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Ecologia: uruguaios constroem casas de barro e palha

É cada vez maior o número de uruguaios que escolhem construir suas casas de forma ecológica. O problema é que não existem mercado nem mão-de-obra especializada para a chamada bioconstrução. As casas feitas com terra permitem economizar energia e são uma contribuição para a mitigação da mudança climática, já que sua construção emite menos gases-estufa do que as técnicas tradicionais.

Por Inés Acosta, para a agência IPS

Também é possível gerar dentro delas um ambiente agradável, isolado de temperaturas extremas e da umidade. Mas, sobretudo, permite a autoconstrução e autoprodução de seus componentes, o que as torna mais econômicas.

Incluindo mão-de-obra, assessoria de arquitetos e outros itens, uma casa de terra custa no Uruguai entre US$ 500 e US$ 600 o metro quadrado, enquanto uma casa de concreto e tijolo de argila cozido sai por aproximadamente o dobro, entre US$ 900 e US$ 1mil. No meio rural deste pequeno país sul-americano, era comum as casas serem construídas com os materiais oferecidos pela natureza: terra, madeira, palha. Essas técnicas, que agora são chamadas de bioconstrução, foram transmitidas de geração em geração e ainda hoje há quem sustente a tradição, embora suas experiências permaneçam quase invisíveis.

O auge da bioconstrução chegou na década de 90, quando um grupo de arquitetos começou a pesquisar o uso da terra, ao mesmo tempo em que o tema era incorporado nos programas da Faculdade de Arquitetura da estatal Universidade da República (Udelar). Isso permite replicar a técnica em diferentes lugares do país, mas são experiências isoladas e com pouco interesse do governo. Calcula-se que, nos últimos 15 anos, foram construídas cerca de cem casas com participação de arquitetos e outras cem levantadas pelos próprios proprietários, sem a intervenção de técnicos.

A demanda por técnicas sustentáveis está em alta, mas não existe uma normatização adequada, tampouco um mercado de venda e produção de materiais ecológicos nem mão-de-obra especializada. Esses sãos os elementos para promover uma construção alternativa, explicou ao Terramérica a arquiteta Rosario Etchebarne, especialista em bioconstrução, professora e pesquisadora da Udelar. “Há muita demanda por parte da população e muita gente que se anima a experimentar, mas as autoridades ainda têm algum receito, porque faltam normas técnicas para os processos de construção e temem o experimental”, acrescentou.

Segundo Etchebarne, as técnicas mais usadas são três: o adobe, que é um tijolo cru, o bloco de terra comprimida (BTC), elaborado com uma máquina especial, e o feixe, um painel de madeira que leva terra estabilizada com palha e outros componentes. “A bioconstrução incorpora muitos conceitos de sustentabilidade. A base de tudo está na existência de uma economia de energia”, disse. “Permite um projeto bioclimático, e cada um pode construir e produzir os materiais, por isso seria interessante as políticas públicas promoverem centros de produção do componente, onde a pessoa, por meio de um pequeno acordo, possa fazer seus blocos e construir uma casa com materiais naturais”, disse a arquiteta. “Estaríamos dando uma grande contribuição à mitigação da mudança climática, porque não estaríamos emitindo nada de dióxido de carbono no meio ambiente, já que o cimento utilizado é mínimo”, explicou Etchebarne.

Uma das experiências mais interessantes e recentes de construção com terra é Guyunusa, uma cooperativa habitacional de ajuda mútua de Ciudad de La Costa, no departamento de Canelons, no sul, sobre o Rio da Prata. Suas dez casas foram construídas com barro, mediante empréstimo do Ministério da Habitação. “Escolhemos a bioconstrução porque queríamos casas mais baratas e saudáveis. Foi feita uma pesquisa em busca de diferentes técnicas e concluímos que a casa de barro é a mais sã e mais térmica, mais econômica e ao alcance de todos”, disse ao Terramérica Silvana Delfino, integrante da cooperativa. “Não há nada de novo. O ser humano viveu em casas de terra aqui e em outras partes do mundo”, acrescentou.

O projeto do complexo habitacional Guyunusa também inclui um sistema de saneamento ecológico, pois fica em uma área não ligada à rede, que foi financiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Segundo Delfino, a ideia das cooperativas “é mostrar que com pouco dinheiro é possível ter casas dignas, que respeitam o meio ambiente”.

Nos arredores de Montevidéu, nas experiências autogeridas Comunidade do Sul e La Wayra, várias famílias construíram suas casas ecológicas com ajuda do arquiteto alemão Heiner Peters, que visitou o Uruguai e transmitiu seus conhecimentos. Também foram construídas algumas casas de veraneio perto do mar ou de fazendas, de grande porte.

“Este tipo de construção não tem mistério algum. Antigamente as pessoas se instalavam em um lugar e construíam suas casas com o que encontravam por perto. O problema é que talvez tenhamos desaprendido algumas coisas”, disse ao Terramérica Hugo Costa, integrante de La Wayra.

Inês Costa é correspondente da IPS.