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O mundo não ficou menos perigoso após acordo entre Rússia e EUA

O governo Obama apresentou o recente acordo de redução do arsenal nuclear entre EUA e Rússia como uma iniciativa avançada na direção da Paz mundial. O mundo deveria se sentir mais seguro doravante. Mas a aparência que o imperialismo quer criar é falsa, conforme se deduz da leitura do depoimento concedido pelo professor Manuel Domingos Neto à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado em 7 de abril.

Neto é um especialista no tema e falou aos congressistas durante audiência pública sobre revisão do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. As duas potências nucleares falam em nome do interesse geral da humanidade, mas agem em defesa dos próprios interesses.

“O mundo não fica menos perigoso com este acordo, que permite à Rússia e aos Estados Unidos deterem, cada um, cerca de mil e quinhentas ogivas e oitocentos mísseis balísticos intercontinentais”, argumenta o professor. “Entretanto, o acordo valorizará o aparato militar destes países, permitindo-lhes uma posição de força contra a Coréia do Norte, o Irã ou qualquer outro Estado que busque deter a pretensa força dissuasiva da bomba atômica. De quebra, o presidente Obama dá uma certa satisfação a uma opinião pública frustrada pela ausência das mudanças prometidas em sua campanha eleitoral e a Rússia fica mais simpática ao europeu alarmado.”

Vale a pena ler a íntegra do depoimento, reproduzido abaixo em negrito (os intertítulos são do Vermelho):

Agradeço o honroso convite desta Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional para me manifestar sobre o papel da tecnologia nuclear no cenário internacional.

Gostaria de iniciar abordando certos aspectos preliminares, mesmo correndo o risco de causar enfado aos mais familiarizados com o debate sobre as relações entre a defesa militar e a pesquisa científica e de incomodar os que não estão acostumados a ver a guerra como um fenômeno inerente às sociedades humanas.

É conhecido o fato de que as sangrentas disputas do século XX impulsionaram os avanços da ciência e da tecnologia. A guerra moderna chegou a ser definida como uma competição entre cientistas e técnicos mediada pela indústria bélica e pelos aparelhos militares. A Primeira Guerra Mundial foi apelidada de “guerra dos químicos”, por conta do impacto causado pelos novos materiais explosivos e pelos gases asfixiantes; a Segunda, de “guerra dos físicos” devido à produção da bomba nuclear, cujo poder de destruição em massa foi determinante para colocar um ponto final no conflito e firmar a hegemonia norte-americana na nova ordem internacional que se seguiu. Desde então, a potência hegemônica persiste a mesma.

Guerra e ciência

Os estudiosos das estratégias militares sabem que os vencedores das duas guerras mundiais foram os Estados que, além de garantir amplo apoio da sociedade mobilizada, transpuseram mais rapidamente para a produção industrial as invenções e as novas técnicas desenvolvidas em laboratórios experimentais. Esta transposição foi planejada e coordenada pelos comandos militares.

A capacidade de articular o trabalho de técnicos e cientistas com a indústria e o amplo apoio social é uma das características do aparelho militar moderno. Tal aparelho deixou de empregar mercenários e passou a ser legitimado por comunidades que se auto-identificam e são identificadas como “nacionais”. Além disso, o aparelho militar moderno deixou de se articular em torno de personalidades singulares, de carismáticos chefes guerreiros, e passou a contar com quadros tecnicamente preparados para o complexo planejamento e o acompanhamento da atividade guerreira.

A realidade é que, nos grandes confrontos do século XX, ficou explícita a estreita combinação entre a força militar, o desenvolvimento técnico-científico e a produção agro-industrial. As potências que produzissem mais e melhores meios de destruição, comunicação e transporte e que detivessem melhor capacidade de planejamento e de auto-provimento das necessidades básicas da população, melhor resistiriam e mais facilmente submeteriam os adversários.

Mobilização guerreira e civilização

Estou certamente me referindo a potências, ou seja, a Estados, não a povos ou sociedades, entidades distintas, inclusive no que diz respeito à organização para a defesa. Uma comunidade nacional unida e determinada a assegurar sua sobrevivência, mesmo dispondo de pouco conhecimento científico, pouca capacidade industrial e desconhecendo as instituições estatais modernas pode resistir vitoriosamente ao ataque de potentes agressores, como demonstraram os vietnamitas e demonstram agora os afegãos.
Quanto ao Estado com pouca capacidade militar e pouco domínio técnico-científico; com indústria rudimentar e com sociedades desunidas, a alternativa de sobrevivência que lhe sobra é a de integrar de forma subalterna coalizões lideradas por grandes potências.

Outro aspecto que destaco é a grande repercussão sócio-econômica do esforço guerreiro. Não é verdade que a guerra é necessariamente prejudicial ao desenvolvimento econômico. Mesmo em caso de derrota, há exemplos bem conhecidos de países que se beneficiaram com esforços empreendidos para guerrear. Neste sentido, os exemplos mais notórios foram os dos alemães, depois da Primeira Guerra, e o dos japoneses, depois da Segunda. A extraordinária recuperação destes países esteve associada ao importante preparo propiciado pela guerra nas diversas áreas do conhecimento científico, nas variadas atividades industriais e no setor terciário da economia, o chamado “setor de serviços”.

Quanto ao desenvolvimento técnico-científico propriamente dito, grandes avanços da medicina, da biologia, da química, da física e mesmo das ciências humanas e sociais aplicadas decorreram da mobilização guerreira. Se tomarmos a produção do conhecimento científico como marca de civilização, não é absurdo dizer que a guerra foi determinante na construção do mundo civilizado. Inclusive, as grandes normatizações de direitos humanos aprovadas por organizações multilaterais aparecem exatamente depois dos mais tenebrosos banhos de sangue e dos espetáculos de selvageria.

Empreendimento coletivo

A produção do saber científico e tecnológico é um processo social; não resulta apenas da dedicação de alguns especialistas ou gênios altamente dotados. Uma descoberta ou uma invenção é necessariamente um empreendimento coletivo, por mais que alguém reivindique sua autoria. E, até que a invenção ou a descoberta se torne utilizável, o envolvimento social é crescente.

Portanto, quando discutimos o desenvolvimento da tecnologia nuclear para a produção de armas, não estamos tratando de um empreendimento puramente militar desenvolvido por um pequeno grupo de especialistas isolados do mundo.

A literatura especializada em política de defesa cunhou a expressão “tecnologia dual”, para designar a tecnologia que pode ser usada tanto para uso civil quanto militar, como é o caso dos conhecimentos necessários para produzir a bomba atômica. Mas a fronteira entre estes dois usos da tecnologia é sempre nebulosa, como demonstrou em recente artigo na revista “Tensões Mundiais” meu colega, pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos, Waldimir Longo, um coronel reformado, reputado engenheiro militar, hoje professor da Universidade Federal Fluminense.

O fato é que as grandes novidades resultantes do preparo para a guerra determinaram a configuração das condições de vida que conhecemos na atualidade. O transatlântico, o avião, o raio laser, o fertilizante químico, o antibiótico, o analgésico, o telefone, o satélite artificial, o computador, enfim, todas estas coisas que fazem parte da vida moderna foram originalmente impulsionadas e desenvolvidas pela vontade de submeter inimigos no campo de batalha.

Tecnologia nuclear

O desenvolvimento da comunidade científica que temos hoje no Brasil, aliás, decorreu em boa dose do apoio dado pelo presidente Dutra, em 1949, ao projeto do almirante Álvaro Alberto de dotar o Brasil da tecnologia para fabricar a bomba atômica. A mesma lei, assinada por Dutra, que definiu a política nuclear brasileira após a Segunda Guerra, criou o Conselho Nacional de Pesquisa, o CNPq, que desempenhou papel fundamental no ensino e na pesquisa em todas as áreas do conhecimento e hoje constitui a principal agência latino-americana de fomento à pesquisa científica.

O domínio da tecnologia nuclear envolve um conjunto diversificado de pesquisadores e técnicos, cujo trabalho repercute de forma direta ou indireta no desenvolvimento científico como um todo. Os desdobramentos dos esforços para produzir a bomba atingem, portanto, as condições de vida de toda a sociedade. O mesmo se pode dizer do submarino nuclear. Até hoje, apenas cinco países dispõem de submarinos nucleares e de capacidade para fabricar seu combustível. Quando se fala, atualmente, em energia nuclear, a remessa imediata é para a produção de eletricidade, mas a tecnologia nuclear se desdobra em incontáveis aplicações, da medicina à agricultura, da navegação aérea aos utensílios domésticos.

Assim, quando um país renuncia ao desenvolvimento da tecnologia nuclear, suas possibilidades de avanço científico, tecnológico e econômico são necessariamente afetadas, da mesma forma que suas possibilidades de garantir posição altiva na correlação de forças que rege as relações internacionais. O primeiro tratado de não produção de arma nuclear assinado pelo Brasil, dito “Tratado para a Proscrição de Armas Nucleares na América Latina e Caribe” ou “Tratado de Tlatelolco”, de 1967, foi admitido por um governo militar que mostrava valentia contra o povo brasileiro e era submisso aos Estados Unidos durante a Guerra Fria.

Recados intimidadores

Os Estados Unidos acabam de anunciar suas novas orientações sobre política nuclear; amanhã, o presidente Obama assinará com a Rússia acordo para a redução do estoque de ogivas e do número de plataformas de lançamento. Interessante verificar que os jornais de hoje não ressaltam exatamente um alívio no que diz respeito aos riscos à existência da humanidade representados pelas bombas nucleares. O que os jornais ressaltam são as ameaças dirigidas ao Irã e a Coréia do Norte, bem como a intenção norte-americana de não usar armamento nuclear contra países que não disponham de tal armamento e que sejam signatários do Tratado de Não-Proliferação.

Obviamente, ainda não tive a oportunidade de estudar as medidas contidas nesta chamada “Revisão da Postura Nuclear”, assinada ontem pelo presidente Obama. Mas parece que o Brasil, cuja Estratégia Nacional de Defesa, aprovada em dezembro de 2008, prescreve a não-assinatura do protocolo adicional ao Tratado de Não-Proliferação, não fica excluído dos eventuais alvos das bombas norte-americanas. À primeira vista, a orientação norte-americana é recheada de recados intimidadores, inclusive ao Estado brasileiro.

Cabe refletir atentamente sobre o significado real da nova orientação dos Estados Unidos. Nos últimos cinqüenta anos, acordos sobre o controle de armas nucleares ganham periodicamente as páginas dos jornais e em todas estas ocasiões, a grande questão foi a mesma: as potências nucleares agem em vista da proteção da humanidade ou atendem a seus próprios interesses? Tal questão persiste na ordem do dia.

Não há interesse no desarmamento

Lamentavelmente, as evidências não permitem afirmar que os detentores de armas atômicas desejem o desarmamento. Lá se vão vinte anos desde o fim da Guerra Fria, apontada como razão para a corrida armamentista, e as principais potências nucleares não se desfizeram de suas capacidades de destruir o planeta.

Com certeza, não é o sentimento humanitário o que move a política internacional. Se o respeito a vidas humanas imperasse, os Estados Unidos, a Rússia e diversos grandes fabricantes de minas não teriam se recusado a assinar a Convenção de Ottawa, de 1997, tão importante para salvar vidas, sobretudo na África. A fabricação, o comércio e o uso de minas continuam cada vez mais animados, como demonstra a atitude de Israel, que espalhou um milhão destes engenhos mortíferos no território de seu vizinho e que não diz a ninguém de quantas ogivas dispõe.

Fica evidente, mais uma vez, que os tratados internacionais acerca das armas nucleares visam simplesmente a reequilibrar forças de maneira a propiciar maior conforto aos grandes detentores de bombas que podem aniquilar a humanidade.

Conforme o presidente Obama, o acordo a ser assinado amanhã “conserva a flexibilidade” que o sistema de defesa dos Estados Unidos precisa para promover sua segurança nacional e para garantir a segurança de seus aliados. O presidente Medvedev apresentou a iniciativa como reflexo do "equilíbrio de interesses dos dois países". Em outras palavras, trata-se de um pacto que reforça o poderio norte-americano ao tempo em que facilita a aproximação entre a Rússia e a União Européia. Esta aproximação é vista pelos europeus como indispensável a sua segurança energética e vista pelos russos como uma necessidade estratégica para o seu desenvolvimento. A Europa precisa da Rússia para se esquentar no inverno e os russos usam como podem esta carência.

Arsenais se revelaram um estorvo

A posse da arma atômica nada mais é que uma demonstração arrogante de poderio. Mas é uma demonstração simbólica, pois se trata de um falso instrumento de intimidação. Por seu potencial destrutivo, a bomba atômica tornou-se operacionalmente obsoleta desde Hiroshima e Nagasaki. Sua capacidade de dissuasão nos confrontos da atualidade é nulo, como demonstram os desafiantes da Rússia e dos Estados Unidos. É absurda a hipótese de estas potências usarem engenhos nucleares contra tchetchenos ou afegãos, por exemplo.

Na verdade, os grandes arsenais nucleares, com ogivas super-potentes, se tornaram um estorvo, seja pelas elevadas despesas que representam, seja pelo desgaste que provocam a seus detentores ou ainda por desautorizá-los em seus esforços contra a ampliação do clube de potências nucleares.

A economia feita com a redução das ogivas permitirá maiores investimentos naquilo que lhes interessa: a miniaturização, a alta precisão e a produção de cargas variáveis das armas nucleares, condição para que sejam operacionais em guerras localizadas. A economia propiciada por esta redução de ogivas permitirá maiores investimentos na produção de armas táticas mais aperfeiçoadas bem como de sistemas mais sofisticados de defesa e segurança interna. Na atualidade, um princípio que desde tempos imemoriais orientou o empreendimento guerreiro – o de matar correndo o mínimo risco de morrer – é materializado através de aviões não tripulados, do lançamento a longa distância de projéteis com precisão absoluta e da capacidade de observar detalhadamente o adversário.

Redução dos efetivos militares

O reflexo desta tendência está expresso na contínua redução dos efetivos militares. Em 1990, os vinte países com os maiores orçamentos de Defesa contavam com mais de quinze milhões de soldados, conforme os dados do SIPRI (Stockholm International Peace Research Institute), entidade reputada por sua capacidade de organizar estatísticas militares. Pois bem, no ano passado, os efetivos destes países estavam reduzidos a dez milhões. Sofreram redução de um terço. E os países que mais reduziram tropas foram os Estados Unidos, a China e Rússia, que, juntos, diminuíram de 9,2 para 4,8 milhões seus efetivos.

Paralelamente, o comércio mundial de armas, que havia se retraído nos últimos anos do século passado, sofre agora indiscutível incremento. O governo francês estimou que a média anual do mercado internacional foi de 61,4 bilhões de euros no período 2002-2006. As cifras variam sobre esta matéria, mas a julgar pelos dados fornecidos pelo SIPRI, entre 2001 e 2007, os 33 países que respondem por 90% do comércio internacional de armas aumentaram em mais de 64% suas transações.

Estes dados são eloqüentes para mostrar que não vivemos um período de tranqüilidade como quer fazer crer o acordo assinado pelos Estados Unidos e pela Rússia.

A política nuclear anunciada ontem pelo presidente Obama estabelece que os Estados Unidos deixarão de fabricar novas armas nucleares, mas não afirma que suspenderão o desenvolvimento de tecnologias para tornar operacionais as armas nucleares existentes, ou seja, para adaptá-las ao conflito localizado, único tipo de guerra imaginável nas últimas décadas.

Alterações na correlação de forças

O mundo não fica menos perigoso com este acordo, que permite à Rússia e aos Estados Unidos deterem, cada um, cerca de mil e quinhentas ogivas e oitocentos mísseis balísticos intercontinentais. Entretanto, o acordo valorizará o aparato militar destes países, permitindo-lhes uma posição de força contra a Coréia do Norte, o Irã ou qualquer outro Estado que busque deter a pretensa força dissuasiva da bomba atômica. De quebra, o presidente Obama dá uma certa satisfação a uma opinião pública frustrada pela ausência das mudanças prometidas em sua campanha eleitoral e a Rússia fica mais simpática ao europeu alarmado.

A redução do arsenal nuclear e a renegociação do Tratado de Não-Proliferação precisam ser analisados no quadro mais amplo das tendências mundiais. E estas tendências revelam profundas modificações na correlação de forças estabelecida desde a Segunda Guerra e consolidada na Guerra Fria. Além da evidente ascensão chinesa, os Estados Unidos enfrentam um crescente isolamento internacional. Refiro-me, por exemplo, ao distanciamento da Alemanha, que pede a retirada das armas nucleares norte-americanas de seu território e neste propósito é apoiada pela França; a mudança das orientações da Turquia, que abandona paulatinamente o papel de base de apoio para as operações militares norte-americanas e a derrota eleitoral da tradicional base de apoio norte-americana no Japão. Os japoneses ficaram sabendo, recentemente, da ousadia norte-americana de conduzir armas nucleares em seu mar territorial e, com toda a razão, ficaram escandalizados.

No que diz respeito à América Latina, as dificuldades norte-americanas são bem conhecidas e estão simbolizadas pela criação da Unasul. As agências multilaterais submissas a Washington se empenharam ao longo de décadas contra a integração dos países sul-americanos. Hoje, esta integração dá passos concretos e passa a ser assimilada pelas sociedades de nosso Subcontinente como uma perspectiva alvissareira. O Brasil, ao se postar de forma crescentemente altiva frente os interesses norte-americanos e buscar múltiplas alternativas de parcerias para a modernização do equipamento de suas Forças Armadas, não apenas ganha projeção no mundo como alimenta de forma objetiva a integração sul-americana: nossos vizinhos, em seus anseios de desenvolvimento e autonomia, passam a compreender que podem contar com um aliado de peso.

Belicosidade cresce na decadência

Senhoras e senhores, neste momento em que buscamos compreender a significação histórica da nova postura nuclear norte-americana e da renovação do Tratado de Não-Proliferação, cabe ter em conta a conclusão praticamente unânime dos que se dedicaram ao estudo aprofundado dos grandes impérios. Todos concluem que, em sua fase de decadência, os impérios tendem a ações belicosas e insensatas; enredam-se numa teia de conflitos que apenas acelera seu fim.

A sensação que tenho é de que, vendo sua hegemonia ameaçada, os Estados Unidos se mostra crescentemente agressivo e desastrado. A guerra do Iraque lhes rendeu problemas de sobra; no Afeganistão, onde há oito anos estão jogando bombas caríssimas sobre choupanas e cavernas, não conseguem sequer uma saída honrosa.

Neste quadro, é preocupante a ampliação da presença estadunidense em território latino-americano. Em 1989, ao fim da Guerra Fria, os Estados Unidos mantinham sete bases militares na América Latina; nenhuma delas na América do Sul. Derrotado o grande inimigo, derrotado o tal “perigo vermelho”, a ampliação foi crescente. Hoje existem 22 bases/postos de operação avançados – FOLs (abreviatura de Forward Operating Locations) na região. Destas, quatorze estão na América do Sul. A distribuição espacial dos dispositivos norte-americanos – incluindo efetivos e armamentos – sofreu substanciais mudanças desde a desativação da grande base panamenha. A presença norte-americana é agora justificada como necessária ao combate ao “narcotráfico”, ao “terrorismo” e até aos “crimes ambientais”.

Falsa ideologia

Os programas militares estadunidenses são rotulados de “treinamento de oficiais latino-americanos”, “defesa da democracia” e “garantia dos Direitos Humanos” etc. Cabe muita atenção com o uso destas expressões, que perfazem os suportes conceituais em que se assentam as políticas de defesa dos mais fortes. Atrás de conceitos aparentemente consensuais se disseminam orientações políticas. Nada mais controvertido, por exemplo, que os múltiplos sentidos com que a palavra “terrorista” foi e é usada. Caso se tome simploriamente o “terrorista” como aquele que mata indiscriminadamente, o maior terrorista da historia só pode ser a potência que em questão de segundos destruiu centenas de milhares de vidas em 1945 e que desde então acumulou capacidade de eliminar, num fechar de olhos, a humanidade inteira.

Concluo dizendo que, os sul-americanos, não temos razões para acreditar que a renovação do Tratado de Não-Proliferação de armas nucleares signifique maior tranqüilidade para nosso Subcontinente. Não creio que seja de interesse do Brasil ou de qualquer país latino-americano fabricar bombas atômicas, mas não podemos reconhecer autoridade moral nas potências nucleares para negociar tratados deste teor enquanto não desativarem completamente seus arsenais e nos permitirem ampla verificação de suas atividades relativas ao desenvolvimento da tecnologia nuclear.