Um olho na Copa e outro na cozinha

A integração nacional tem sido um problema desde que foi desenvolvido o conceito de nação, há mais de 300 anos. Quando pensamos uma nação, pensamos em fronteiras que incluem as pessoas de ascendência comum, línguas, costumes e religião. Contudo, a pressuposição de uma sociedade homogênea raramente é confirmada na realidade. *Por Enilton Grill

"É na soma do seu olhar
Que eu vou me conhecer inteiro
Se nasci pra enfrentar o mar
Ou faroleiro

Tanto Amar
Chico Buarque

A integração nacional tem sido um problema desde que foi desenvolvido o conceito de nação, há mais de 300 anos. Quando pensamos uma nação, pensamos em fronteiras que incluem as pessoas de ascendência comum, línguas, costumes e religião. Contudo, a pressuposição de uma sociedade homogênea raramente é confirmada na realidade.

A integração nacional é especialmente problemática para as nações em desenvolvimento. O transporte e as comunicações deficientes mantêm fortes as diferenças regionais, ao promoverem a modernização das grandes cidades, ao mesmo tempo em que o interior permanece atrasado.

Tais problemas não são facilmente superados.

Assim como o desenvolvimento econômico é essencial para a independência de um povo, o nacionalismo cultural também é. O esporte contribui para a integração nacional ao dar às pessoas de diferentes classes sociais, etnias, raças e religiões alguma coisa para partilhar e usar como base para a solidariedade ritual.

Os campeonatos citadinos unem a periferia com o centro. ; os campeonatos estaduais unem o interior com a capital; os campeonatos nacionais unem as cidades e todas as regiões; as competições internacionais concentram as identidades de todos, como cidadãos nacionais.

Assim não é de surpreender que o nacionalismo seja mais extremado na Copa do Mundo, o mais alto nível de competição do esporte. Mas as Copas do Mundo acontecem de quatro em quatro anos. O Brasil foi sede de uma em 1950 e sediará outra em 2014.

Enquanto isso, as sociedades comunitárias, as pequenas cidades e os lugarejos não enfrentam os problemas de integração das complexas sociedades modernas ou das metrópoles. Mas, inevitavelmente contêm facções, que estão separadas por antagonismos brandos ou encarniçados.

Mesmo nas comunidades onde as pessoas se conhecem, estão geralmente divididas pelos vínculos de família e posição social relativa. E é aí que o esporte pode servir como uma trégua para todas as facções. Nele todas as partes estão lembradas do que possuem em comum.

Em milhares de pequenas cidades, sem equipes profissionais para representá-las e apenas uma escola primária, as equipes estudantis servem para unir os habitantes. Ostentando o nome da cidade, a equipe reafirma a existência da comunidade perante cidades vizinhas.

Ou seja: nos confins deste país continente o esporte promove a comunicação; envolve as pessoas numa participação conjunta; oferece-lhes símbolos comuns, uma identidade coletiva, uma razão para a solidariedade e um sentido de vida. E tudo isso desde sempre e cotidianamente.

Enfim, que a Copa do Mundo e as Olimpíadas sirvam de pano de fundo para que mexamos fundo nas estruturas sociais, econômicas e culturais deste país. Integração nacional através do esporte.

Este é o mote para que nunca mais cantemos aquela ladainha de que o Haiti é aqui.

Mas para que isso aconteça será necessário que tenhamos um olho na Copa e outro na cozinha. Somente na soma desse olhar que vamos vencer e nos conhecer por inteiro. Todos nós, os brasileiros.

* Pesquisador