Diretor da ONU: favelas não são naturais do desenvolvimento
Na semana que antecede o Fórum Urbano Mundial (FUM), organizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) entre os dias 22 e 26 de março na cidade do Rio de Janeiro, reproduzimos entrevista com Eduardo López Moreno, um dos diretores da Divisão de Monitoramento e Pesquisa, da Agência Habitat da Organização das Nações Unidas (UN-Habitat), publicada originalmente no “Observatório de Favelas”. A entrevista é das jornalistas Marianna Araujo e Marília Gonçalves, do Observatório Notícias e Análises.
Publicado 17/03/2010 12:59

Moreno, que trabalha no escritório da Agência em Nairóbi, Quênia, chega ao Brasil nesta quinta-feira (18/3) para participar do FUM, maior evento sobre urbanismo do mundo, promovido pela ONU. Ele, que é mexicano, arquiteto e doutor em Geografia Urbana, vai coordenar a mesa de diálogo “Unindo o Urbano Dividido”.
Segundo a organização do evento, o principal objetivo da mesa é identificar as causas da desigualdade e pobreza urbanas e da incidência de favelas e seu impacto nas cidades. Um dos motivadores do debate será o Relatório “Estado das Cidades do Mundo 2010-2011” que será lançado na ocasião e que tem Moreno como um dos principais redatores.
O representante da ONU falou sobre a percepção das Nações Unidas acerca das desigualdades e deu ênfase à emergência de novos modelos de desenvolvimento que sejam pautados pela superação destas. Moreno ainda ressaltou que o Brasil tem se destacado no mundo por meio de boas práticas e políticas públicas que têm se mostrado eficazes no combate à pobreza. Leia abaixo a entrevista completa.
Observatório Notícias e Análises : Qual a importância da realização do Fórum em um país da América Latina?
Eduardo López Moreno: É importante primeiro em relação ao Fórum Mundial em si. Ele podia acontecer em qualquer lugar do mundo, mas mesmo com o surgimento de mais espaços públicos para o debate, em muitos casos eles se apresentam bastante restritos. Por isso, nossa proposta é oferecer um local de diálogo para novos atores, onde o ministro e o prefeito possam estar na mesma mesa de discussão que o habitante comum e o ativista. Nós precisamos, na verdade, é de cada vez mais espaços que reúnam múltiplos atores.
Em relação à América Latina, o que percebemos é que, analisando a história do conceito que serve de tema ao Fórum – “O Direito à cidade” – em muitas localidades do mundo ele ainda não se concretizou. Falta aos governos a percepção de que a cidade deve ser mais inclusiva. O Fórum é um espaço que pode permitir um avanço nas discussões do direito à cidade, mas também de participação cidadã. Isso pode acontecer por meio de boas práticas presentes em países da América Latina.
Há ainda as práticas de inclusão econômica que levam à inclusão social, pois nossos relatórios mostram que a pobreza econômica está diretamente ligada à pobreza cultural. Então, essa discussão na América Latina pode trazer contribuições para uma abordagem ampla da pobreza e também para a compreensão do direito à cidade.
Observatório Notícias e Análises : Como a UN-Habitat vê a questão das desigualdades urbanas em relação às favelas?
Eduardo López Moreno: Por razões históricas, econômicas e políticas, a América Latina, com certas exceções, concentra algumas das regiões mais desiguais do mundo em termos da distribuição da riqueza produzida. Mas não é só isso. É desigual também a distribuição dos benefícios que a cidade oferece. Esse quadro se traduz na conformação de habitações precárias, as favelas, os cortiços.
A ONU, diferente de outros organismos internacionais que vêem a desigualdade como parte integrante do desenvolvimento econômico, em que as favelas seriam, portanto, uma conseqüência natural, acredita que pode haver crescimento sem grandes níveis de desigualdade. Pois elas, sem dúvida, são um problema, mas representam uma opção econômica de acesso à habitação. Há, então, que corrigir esse desvio integrando-as ao desenvolvimento da cidade.
Observatório Notícias e Análises : Qual o papel do Estado para a superação dessa questão?
Eduardo López Moreno: Ocorre que muitas vezes os governos ignoram a existência das favelas, o que é uma contradição, porque elas apresentam um crescimento mais representativo quando comparado com o resto da cidade.
Países como o Brasil, a Colômbia e a República Dominicana que conseguiram reduzir a proporção de favelados, o fizeram respondendo à essa questão de duas formas. Primeiro reconhecendo sua existência e enfrentando o problema. Não há como superar essa condição simplesmente negando as favelas e o direito dos moradores. O outro fator é a articulação de programas nacionais com iniciativas locais e comunitárias.
Há um modelo de desenvolvimento que promove uma espécie de disputa entre cidades. No entanto, os países que obtiveram sucesso na redução das favelas só conseguiram isso quando usaram recursos nacionais em nível local. A resposta para a questão está em políticas públicas de financiamento e acesso à moradia com participação ativa da população e dos governos locais articulados com as demais instâncias de governo.
Fazem parte desse contexto também as políticas de transferência de renda, como é o caso do programa brasileiro Bolsa Família e toda iniciativa que tenha uma perspectiva, de médio e longo prazo, da melhoria das condições de vida dessas populações.
Observatório Notícias e Análises : De que maneira você vê o futuro das favelas e do conjunto da cidade em países como o Brasil?
Eduardo López Moreno: O Estado, como um dos resultados do Consenso de Washington, abandonou a política social. Passou a existir esse modelo de desenvolvimento em que as desigualdades são tidas como necessárias. Uma coisa que é fundamental no futuro tem a ver, então, com um Estado que assuma seu papel forte, que amenize o problema das desigualdades nas cidades.
Eu vejo cada vez mais conceitos como capital social e participação cidadã voltando à tona e outros atores também vão se integrar a esse processo. Teremos assim um retorno a formas sociais onde o Estado cumpre seu papel e a sociedade também participa, buscando formas de alcançar o desenvolvimento.
Há ainda novos fatores no mundo. As mudanças climáticas, os meios de transporte cada vez mais rápidos e as novas tecnologias também influenciam esse contexto. Por isso considero que o futuro das favelas e das cidades tem a ver com uma visão regional de desenvolvimento. Nossas pesquisas demonstram que as cidades que encontraram o caminho para um desenvolvimento menos desigual, o fizeram por meio da articulação de vários municípios em corredores urbanos. Isso demanda repensar a própria estrutura de governo, torná-la multirregional, a fim de resolver questões de transporte e violência, por exemplo. Não há mais desenvolvimento isolado. Um desenvolvimento menos desigual é aquele capaz de unir a região.
Da redação, com Observatório de Favelas