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Lei da Anistia: o povo espera “a boa, simples e cabal justiça”

O julgamento da Lei de Anistia objetiva “recompor a posição de dignidade do Estado brasileiro no concerto das Nações”. Visa também “recuperar a honorabilidade das Forças Armadas, após os atos de arbitrariedade praticados por integrantes da corporação contra opositores da ditadura militar.”

Os argumentos foram usados pelo jurista Fábio Konder Comparato, que fez a defesa em nome da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) julgada nesta quarta-feira (28) no Supremo Tribunal Federal (STF).

A ação questiona a anistia política a agentes do Estado acusados de crimes comuns como homicídio, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor, principalmente contra opositores da ditadura militar.

Citando o ministro Evandro Lins e Silva, já falecido, Konder Comparato, que é professor titular aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), doutor em Direito pela Universidade de Paris e doutor honoris causa da Universidade de Coimbra, disse que “o que o povo brasileiro espera da Suprema Corte não é o perdão, não é o talião. É a boa, simples e cabal justiça”.

Logo no início de sua fala, ele afastou o argumento de que a Lei da Anistia, aprovada em 1979, fazia parte de um acordo político feito na época. Ele perguntou se pode ser considerado lícito a impunidade dada aos militares que praticaram arbitrariedades contra o cidadão decorrente de uma lei (a Lei de Anistia) “votada por um parlamento submisso”.

E questionou, também, se é dentro do direito e da ética que membros das Forças Armadas, abandonando sua tradicional virtude de enfrentar seus adversários de forma leal, “transformem-se em capitães do mato para eliminar adversários do regime e esconder os seus cadáveres”.

Transpondo obstáculos

Segundo o jurista, a OAB propôs a ação por discordar dessa concepção. E citou o que considera dois obstáculos à tese. A primeira delas é que uma lei somente pode ser recepcionada quando não viola preceito fundamental. Esta tese, segundo ele, foi sacramentada pelo STF, quando em 30 de abril de 2009 derrubou a Lei de Imprensa.

O segundo obstáculo é o artigo da Constituição Federal que diz que a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura e terrorismo, entre outros. Segundo Konder Comparato, se a lei tivesse anistiado os agentes públicos que cometeram atos de tortura durante a ditadura, esta anistia teria sido recepcionada no texto da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988. Mas isto não ocorreu.

Ele relacionou também obstáculos internacionais para se conceder anistia aos militares que cometeram tais crimes. A Corte Interamericana de Direitos Humanos já proferiu cinco acórdãos considerando inválidas leis de autoanistia.

Na abertura do julgamento, o ministro Eros Grau, relator do processo, informou que a Associação Juízes para a Democracia, que ingressou como amicus curiae (amigos da Corte) no processo, anexou à ação manifesto de juristas favoráveis ao pedido da OAB e um abaixo assinado que reúne 16.149 assinaturas contra a anistia dos militares. Também figuram como amigos da Corte no processo a Associação Brasileira de Anistiados Políticos, a Associação Democrática e Nacionalista de Militares e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional.

Todos eles falaram no julgamento. A Associação Democrática e Nacionalista de Militares (ADNAM), que defende os militares punidos no período de 1964 a 1985, foi representada por Vera Karan de Chueiri. Ela disse que “a Lei da Anistia não pode provocar um esquecimento artificial dos fatos ocorridos”, acrescentando que “anistia não é perdão, sendo este referente à esfera singular da vítima, do seu sofrimento.”

Deixa tudo como está

A Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Advogacia-geral da União (AGU), que já haviam proferido pareceres contrários à ação, reafirmaram suas posições. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, defendeu a constitucionalidade da Lei de Anistia e recomendou que ela permaneça como está no ordenamento jurídico brasileiro.

O advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, afirmou que é imprescindível considerar o contexto histórico em que a lei foi aprovada. Ele lembrou que a norma surgiu de negociação no Congresso Nacional com participação da sociedade civil e do regime vigente (militarismo) à época para viabilizar a transição para o regime democrático atual.

Segundo ele, da negociação resultou que todos seriam beneficiados pela anistia com o apoio de diversos setores da sociedade como artistas, cientistas, advogados, entre outros que se engajaram em defesa da anistia ampla, geral e irrestrita como foi o caso do próprio Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que agora pede ao Supremo a revisão da lei.

Falando em nome do Congresso Nacional, a advogada Gabrielle Tatith Pereira, também se manifestou contrária a ação. “A anistia é um ato estatal soberano e de natureza eminentemente política. A depender de lei federal, nasce de uma atuação conjunta dos Poderes Legislativo e Executivo na análise da conveniência do esquecimento de certos crimes. A anistia cancela o delito; extingue-o na sua fonte. Pelas suas próprias características, já no instante da vigência da Lei da Anistia, constituiu-se ela em fato consumado e imutável. No instante em que entrou em vigor, a Lei da Anistia extinguiu a punibilidade dos crimes políticos e conexos de qualquer natureza e de qualquer modo relacionados”, salientou.

A advogada lembrou que o Congresso Nacional foi uma das instituições mais afetadas pela repressão política no período da ditadura militar e que seu comparecimento no julgamento era para cumprir o papel institucional de defensora do ato legislativo.

De Brasília
Com informações do STF