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Milionário de direita, Piñera assume no Chile

Pela primeira vez nas últimas duas décadas, um presidente de centro-direita assumirá o governo no Chile. Eleito com 51,8% dos votos, o empresário Sebastián Piñera (Alianza) toma posse nesta quinta (11). Ele substitui Michelle Bachelet, que deixa o Palácio de La Moneda com 84% de aprovação popular. O principal desafio de Piñera é reconstuir parte do país destruído por uma série de tremores de terra e tsunamis – o pior deles ocorreu no último dia 27.

Piñera venceu a eleição mais disputada nos últimos anos no Chile. O empresário obteve 51,8% dos votos contra 48,1% do candidato governista, o ex-presidente Eduardo Frei Ruiz (Concertación). Com um discurso baseado nas expressões “mudança” e “renovação” e promessa de geração de emprego, Piñera conquistou votos dos indecisos e insatisfeitos. Não faltaram, contudo, denúncias de suas ligações com militares pinochetistas.

A equipe do presidente eleito admite que terá de dar continuidade aos avanços sociais implementados por Bachelet, como as conquistas de direitos previdenciários e trabalhistas. Desde sua eleição em janeiro, Piñera tem trabalhado diretamente com Bachelet.

O único momento de divergência entre Piñera e Bachelet foi logo após o terremoto do último dia 27 – que atingiu 8,8 de magnitude na escala Richter. Na ocasião, o presidente eleito considerou que o governo de sua antecessora foi lento ao determinar ações mais duras para conter a onda de violência e saques em algumas cidades. Em seguida, recuou nas críticas.

O impacto do terremoto na administração que será iniciada já se evidenciou no anuncio feito por Piñera sobre a austeridade que caracterizará sua cerimônia de posse, para a qual estava previsto antes um grande ato, pegando como mote o bicentenário da independência do Chile. O temor de parte da população mais atenta é o de que erros e revézes do novo governo passem a ser justificados como efeitos colaterais do esforço de reconstrução.

Mas os desafios do novo presidente vão além da reconstrução do país. Ele terá de utilizar sua experiência como empresário para administrar a maior reserva mundial de cobre – o Chile detém 40% da produção. Também deve intensificar os esforços para manter o país sem dívida externa e credor líquido, legado de sua antecessora.

Piñera terá de administrar o orçamento de cerca de 46,5 bilhões de dólares. Como no Brasil, a aplicação desses recursos deve ocorrer em acordo com o Congresso Nacional. Para evitar desgastes, ele deve tentar manter uma relação amistosa com os parlamentares. Para analistas, a tendência é de haver dificuldades, uma vez que o resultado das eleições foi bastante apertado.

A equipe do governo Piñera foi antecipadamente anunciada em fevereiro. Dos 22 ministros, 13 não têm filiação partidária, mas mantêm uma relação umbilical com os grandes grupos econômicos chilenos, do qual Piñera é o maior representante.

Piñera´significará o neoliberalismo na economia e o gerencialismo na administração pública. E o fato de ser ele mesmo um empresário já motivou denúncias de conflito de interesses envolvendo o direitista. No plano regional, sua posse quebra o ciclo de vitórias da esquerda, colocando o Chile mais em sintonia com a Colômbia, de Álvaro Uribe, o Peru, de Alan García, e o México, de Felipe Calderón.

Despedida de Bachelet

No último dia de mandato, Michelle Bachelet afirmou hoje (11) estar “orgulhosa” do desempenho de seu governo e disse que se entristece por entregar a faixa presidencial a Sebastián Piñera em um momento difícil para o Chile, após o terremoto.

"Há uma mistura de emoções, porque partimos tristes pelo que aconteceu, que causou tanta dor a tanta gente, mas tranquilos, pois cumprimos o prometido e nunca estivemos ausentes. Diria que estou orgulhosa do que fomos capazes de construir, no papel que desempenhamos como governo", disse, emocionada, segundo o jornal chileno La Tercera.

Nas imediações de La Moneda dezenas de pessoas, em sua maioria mulheres exibindo faixas e cartazes, exigiam nesta quinta a sua reeleição daqui a quatro anos. Quanto aos pedidos para que se candidate às eleições em 2014, a presidente respondeu: "Hoje é o nosso último dia, isso é o que importa, portanto, não façamos política de ficção".

"Em 2014 vamos repetir o prato", disse uma mulher que, junto com outras amigas, exibia uma enorme faixa com os dizeres "obrigado presidente, nos vemos em 2014".

Por sua parte, o ministro do Interior, Edmundo Pérez Yoma, opinou que o governo Bachelet “foi um dos melhores da história republicana chilena e que a equipe parte com o carinho do povo, uma grande aprovação da presidente (84%) e o sentimento de fizemos as coisas certas. Esse governo será reconhecido no futuro como um grande governo".

Ontem (10), Bachelet falou em cadeia nacional pela última vez como presidente, acompanhada de sua equipe de ministros, e fez um balanço da atuação do governo ao longo dos cinco anos de mandato e frente ao terremoto. Ela enalteceu o papel da Concertação desde a redemocratização do país. Segundo ela, "o terremoto e os tsunamis serviram para mostrar que precisamos de um Estado mais sólido, com capacidade suficiente para proteger em conjunto a população, em particular os que estão em desvantagem".

O legado deixado pela presidente reúne conquistas no campo social, a ampliação da política externa chilena e o equilíbrio econômico do país – embora com risco de inflação de 3,6% neste ano em decorrência dos prejuízos causados pelos abalos sísmicos. A presidente, porém, esbarrou nas dificuldades de lidar com o Congresso chileno, o que, segundo especialistas, pode ocorrer com seu sucessor Sebastián Piñera.

Na gestão de Bachelet foram aprovados 316 projetos de lei, dos quais 201 foram encaminhados pelo Executivo e apenas 115 pelo Legislativo.

Para a oposição a Bachelet – que será governo na gestão de Piñera -, a presidente desprezou as questões de política interna em detrimento de temas externos. No período em que esteve à frente do governo, Bachelet se esforçou para ampliar as oportunidades de comércio para o Chile. O Brasil é um dos principais parceiros dos chilenos, ocupando o 8º lugar geral e o 1º na América Latina.

Em 2008, foram investidos cerca de nove bilhões de dólares. Os chilenos compram, em geral, dos brasileiros petróleo, automóveis, ônibus e aparelhos celulares. O Brasil investiu aproximadamente dois bilhões no Chile. Dos chilenos, os brasileiros compram cobre, salmão, frutas e vinho.

Na última etapa de sua gestão, a presidente inaugurou o Museu da Memória e dos Direitos Humanos. A inauguração fazia parte de seus projetos de governo, uma vez que ela perdeu o pai durante o regime militar. O museu é uma homenagem às vítimas da ditadura – que durou de 1973 a 1990 – e suas famílias. O local tem 19,1 metros quadrados e reúne fotografias, depoimentos, cartas e até a reprodução de uma sala de tortura. No dia da inauguração do museu houve muita emoção e os chilenos mencionam o local com orgulho.

Com agências