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Reconstrução chilena não pode virar negócio, dizem ex-presidentes

A coalizão de centro-esquerda chilena se reuniu em Santiago para discutir os passos a seguir como oposição e para deixar claro ao novo presidente que os projetos de reconstrução não devem ser negócios.

Nos Estados Unidos, mas com os ouvidos colados no Chile, especificamente no que aconteceu no estádio El Llano, na populosa comuna de San Miguel desta capital, esteve (ante) ontem (12) o presidente Sebastián Piñera.
 
Isto porque, ainda que ele tenha andado de mãos dadas com Barack Obama ou tenha falado no prestigioso Centro de Estudos Brookings Institution – no marco da Cúpula de Segurança Nuclear que acontece em Washington –, a milhares de quilômetros dali, em Santiago, os quatro ex-presidentes da Concertación – com maior ou menor magnitude – lançaram ogivas ao coração do novo governo de direita, a pouco mais de um mês da chegada ao Palácio La Moneda.

Isto aconteceu numa reunião ampliada que aglomerou boa parte da coalizão que perdeu o poder em janeiro passado e que procura – a duras penas – levantar-se em meio a divisões, recriminações internas e eleições em seus partidos mais importantes.

Atento a isso, Piñera, além de entregar mais luzes do que será seu plano econômico para reconstruir as regiões devastadas pelo terremoto de 27 de março passado, reiterou nos Estados Unidos o chamado à unidade nacional para superar os efeitos da tragédia e destacou o esforço de seu governo para chegar a um consenso com a oposição sobre as tarefas de reconstrução.

“Precisamos estar muito unidos para fazer frente aos problemas causados pelo terremoto e, por isso, estamos tratando de produzir um consenso no país quanto a como encarar esta tragédia, e a esperança é que a oposição se apresente de maneira construtiva”, destacou Piñera, cuja administração anunciou o envio ao Congresso de dois projetos para financiar as obras.

As duas iniciativas contemplam mobilizar recursos de cerca de 10 bilhões de dólares, obtidos de políticas de austeridade fiscal, aumento de impostos, venda de ativos estatais prescindíveis, endividamento público, poupança externa e doações particulares.

Nesta sua segunda viagem presidencial – já esteve na Argentina e no Brasil na semana passada –, Piñera esteve acompanhado dos senadores da oposição Ignacio Walker (DC) e Isabel Allende (PS), que criticaram o fato de Piñera ter solicitado, no domingo, aos parlamentares, a aprovação com celeridade dos projetos de reconstrução, sem sequer tê-los enviado ao Parlamento. As palavras dos parlamentares nos Estados Unidos foram apenas a ante-sala do que estava por acontecer no Chile.

No denominado conclave da Concertación, um a um, os quatro ex-presidentes da República foram delineando suas posturas frente ao novo governo e à reconstrução do país. O primeiro s abrir fogo foi Patricio Aylwin (1990-1994), do DC, que instou ao agora bloco de oposição a reconquistar confiança convertendo-se em um grupo propositivo: “As pessoas não entenderiam outra atitude vinda de nós”, disse, advertindo que o tom e a forma das relações são fixados pelo governo “e não são suficientes declarações de intenções; requer-se coerência entre os ditos e os fatos”.

Fiel ao seu estilo, também houve tempo para a autocrítica: “As tarefas de futuro para os partidos da Concertación são não abandonar a nossa institucionalidade política, pois custa entender as formas erradas como seguem funcionando os nossos partidos”.

Ato contínuo, falou Eduardo Frei (1994-2000), também do DC. Usando o mesmo estilo belicoso de campanha – na qual foi derrotado por Piñera –, sustentou que “se acreditam que, pelo simples fato de que perdemos a eleição vamos nos dispersar e entrar em um processo de pulverização, estão profundamente equivocados. Recomendo que aqueles que estão fazendo tais prognósticos esperem sentados”.

Disse também que agora “o espírito de serviço público brilha por sua ausência”, ao criticar a concentração do poder político, econômico e midiático que se deu com a chegada da direita ao Palácio La Moneda. “O Chile não merece uma involução desta magnitude”; “não há uma separação clara e transparente entre a política e os negócios”, destacou.

Outra das falas esperadas foi a do socialista Ricardo Lagos (2000-2006), que, de saída, disse que “ser oposição nos obriga também a olhar para o que aconteceu conosco. Tenho a firme convicção de que esta derrota era perfeitamente evitável”. Adicionalmente, defendeu que “na campanha presidencial recente todos os candidatos descobriram que a distribuição da renda no Chile era desigual e que é preciso tomar medidas e o momento de tomar medidas é aqui e agora a partir do terremoto”, passando a luva à direita.

“Um quinto governo hoje teria sido infinitamente mais importante, porque a forma de enfrentar estes cataclismos e estes terremotos é diferente segundo quem está à frente, porque um terremoto na história do Chile nos ensinou que sempre o que daí surge é um grande passo para frente na direção daqueles que o querem conduzir. A reconstrução não é uma soma de ações, nem uma oportunidade para fazer negócios; nisso a nossa visão difere da direita, esta não é tarefa de empresários vendo onde convém investir”, indicou.

Finalmente, e numa das participações mais esperadas, a ex-presidente Michelle Bachelet (2006-2010), que se vislumbra como referência política da nova Concertación, disse que “o país sem dúvida necessita de nossa voz para a reconstrução, a voz daqueles que têm uma concepção humanística da política, uma concepção participativa, uma concepção do público e sem conflito de interesses. Porque, quero dizer algo… se pode participar no público sem ter conflito de interesses, trata-se de ter vocação para o serviço público e nós sabemos bem disso”, manifestou em outra clara alusão a Piñera.

Mesmo que o foco do encontro da oposição tenha sido a reconstrução do país, os discursos dos ex-presidentes esclareceram o caminho por onde transitará a política no Chile. Uma oposição atenta à tarefa de reerguer o Chile, mas implacável contra o governo. A partir da outra vereda, o consenso será a pedra angular da administração, dado que se faz necessário o apoio parlamentar de muitas iniciativas; no entanto, Piñera e seus ministros deverão ser muitos astutos para avançar. O conclave da Concertación deixou isso muito claro.

Fonte: Página 12

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