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Ross: como os EUA viciaram o México na "Guerra contra as Drogas"

Quando eu primeiro voltei à Cidade do México depois do grande terremoto de 1985, os maiores “traficantes” daquela nação vizinha e distante eram a tinta Sherwin Williams (tinner ou “activo”) e a cola Resistol-Dupont (“chemo”). Meninos de rua cheiravam galões desses intoxicantes perniciosos.

Por John Ross, no Counterpunch (Tradução: Vi o Mundo)

Alguns meses atrás, minha fornecedora de maconha medicinal da Cidade do México entrou às pressas em meu quarto no venerável Hotel Isabel. R estava agitada. Ela tinha acabado de encontrar uma criança de oito anos de idade fumando crack em Tepito, uma vizinhança de altas taxas de criminalidade. R é ela mesma uma criança de rua, mas estava horrorizada com o fato de que o cachimbo do crack tinha chegado ao bairro. “Uma criança de oito anos, John!”.

As coisas mudaram no mercado de drogas mexicano durante o hiato em que tenho residido em Chilangolandia – e não para melhor.

Agora sabemos a história de cor. Na metade dos anos 80, os colombianos, preocupados com a perseguição da Marinha dos Estados Unidos no Caribe, transferiram o negócio da cocaína para o México e sua porosa fronteira de quase 2 mil milhas com os Estados Unidos. Contrataram os meninos de Sinaloa, que controlavam as rotas de contrabando de heroína para o sudeste dos Estados Unidos. Rapidamente, os meninos de Sinaloa passaram a dividir lucros com os Pablo Escobar e em breve tomaram conta da rota, contratando produção de coca nos Andres e distribuindo no El Norte [Estados Unidos], atingindo assim o verdadeiro status de cartel.

Todo presidente dos Estados Unidos desde Ronald Reagan declarou Guerra contra as Drogas — eu calculo que nos últimos 25 anos já cobri cinco guerras contra as drogas distintas. Bilhões foram jogados no ralo desde a declaração de guerra de Reagan em 1982 e a palavra “guerra” se tornou um negócio muito maior desde então. Para os cartéis, a “guierra” ajuda a sustentar os preços e impulsiona o lucro. Para os guerreiros da droga, a “guerra” é a galinha que põe ovos de platina e faz os orçamentos de segurança se multiplicarem. Quanto maior a ameaça, maior o lucro.

A maconha é um caso a ser considerado. Embora os Estados Unidos tenham se tornado o maior produtor de maconha de alta qualidade do mundo, os apoiadores da guerra contra as drogas continuam a dizer ao Congresso dos Estados Unidos que os cartéis mexicanos ganham milhões com a erva nos Estados Unidos. A verdade é que a maconha é uma droga pesada, de baixo custo e que requer uma custosa logística para entrar nos Estados Unidos, gerando pequeno lucro para os cartéis.

Embora carregamentos de toneladas ocasionalmente sejam pegos pelas autoridades dos Estados Unidos e do México, nos dois lados da fronteira, aumentando as estatísticas e fornecendo argumento para bombar os orçamentos da guerra contra as drogas, para os cartéis a maconha muitas vezes é usada apenas para desviar a atenção — o próximo caminhão, sim, trará cargas muito mais compactas e lucrativas de cocaína, speed e heroína, com os quais realmente se ganha dinheiro.

Já que a fronteira norte do México foi militarizada depois do 11 de setembro, os cartéis foram obrigados a segurar seus carregamentos no México por mais tempo — e como tempo representa dinheiro na ética capitalista, as drogas agora “vazam” para as ruas do México. Os cartéis agora batalham pelas vendas no varejo local, pelo controle das praças (estradas, cidades, estados) e mesmo pelo controle das vizinhanças e das esquinas. Vinte e três mil pessoas morreram nos últimos três anos — 2.700 apenas na Ciudad Juarez em 2009, um assassinato a cada duas horas e meia. Meninos estão usando crack em Tepito e a vida nas ruas mexicanas se tornou uma imitação do [seriado] The Wire.

Os Estados Unidos deliberadamente criaram esse problema das drogas no México e, se sim, por quê? Alguns de nós acreditamos que uma das consequências da militarização da fronteira foi aumentar a oferta e o uso de drogas no México. Só assim o México poderia ser manipulado para se tornar um parceiro de Washington na guerra contra as drogas. O México tradicionalmente argumentava que as drogas eram um problema norte-americano. Se os gringos conseguissem controlar a demanda dentro de suas fronteiras, o problema sumiria. Além disso, o dinheiro das drogas dá aos bancos mexicanos uma liquidez da qual eles precisam muito.

Drogas e imigração são questões importantes, exploradas desavergonhadamente por Washington e pela mídia corporativa dos Estados Unidos para obter concessões do México em questões como segurança e energia.

[Aqui o autor descreve cada um dos cinco presidentes neoliberais do México e sustenta que todos, por motivos diversos, preferiram fazer paz com um "capo" das drogas, combatendo os demais]

Muitos anos atrás, o ministro da defesa de Ronald Reagan, Casper Weinberger, escreveu um livro chamado “A Próxima Guerra”, em que falava de uma série de cenários para conflitos internacionais. Em um deles, os Estados Unidos eram forçados a invadir o México depois que cartéis de drogas capturavam a presidência, passando a representar uma ameaça à segurança nacional de Washington. Este cenário ainda vale no Pentágono e se tornou ferramenta para que se garanta a submissão do México.

O que Washington quer do México? Quanto a segurança, os Estados Unidos buscam controle total do aparato de segurança. Com a criação do NORCOM (Comando do Norte) desenhado para proteger a massa territorial dos Estados Unidos de ataques terroristas, o México é considerado parte do perímetro sul de segurança e os aviões militares dos Estados Unidos têm carta branca para penetrar em espaço aéreo mexicano. Além disso, o Acordo de Prosperidade e Segurança da América do Norte (ASPAN, nas iniciais mexicanas) busca integrar os aparatos de segurança das três nações do NAFTA sob o comando de Washington. Já a Iniciativa Mérida, assinada por [George] Bush II e [Felipe] Calderon no inicio de 2007, permite a colocação de agentes armados dos Estados Unidos — FBI, DEA, CIA, ICE — em solo mexicano. Agentes de empresas privadas, como a Blackwater, não tardarão. Guerras tem sido deflagradas por contratos governamentais de 1,3 bilhão de dólares, orçamento do plano, dinheiro que irá diretamente para empresas de defesa dos Estados Unidos — esqueçam os intermediários mexicanos.

Do lado da energia (a “prosperidade” de que fala o Aspan), o alvo é, naturalmente, a privatização da PEMEX, a indústria de petróleo nacionalizada do México, com um olho particular colocado nos contratos de risco para perfuração em águas profundas no Golfo do México, com tecnologia que apenas as Exxons do mundo possuem.

Aqueles de nós que nos opusemos a todas as guerras dos Estados Unidos, do Vietnã ao Afeganistão, devemos exigir o fim da Guerra contra as Drogas da Casa Branca.