Nos EUA, os bancos são os donos do Congresso
O artigo que reproduzimos abaixo denuncia o controle do Congresso dos EUA pelos grandes bancos e monopólios privados, fenômeno que, segundo o autor, está associado à decadência do império, à deterioração econômica generalizada e proliferação da miséria no interior da sociedade norte-americana. Os intertítulos são do Vermelho.
Publicado 14/04/2010 20:08
Ralph Nader*
Uma sociedade que não se previne contra as causas da sua própria decadência porque a sua ideologia é um mito de progresso contínuo, separa-se da realidade e entra pela ilusão.
Um critério pelo qual se pode avaliar a decadência da vida cultural, política e econômica no nosso país [EUA] é a resposta à pergunta: as forças do poder, que fracassaram de forma demonstrável, tornaram-se mais fortes depois dos prejuízos largamente sentidos que causaram e converteram-se num tema de domínio público?
Deterioração generalizada
A deterioração econômica é generalizada. A pobreza, o desemprego, as execuções de hipotecas, a exportação de empregos, a dívida dos consumidores, o desgaste das pensões e a infra-estrutura deteriorada estão bem documentados. A autodestruição dos gigantes financeiros de Wall Street, com os seus saques e esvaziamento de milhões de milhões de dólares de outras pessoas dominou os títulos da imprensa de há dois anos para cá. Durante e depois dos seus gigantescos resgates impostos por Washington, os bancos são ainda a força mais poderosa na determinação da natureza das leis corretivas propostas.
«Os bancos assenhorearam-se deste lugar» disse o senador Richard Durbin (democrata por Illinois) evocando a opinião de muitos membros do abúlico Congresso, apenas disposto a aprovar uma inofensiva legislação de proteção do consumidor e do investidor, enquanto permitem o domínio dos cada vez menos e mais poderosos bancos.
Farmacêuticas e seguradoras
Quem não teve problemas com as vigarices e as unilaterais condições em letra pequena da indústria dos cartões de crédito? Um projeto de reforma legal foi finalmente aprovado depois de anos de espera, mas é uma vez mais débil e incompleto. Sem pudor nas suas extorsões, as grandes companhias já têm os seus advogados trabalhando em esquemas que contornem as moderadas exigências da lei.
A indústria fornecedora de medicamentos e da saúde, um enxame de milhares de parasitas, tem mais ou menos o que queria com a nova lei da saúde. As seguradoras têm milhões de novos clientes subsidiados com centenas de bilhões de dólares dos contribuintes sem grande regulação. As companhias farmacêuticas saíram-se airosamente e têm o que queriam: a não importação de fármacos idênticos e mais baratos, a não autorização ao Tio Sam para negociar os preços, e uma proveitosa extensão do monopólio de proteção de patentes sobre os fármacos biológicos, contra concorrência dos genéricos mais baratos.
Comida malsã
Apesar de todas as fraudes, apesar de todas as exclusões, as recusas de reclamações e restrições de benefícios, as duas indústrias saíram mais reforçadas que nunca, tanto econômica como politicamente. Não é por isso de estranhar que apesar da recessão as suas ações estejam em alta.
A indústria fornecedora de comida malsã – ultimamente na defensiva por causa da divulgação de excelentes documentários e revelações – é ainda um dos mais influentes poderes no Capitólio, agora que volta a ser adiada por vários anos uma lei de segurança alimentar decente, que se utilizam dos impostos para bombear gordura, açúcar e sal para os estômagos das nossas crianças, através da luta contra pertinentes controles. Os alimentos contaminados nos EUA provocam mais de 7.000 mortes por ano, bem como muitos milhões de enfermidades.
Petrolíferas
As companhias petrolíferas, de gás, de carvão e de energia nuclear estão contaminando os consumidores e debilitando os contribuintes, esgotando e pondo em perigo o meio ambiente, ao mesmo tempo em que continuam a bloquear no Congresso uma legislação racional sobre energia, para substituir o carvão e o urânio por tecnologia de eficiência energética e energias renováveis.
Inclusive agora, depois de anos de sobrecustos e perdas e ausência de armazenamento permanente de resíduos radioativos, a indústria nuclear pressiona o presidente Obama, como antes pressionou George W Bush, para receber muitos milhões de dólares em empréstimos dos contribuintes para a construção de novas centrais nucleares. Wall Street não financiará uma tecnologia tão arriscada sem a contribuição dos contribuintes, como garantia contra qualquer acidente ou falência.
Tanto democratas como republicanos passam estes ultrajantes riscos financeiros e de segurança para os contribuintes.
Congresso obstrui mudança
O Congresso, que recebe a parte do leão desta confraria empresarial – a cenoura do dinheiro e o pau dos correspondentes desafios financeiros – é, mais do que nunca, um obstáculo a qualquer mudança. No passado, depois dos importantes fracassos da indústria e do comércio, existiu uma maior possibilidade de ação por parte do Congresso. Recorde-se a derrocada do sector bancário e de Wall Street nos primeiros anos da década de 30 do século passado. O Congresso e Franklin Delano Roosevelt urdiram uma legislação que salvou os bancos, as poupanças das pessoas e regulou o mercado de valores.
Desde o aparecimento do meu livro Inseguro a qualquer velocidade: Os perigos do desenho do automóvel americano, publicado em novembro de 1965, até que o governo federal regulasse a poderosa indústria automobilística sobre a segurança e a eficiência do combustível, passaram precisamente nove meses.
Compare-se com os anos de atraso desde a queda de Bearr Stearn para o que ainda não há legislação, e como a que está pendente é débil.
Baixa reputação
No entanto, os eternizados membros do Congresso responsáveis por esta assombrosa paralisação são praticamente inamovíveis, apesar das sondagens mostrarem que a sua reputação é mais baixa que nunca. É um lugar onde a maioria vive aterrorizada pelas empresas e onde a minoria, inclusive, pode bloquear os mais anêmicos esforços legislativos, particularmente no Senado.
Culturalmente, as principais vítimas são as crianças. A infância foi objeto de comercialização pelos gigantes do marketing que procura chegar até eles com comida imprópria, programas violentos, videojogos e má medicina. A consequência disto tudo é uma obesidade recorde, a diabetes infantil e outras enfermidades.
Abusadores eletrônicos de crianças
Enquanto as companhias minam a autoridade parental e utilizam o espaço radioelétrico, entre outros meios de comunicação, exclusivamente para criarem o seu lucro. Podem ser catalogados como abusadores eletrônicos de crianças.
Em 1996 publicamos um livro intitulado Children First: A Parent´s Guide to Fighting Corporate Predators in the Media [As crianças primeiro: um guia dos pais contra as corporações predadoras nos meios de comunicação].
24 horas por dia, 7 dias por semana numa sociedade freneticamente entretida com constantes ataques sonoros, Blackberries, iPods, mensagens de texto e correios eletrônicos exigem uma profunda necessidade de reflexão e introspecção. Temos de discutir, cara a cara, em salões, em auditórios escolares, praças cheias de povo e assembleias urbanas o que se está a ocorrer e o que se passa com os nossos minguados processos democráticos devido às pressões e controles do insaciável Estado corporativo.
E também sobre o que deve fazer-se a partir de casa até os fóruns públicos e mercados, com modelos superiores velhos e novos, novas responsabilidades e novas ideias.
A nossa história já nos mostrou que quando as pessoas estão mais comprometidas e mais conscientes, vivem melhor em todas as frentes.
* Ralph Nader é escritor e advogado.Este texto foi publicado em www.sinpermiso.info/ e no Diário.info, com tradução de José Paulo Gascão