Roberta França – Não é só o "Caso Alanis"

Mal faz um mês que o caso da menina Alanis se tornou público e nos parece que o fatídico sequestro ocorreu há pelos menos dois meses. Isso se deve, sem dúvida, a quantidade de notícias veiculadas diariamente nos veículos de comunicação. Elas nos dão esta falsa impressão. Aliás, as falsas impressões não são poucas, elas vão adiante sem dó daqueles que ouvem, leem e assistem às notícias da violência sofrida pelas pessoas, todos os dias.

Parece uma tortura. Uma tortura à criança que teve a sua identidade revelada; a tortura de ver seu rosto estampado em todas as capas de jornal e nos noticiários televisivos; a tortura de seus pais, ao saberem dos detalhes da violência sofrida pela filha através do jornal. Tortura de ter as informações repetidas, causando a impressão de grandes matérias. Tortura de ver as pessoas inflamadas pela linchação do acusado. Tortura para a vítima, para a família e para os consumidores de informação.

Quem ganha com isso? Quem ganha com os furos jornalísticos, com os detalhes do crime, com as imagens apelativas do caderno policial, com as notícias cheias de erros gramaticais pela correria das redações, quem ganha com a superficialidade das informações? A imprensa ajuda e mais atrapalha, em outros casos. As imagens de corpos estendidos no chão estão de volta com todo gás. Elas preenchem as capas e, sobretudo, as notícias sobre as mortes da periferia. Pergunto-me se é uma questão de classe. Se aqueles rostos estão lá apenas por que aquelas pessoas são pobres ou se é por que a imprensa perdeu mesmo o bom senso. Ou mais, se perdeu o respeito com os mortos, com os que sofrem, com os que perdem os seus.

O Programa Nacional dos Direitos Humanos, que está agora na sua terceira edição, quer punir os meios de comunicação que não respeitarem os direitos da pessoa humana. Há muitos dias vejo notas em colunas, artigos nos jornais e outras manifestações afirmando que o Governo Federal quer “cercear a liberdade de expressão dos jornalistas”. Não consigo lembrar de frase mais antiga dita pelos (donos dos) veículos de comunicação. Minha indignação até supera a vontade de rir desta piada. Muitos sabem que este programa não foi construído numa mesa de escritório, foi pensado, programado e cobrado por centenas de pessoas na Conferência Nacional de Direitos Humanos. Mas parece que apenas as grandes mídias e alguns intelectuais fajutos esqueceram disso. Neste caso, as mídias não ganham a culpa sozinhas. Mas ganham também por auxiliarem nesse processo de criminalização dos movimentos sociais, atores fundamentais na elaboração do programa.

Se for assim, pra que precisamos de imprensa? Pra quem são esses veículos de comunicação? Para além de empresas privadas, precisamos de informação de qualidade, responsável e democrática. Precisamos de agentes produtores de comunicação em todos os lugares e precisamos também de jornalistas com formação intelectual, humana e acadêmica.
Que possamos não parar de nos indignar!

Roberta França é jornalista e educomunicadora

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