram porque não têm carteira de identidade; não têm certidão de nascimento; não têm identidade.

Nesse período mais recente expandiram-se os serviços de identidade, de registro de pessoas?

Agora é um direito de ter acesso à identidade. O governo vai aplicar a política para que todos tenham carteira de identidade por uma lei de seguro universal e proteção. Porque agora necessitamos de ter um novo registro da população.

Foi uma ousadia a utilização do novo método. A segurança é muito grande com o novo modelo, não?

Sim. O que ocorria no passado é que o sistema político era uma impostura política. Se falava em democracia e tinha uma ditadura dos partidos políticos que se uniam para fazerem uma maioria absoluta. Porque o partido mais votado apenas fazia 23%, 24% Isso era uma tirania política. Os outros governos agiam assim. Ganhamos 4 eleições com mais de 50% A maioria da população votou nos quatro últimos anos a favor do governo. Nunca antes ocorreu em toda a história deste país. Hoje há democracia. Hoje há uma democracia real. A gente vota, hoje a gente participa. No passado haviam pactos acordos entre os partidos para fazer com que sempre tivessem um acordo sobre a manga e se instalou uma tirania partidária.

Das terras bolivianas, 
Jô Moraes