João Ananias: “Saúde não é privilégio, mas um direito de todos”

Dando prosseguimento às entrevistas personalidades políticas e populares, o Partido Vivo do Ceará ouviu o Secretário de Saúde do Ceará, João Ananias. Durante a entrevista, o médico falou sobre a sua trajetória na profissão e na política.

João Ananinas

Os desafios e as conquistas começaram cedo em sua vida. Santana do Acaraú, cidade localizada no Norte do Estado, guarda as raízes, mas o Ceará foi o palco de suas importantes atuações como médico e gestor.

A Medicina

Através de um convênio firmado entre o Ministério da Educação do Brasil e o Ministério de Negócios Estrangeiros de Portugal, João Ananias foi classificado em primeiro lugar na prova que selecionava estudantes de Medicina. Em 1974, ingressou na Universidade Clássica de Lisboa. Além da Medicina, o jovem universitário vivenciou as atividades do movimento estudantil lusitano. “Lá presenciei a Ditadura Portuguesa, o Salazarismo (governo ditatorial comandado por Antonio Salazar, que governou entre 1933 e 1970, e que foi derrubado pela Revolução dos Cravos, em 1974). Em 25 de abril daquele ano, participei da Revolução dos Cravos”. Segundo João Ananias, participar destas atividades foi importante para sua formação. “Aquele momento histórico me trouxe maturidade política e sedimento ideológico traçando um rumo ligado aos movimentos sociais e populares”, avalia.

Após os três anos de curso em Portugal, Ananias volta ao Brasil para concluir os estudos na Universidade Federal do Ceará. Em seguida, entra no curso de pós-graduação de Educação em Saúde Pública. “Aqui passei a lutar por outras ideias, como a defesa da reforma sanitária brasileira, contra a Ditadura Militar e também em defesa da reabertura do Diretório Central dos Estudantes”, recorda. O vínculo entre a política de saúde e o conhecimento dos problemas sociais foi determinante em sua trajetória. “Sempre trabalhei questões coletivas na saúde”, pondera.

Engajamento político

A vida política veio como consequência deste engajamento. Em 1982, foi candidato à Prefeito em Santana do Acaraú pelo PSB, mas só foi eleito no pleito seguinte. Enfrentando a oligarquia que dominava a política local por quase 30 anos, João Ananias rompeu com antigos poderosos locais e traçou outra alternativa para a comunidade. “Meus aliados passaram a ser as pessoas menos favorecidas”, relembra. Na campanha presidencial de 1989, João Ananias apoiou o então candidato Lula. “No Ceará apenas dois prefeitos o apoiaram. Eu em Santana do Acaraú e Dedé Teixeira, atual deputado estadual pelo PT, então Prefeito de Icapuí”.

Durante o primeiro mandato como prefeito, o médico facilitou a organização popular no município, através da formação de associações e conselhos comunitários. “Durante um ano trabalhamos junto à população a ideia da importância de que as pessoas precisavam estar organizadas. As sete associações de moradores que existiam antes serviam apenas para intermediar votos e distribuir o ‘tiquete leite’ do Governo Sarney. Eles eram completamente desorganizados”, recorda. Em 19 de janeiro de 1990, um ano depois de assumir a prefeitura, foi formalizado o ‘Conselhão’, instrumento de participação popular onde eram representados amplos segmentos sociais, em especial os movimentos populares. “Esta data é simbólica para mim, porque lá criamos o 1º conselho popular do Ceará com poderes deliberativos. Eu como prefeito, respeitava a decisão do Conselhão. Aquela foi uma gestão diferente que teve muitos avanços, principalmente na área social”, afirma.

João Ananias avalia que “o embate político foi cruel”. “Eles fizeram um cerco à gestão, tinham a maioria na Câmara, mas a válvula da minha administração foi o apoio dos movimentos sociais. O Conselhão era a porta de entrada da demanda da comunidade. O que era aprovado por eles, nós executávamos”.

Em 1994, João Ananias foi eleito deputado estadual pelo PSB e em 1996 foi novamente eleito prefeito de Santana do Acaraú. Nas eleições de 2000, não lançou candidatura. Em 2002, foi eleito 1º suplente de Deputado Estadual ainda pelo PSB. Como médico concursado do Programa de Saúde da Família (PSF), Ananias atuou neste período em Paracuru.

A entrada no PCdoB

Na campanha à presidência de Lula em 2002, Ananias era presidente estadual do PSB no Ceará. Na época, a cúpula do PSB apoiou o candidato do partido, Anthony Garotinho. “Eu fui contra, e fui voto vencido. Devido a todo o meu histórico ligado aos movimentos sociais, não podia deixar de apoiar o Lula. Falei ao Governador Arraes, então presidente nacional do PSB, que não seguiria a orientação do partido em votar no outro candidato e que arcaria com as consequências. Esta foi a minha primeira e única insubordinação partidária”, relembra. “Lula foi eleito e antes de intervirem no diretório estadual, entreguei a presidência estadual do partido e me desfiliei”.

A ligação com o PCdoB foi de identidade ideológica. “Sempre fomos aliados próximos nas campanhas cearenses e nutria simpatia pela conduta do PCdoB em relação aos movimentos sociais. Foi quando em agosto de 2003, filiei-me ao partido. Avalio que esta foi uma das decisões políticas mais felizes e sóbrias que tomei na minha vida política”, considera.

Segundo Ananias, a visão externa que tinha do Partido Comunista não mudou após a sua entrada. “Muito pelo contrário. Pude compreender melhor o funcionamento do partido e seu caráter democrático vivenciado no dia a dia a instância partidária”, afirma.

Em 2006, já pelo PCdoB, João Ananias foi eleito Deputado Estadual. “Grande parcela desta eleição credito à forma como o partido tratou a nossa campanha. Ela foi resultado da construção de um mandato coletivo”, reconhece. Já em Janeiro de 2007, o médico foi convidado a assumir uma das secretarias de estado mais importantes: a de Saúde.

O 1º Secretário Comunista do Ceará

O acúmulo de experiências como médico de PSF no interior do Estado e também como prefeito proporcionou outro olhar às necessidades da população. “Nós compreendemos e enxergamos de perto os problemas das pessoas. Temos outro olhar sobre as barreiras e impedimentos que o pai de família e a dona de casa que moram no interior sofrem”, considera. Para João Ananias, as pessoas não tinham acesso à atenção básica, que é, para ele, a porta de entrada da saúde. “As pessoas não tinham acesso à saúde nos municípios. Hoje construímos uma unidade de ações através do Sistema Único de Saúde (SUS) entre Estado e municípios”, comemora.

Para o médico, esta unidade entre o Estado e os municípios ratifica o processo de descentralização da saúde. Ananias considera que um grande acerto de sua atuação a frente da Secretaria de Saúde do Estado foi fortalecer as gestões municipais. “Agora o dinheiro vai para onde está o problema. A verba tem que estar onde precisa”, defende.

João Ananias considera que o olhar comunista traz grandes diferenças na hora de preconizar as ações. “Vamos na contramão das leis de mercado, priorizando a visão humanística. Para nós, é fundamental humanizar e acolher os menos favorecidos, aqueles que historicamente são penalizados e têm menos acesso aos seus direitos. Para nós comunistas, o Socialismo é o rumo e não abriremos mão desta perspectiva. Isto nos dá força e perseverança para continuar lutando”.

Conquistas na saúde do cearense

Apesar dos inúmeros avanços relativos à saúde que ainda faltam ser superados, Ananias aponta desafios que foram conquistados. “O primeiro deles foi a questão financeira. O Governador Cid Gomes entendeu que era preciso investir recursos do Tesouro do Estado. Foram mais de R$ 500 milhões. Eu como gestor e médico nunca vi isso. Em pouco tempo reestruturamos o SUS no Ceará, aumentamos o número de leitos e vemos qualidade na tecnologia de equipamentos. Hoje o paciente cearense tem acesso à equipamentos que antes só havia no conceituado Hospital Albert Einstein, em São Paulo”, comemora.

Outras ações também foram destacadas pelo secretário. “Com a construção dos Hospitais Pólo, invertemos a lógica da saúde. O paciente não precisa mais sair da sua região para ser atendido, além do que, conseguimos diminuir a superlotação em outros hospitais. Com as 21 Policlínicas e os 16 Centros de Especialidades Odontológicas (CEO’s), em todas as microrregiões do Estado, conseguimos resgatar o princípio da equidade do SUS”, enumera.

Questionado sobre a marca de sua gestão na Secretaria, João Ananias avalia. “Marcamos o nosso trabalho pela ação unitária entre Estado e municípios, assim como a ampliação dos investimentos. Foram 377,6% de investimentos a mais em saúde em apenas três anos. Deste modo buscamos ampliar o acesso da população, principalmente a mais necessitada, aos serviços públicos de saúde. Para nós saúde não é um privilégio, mas um direito de todos”, enfatiza o secretário.

Novos desafios

Após tantas conquistas, ainda restam pendências a serem superadas. “Uma questão central é qualificar e profissionalizar o atendimento. Não adianta a gente ter equipamento de ponta se o paciente não for acolhido. É preciso humanizar a atenção básica”, defende. Para Ananias, é inadmissível um paciente ser mal tratado durante atendimento. “Deveria ser redundância falar de humanização na saúde, mas infelizmente ainda vemos muito isso. Estamos em 2010 e não mais na era medieval”, compara.

De Fortaleza,
Carolina Campos