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Ocupação e atentados: Iraquianos "votam" mais uma vez

Cerca de um milhão de iraquianos já depositaram seus votos nas urnas da eleição parlamentar que o país realiza, há dois dias do encerramento das urnas, de acordo com informações da rede catariana de televisão al-Jazira. A eleição mostra também um dos aspectos da luta entre Estados Unidos e Irã pelo controle da política iraquiana.

A abertura das urnas na quinta-feira foi colocada em um segundo plano após uma série de explosões ter matado pelo menos 14 pessoas e feridou outras 57 em colégios eleitorais espalhados por Bagdá.

No primeiro ataque, sete pessoas foram mortas na explosão de uma bomba perto do colégio eleitoral da parte norte da cidade. Pouco depois, um suicida explodiu diante de uma escola que é usada como colégio eleitoral, matando pelo menos 3 soldados.

Em Baab al-Muadham, no centro da cidade, um outro homem detonou uma bomba, matando mais quatro soldados. O país permanece em alerta de máximo nível, enquanto a população aguarda ir às urnas no sábado. Viagens pelo país estão restritas.

Em 8 de dezembro de 2009, o Conselho presidencial iraquiano (formado pelo presidente do país, Jalal Talabani e os dois vice-presidentes, Tariq al-Hashemi e Adel Abdel Mahdi), com uma delegação do Conselho Supremo Eleitoral e da Missão das Nações Unidas no Iraque (UNAMI) determinou que 7 de março de 2010 seria o dia para a celebração das eleições parlamentares no país.

De acordo com a repartição confessional dos cargos, instaurada pelos ocupantes a partir de 2003, assumiu-se tacitamente que as duas vice-presidencias devem ser representadas por um sunita e um xiita, enquanto que a presidência recai sobre um curdo.

Os sunitas não concordaram com a divisão de votos sugerida pela legislação eleitoral, que não contemplou os mais de 5 milhões de refugiados internos e externos com o mesmo princípio de eleição para os residentes. Segundo a lei, cada 100 mil iraquianos elegerão um deputado para o parlamento, enquanto os 5 milhões de refugiados poderão eleger apenas 15 representantes.

O parlamento iraquiano demorou mais de cinco meses para aprovar a nova Lei Eleitoral, em uma evidente demonstração da inviabiliade e instabilidade das instituições criadas pelos invasores sob critérios sectários.

Segundo o Direito Internacional, as eleições de março deste ano não só são ilícitas, ao derivar de um regime de ocupação, como também, em lugar de favorecer a estabilização das instituições democráticas no Iraque, aprofundam a fratura sectária.

Além disso, essa lei aumentará o déficit dos direitos civis, econômicos e políticos dos iraquianos (particularmente os das mulheres) que, privados do direito de cidadania, se vêm obrigados obedecer referências comunitárias, étnicas, tribais ou religiosas.

A nova lei eleitoral favorece as grandes coalizões, marginalizando as pequenas ou novas formações. As organizações que participarão nas eleições negociam coalizões à sombra dos Estados Unidos e do Irã, os verdadeiros patrões da situação interna do Iraque.

Os atentados realizados em Bagdá e em outras cidades do país desde agosto de 2009 são reflexos dessa eleição. Os antigos aliados do atual premiê al-Maliki na Aliança Unida Iraquiana, que congrega diversos partidos confessionais xiitas pró-iranianos, não perdoam sua intenção de candidatar-se por uma lista própria, denominada Lista do Estado de Direito.

Assim, regam a grama sob seus pés com o sangue de centenas de iraquianos, por meio de atentados indiscriminados no centro governamental de Bagdá.

Segundo o serviço secreto iraquiano, as milícias ou os serviços de segurança ligados ao Irão e ao principal rival político de al-Maliki, o Conselho Supremo Islâmico do Iraque (CSII), pretenderiam erodir o apoio popular de al-Maliki, baseado na relativa melhora da segurança, levando a cabo diretamente — ou assim permitindo — grandes atentados, obrigando assim, com eles, recriar a Aliança pró-iraniana, mas desta vez de acordo com as condições do CSII.

No início de janeiro, em meio à luta pelo poder dentro dos grupos políticos ligados ao Irã, Nuri al-Maliki proibiu 14 partidos e quase 500 candidatos, majoritariamente sunitas, de disputarem as eleições, alegando que tinham antecedentes baathistas (O partido Baath estava no poder quando o país foi invadido).

Al-Maliki utilizou para isso a Comissão de Responsabilidade e Justiça do Iraque, entidade herdeira do Organismo de Desbaathificação criado por Paul Bremer, em 2003, e presideido por Ahmed Chalabi (que, segundo os próprios militares americanos no Iraque, é o principal agente iraniano no país) e dirigido agora por Ali Feisal al-Lami, que foi detido em agosto de 2008 e passou um ano nas prisões americanas do Iraque acusado de colaborar com as brigadas iranianas al-Quds.

Segundo os próprios americanos, os banidos da eleição não são membros do antigo partido Baath, cujas credenciais de resistência frente ao sistema que a ocupação impôs estão fora de dúvida. Na verdade, eles repudiaram o Baath e tomaram parte do "processo político" auspiciado pelos Estados Unidos desde 2003 no Iraque.

É o caso dos autoproclamados "nacionalistas laicos Saleh al-Mutlaq, e o ex-primeiro ministro Iyad Alawi e Tariq al- Hashemi, que lideram a coalizão do Movimento Nacional Iraquiano, conhecido como al-Iraquiya.

Como tem sido desde sua instauração, a frequente utilização do processo de desbaathificação por parte do governo al-Maliki não se explica no âmbito ideológico, mas no dos interesses políticos e de divisão de cotas de poder entre as coalizões do sistema criado pelos ocupantes.

Assim, viu-se neste ano as expulsões de centenas de militares do exército iraquiano e de assalariados do governo do país, pertencentes ao grupo Filhos do Iraque, que faz parte do Conselhos do Despertar, um grupo majoritariamente sunita e integrado por mais de cem mil pessoas, financiado pelos ocupantes para combater tanto a rede al-Qaida como a resistência nacionalista do Iraque.

A invasão militar e a péssima gestão da ocupação americana converteram o Iraque em um cenário trágico e devastado de uma luta de poder entre os Estados Unidos de Irã.

Os acordos de segurança fechados entre os EUA e o Irã, para fazer frente à resistência durante o governo de George W. Bush, deixaram de ser seguidos hoje, e o que antes foi uma coordenação, para exercer uma repressão militar planejada e sob parâmetros sectários contra a resistência, pode dar vez agora a um enfrentamento direto no Iraque entre as forças militares americanas e as paramilitares pró-iranianas.

Da redação, com agências