Jeany Barbosa Aguiar: 1º DE ABRIL!!!

Linha BASA

Quando fiquei sabendo que não se entraria mais pela porta dos fundos do ônibus para a UFT pensei, de pronto, é pegadinha de primeiro de abril. Infelizmente não é. Confesso que perdi pelo menos uma noite de sono relembrando o quanto foi duro conquistar este direito. Custou de muitos estudantes visionários doses nada homeopáticas de dedicação, desprendimento, ousadia, coragem e porque não dizer loucuras daqueles verdadeiros acadêmicos vanguardistas. Foi até gostoso reviver toda esta nostalgia. O que foi amargo foi lembrar que tanta luta esteja se tornando em vão! Quantas reuniões? Quantas horas armando estratégias (quase de guerra ou guerrilha) pelas madrugadas adentro? Quantas Assembléias Gerais dos Estudantes no Campus de Palmas? Quantos debates nos corredores, nas lanchonetes, biblioteca, pontos de ônibus? Quantos discursos inflamados enquanto éramos espremidos dentro dos “buzús” lotados? Quantos dias dedicados em discutir com os colegas em todas as salas de aulas de todos os cursos? Quanta responsabilidade social e compreensão da luta de classe dos acadêmicos da época? E que grandiosa, corajosa e vitoriosa manifestação? Centenas de valentes estudantes prontos para tudo! Lembro-me como se fosse hoje. Dia 11 de maio de 2004, dezessete chaves dos ônibus na mão. Algumas tomadas à força em clima tenso, outras, prontamente entregue pelos próprios motoristas que compreendiam nossa atitude e até apoiavam (de forma velada, é claro, afinal eram trabalhadores explorados e dependiam do salariozinho para sobreviver e sustentar suas famílias). Dezessete ônibus presos no Campus por um dia todo. Polícia “convidada” a ficar fora do Campus, por nós, para evitar confronto e garantir a integridade física dos manifestantes. Não se iludam colegas em pensar que aquilo foi fácil. Na verdade só nós, lideres daquele movimento, sabemos a intensidade e o teor das pressões que sofremos. Contudo posso dizer, com orgulho e de peito aberto, nosso protagonismo valeu a pena.

Sem um arranhão sequer em qualquer dos veículos que apreendemos, alcançamos nosso objetivo. O presidente do Seturb, o conhecido Toninho da Miracema (por quem tenho um profundo respeito e admiração) apareceu, fez uso da palavra no trio elétrico, tomou uma sonora vaia, mas com coragem negociou por horas à fio, em nosso território, na nossa histórica sede do DCE/UFT. Sabiamente, após vários capítulos e muita coisa ocorrida, chegamos a uma das maiores conquistas dos estudantes tocantinenses depois da implantação da UFT: Conquistamos duas linhas gratuitas, para qualquer cidadão que quisesse ir à UFT poder ir, entrando pelas portas dos fundos, em qualquer dos pontos de ônibus em todo o seu trajeto. Uma delas indo da UFT até o Espaço Cultural – o TEOTHÔNIO e, outra da UFT até a Paca dos Girassóis – o BASA, que na origem eram de 30 em 30 minutos e de 20 em 20 minutos respectivamente, isto fora do horário de pico (início, intervalo e término das aulas).

É importante que se diga que as lideranças estudantis do período tinham indiscutivelmente mais respeito pela defesa da classe estudantil. Passamos por cima das disputas internas do Movimento Estudantil – ME e todos os grupos encaminhavam juntos o trabalho de convencimento dos colegas e, de mãos dadas, mobilizamos e lutamos ombreados, porquanto o que estava em jogo era o benefício irrestrito para nossa querida UFT.

O colega mais apego à história e, em tendo acesso, pode vasculhar a arquivos da imprensa televisiva ou escrita da época e sentir como se praticava o ME naquele período. Por exemplo, acham-se matérias relacionadas no Jornal do Tocantins dos dias 11/05 e 16/07 de 2004, no O Jornal na edição de maio de 2004, no O Coletivo 03 a 19 de maio e 03 a 16 de junho ambos de 2004 ou até mesmo no já extinto Jornal Folha Popular dos dias 12/05 e 09/06 de 2004…

Sinceramente tenho dificuldade de compreender e assimilar o quanto estamos andando na contramão da história. Enquanto em muitos cantos do Brasil se debate o passe livre para estudante, nós da UFT, que servimos por muito tempo de inspiração e modelo a ser seguido pelo movimento estudantil brasileiro neste debate, estamos passivamente nos agachando, andando de quatro pés e para traz.

É bom que cada um saiba que sempre tentaram tomar este nosso direito adquirido. Conquistamos o BASA e o TEOTHÔNIO na gestão “REFAZENDO: Um DCE com Respeito!” (2003/2004 – primeira gestão do DCE/UFT) a qual tive o honra de presidir. E posso seguramente afirmar, mesmo depois de já passado alguns anos, que não foi fácil!!! Na gestão que me sucedeu, gestão “Resistência” (2004/2005) presidida pelo amigo e companheiro petista Bruno Elias, a luta continuou e conquistamos uma ampliação na freqüência dos veículos. Na gestão seguinte, “Pra conquistar um novo DCE” (2005/2006) presidida pelo camarada da UJS Emival Dalat, mesmo debaixo de muita pressão para acabar com os ônibus gratuitos, com muita obstinação e ameaças de que faríamos muitas manifestações, conseguimos mantê-los. Tudo parecia conspirar para que não perdêssemos mais nossa conquista. Aí veio nossa primeira derrota. Na gestão “Me cansei de lero-lero” (2006-2007), comandada pelo mesmo grupo que atualmente dirige o DCE/UFT, tomamos um duro golpe. Por falta de capacidade de mobilização e visão de ME combativo, perdemos o TEOTHÔNIO. Durante o mandato seguinte, gestão “RESGATE” (2008/2009) presidida pela camarada Cida Glória, também da União da Juventude Socialista – UJS, tivemos um ano inteiro da mais incisiva pressão para acabar com o BASA, a única linha gratuita que sobrara. Como resposta o DCE/UFT não se acovardou e foi para ofensiva, lutando contra o anunciado aumento da tarifa de transporte coletivo urbano na capital, liderando manifestações que chegaram ter estudantes acampados por semanas no Paço Municipal na frente da Prefeitura de Palmas. O resultado foi que vendo a força dos estudantes da UFT e a capacidade de mobilização, houve um recuo estratégico e ao invés de acabar a gratuidade, o BASA continuou existindo com os estudantes entrando pelas portas do fundo e teve uma ampliação no número de veículos circulando nos Horários de pico.

Depois de tudo é duro ver a implementação da obrigatoriedade do uso de uma segunda carteirinha de ônibus para uso exclusivo no trecho, este que é o primeiro passo para o fim do benefício e aniquilação definitiva de nossa conquista. Se deixarmos prosperar esta malfadada idéia, o tempo se encarregará de mostrar que estou certo ao afirmar que perderemos esta conquista que também é sua. Entrar pelas portas dos fundos tem não só um sentido emblemático, mesmo achando que por si só já seria justo defender sua continuidade. Porém, entendo que isto vai muito mais além. Sempre defendi uma universidade que tivesse suas portas abertas a comunidade e, dado nosso isolamento geográfico em Palmas, poder entrar pelas portas do fundo do BASA e chegar a UFT proporciona a qualquer cidadão, um rábula ou um artista popular o direito de visitar nossa biblioteca, nossos laboratórios, conversar com os acadêmicos, nos mostrar sua arte…, enfim, este convívio popular e intercâmbio com a academia valorizam a nossa UFT, viabiliza a tão necessária inserção da Instituição na comunidade e, principalmente, não vai gerar prejuízo nem tampouco quebrar as empresas de ônibus. Aliás, não quebrou quando muitos cidadãos moradores das quadras 109, 205, 207, 209, 305, 307e 309 todas na região sul utilizavam o TEOTHÔNIO para ir à Avenida Teothônio Segurado na altura do Espaço Cultural ou vinham nele até a UFT e pegavam o BASA para chegar ao centro da capital. Mas, o que mais me assustou em toda esta história foi o argumento que passivamente estamos engolindo: Dizer pra mim que é por causa do Shopping Capim Dourado é brincar com minha inteligência e me chamar de otário. Ora bolas, não somos dementes nem idiotas. É só esta linha não parar no ponto do Shopping. EURECA!!!!!!

Percebo que mudam apenas o cenário, mas o enredo é o mesmo. Na minha época de presidente do DCE/UFT, quando insistia intransigente na tese do ônibus gratuito, me diziam que não seria viável por causa da proximidade com a Praia da Graciosa. Quisera eu que isto tivesse efetivamente colaborado para ampliar e popularizar os freqüentadores da Praia. É por esta e por outras que conclamo a esta gestão do DCE/UFT que não perca o “bonde da história” e não reproduzam os discursos dos barões da catraca que insistem em dizer que isto vai aumentar os custos do transporte. Saibam todos que entrar pelas portas do fundo par ir à UFT não vai fazer a empresa aumentar qualquer custo. Andará com os mesmos ônibus, gastando os mesmos pneus e combustível e com os mesmos motoristas, mal remunerados, na condução. Mesmo que aumentassem os custos, seria um valor irrisório perto do que já lucram ao explorar a concessão deste serviço público por todas as demais linhas da capital. Colegas, será fácil perceber que, de um jeito ou de outro, continuaremos andando com os veículos lotados, sem conforto e com pouca segurança.

Será que os estudantes da Universidade Federal de nosso querido Tocantins, em especial os do Campus de Palmas, deixaram sua condição de acadêmicos combativos para se acomodar em serem somente alunos (sem luz, etimologicamente falando)?

Por acreditar que não, conclamo a todos que na ida e na volta da UFT, voltem a entrar pelas portas do fundo. Que pelo menos dentro da UFT, ninguém use a catraca.

Minha esperança é que para esta e tantas outras urgentes bandeiras de luta, renasça o espírito de cidadania dos acadêmicos da UFT e que a coragem e a ousadia vossas os possibilitem deixar suas contribuições para uma UFT melhor, mais avançada e antenada com as necessidades de nossa gente mais carente. Desejo a vocês força para que incansavelmente e com a marca da persistência lutem para ampliarmos e não perdermos nossas conquistas. Vale lembrar que esta Universidade foi gestada pela bravura e competência dos estudantes, e é de responsabilidade dos discentes de agora honrar a luta dos que passaram e deixaram seu suor, sangue, conquistas e sonhos e assim garantir, para os que ainda virão, o direitos de ter uma Universidade de excelência, referência para a Região Norte do Brasil e que ministre Ciência, mas também que seja popular e humana, garantindo o acesso e a permanência do povo, de um “qualquer” cidadão.

Jeany Barbosa Aguiar

* Jeany Aguiar é ex-Diretor Jurídico da União Nacional dos Estudantes – UNE (primeiro tocantinense a compor a diretoria da UNE) e foi o primeiro Presidente do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal do Tocantins – DCE/UFT. Foi também Conselheiro fundador do Conselho Universitário – CONSUNI da UFT e Membro da Direção Nacional da União da Juventude Socialista – UJS. Atualmente é Secretário de Organização da Direção Estadual do PCdoB-TO e Presidente do Conselho Estadual de Juventude do Tocantins – CEJUV-TO.