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Dilma fala à CBN, dribla provocações e mostra contundência

Dois dias depois de aparecer, pela primeira vez, na liderança de uma pesquisa sobre a corrida presidencial de 2010, a ex-ministra Dilma Rousseff demonstrou firmeza e desenvoltura ao ser entrevistada, na manhã desta segunda-feira (17), pela rádio CBN, das Organizações Globo. Foi um dos melhores desempenhos de Dilma na mídia desde o anúncio, em fevereiro, de sua pré-candidatura à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Por André Cintra

Mediada pelo jornalista Heródoto Barbeiro, a entrevista começou em meio à repercussão do acordo nuclear firmado entre Brasil, Irã e Turquia na noite de domingo (16). Apesar da descrença da comunidade internacional, Lula, tachado como “ingênuo” pelo jornal The New York Times, liderou um dos mais exemplares êxitos na história da diplomacia brasileira.

Na opinião de Dilma, o Brasil “marcou um gol no Oriente Médio”. Segundo ela, foi a vitória de uma “política externa de diálogo”, “pró-paz”, “que tenta construir um mundo melhor”. A pré-candidata disse que o acordo valorizou a disposição do governo Lula de “instaurar um outro clima de negociação” e credenciou ainda mais o presidente brasileiro como “líder internacional”.

Questionada sobre os impactos do acordo numa eventual indicação de Lula para secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), Dilma disse tratar-se do “tipo de pergunta que tem de ser feita para ele” — mas ponderou que o presidente “tem vínculos fortes com o Brasil”. Por outro lado, ressaltou que a diplomacia brasileira, sob o atual governo, deixou “marcas fortíssimas nos negócios internacionais”.

Dilma destacou o empenho bem-sucedido de Lula na construção do G20, no combate à megacrise financeira, na Conferência Internacional do Clima em Copenhagen e no estreitamento de laços diplomáticos na América Latina e na África. Reafirmou também a corajosa postura do Brasil em relação a Honduras, declarando que, por “questões de princípios”, Lula acertou ao não reconhecer o atual governo hondurenho, eleito depois de um golpe de Estado contra o presidente Manuel Zelaya.

Sem medo de Hippolito e Leitão

As perguntas mais provocadoras e preconceituosas da entrevista ficaram a cargo da dupla Lucia Hippolito e Míriam Leitão. Porta-vozes mais desabridas dos interesses do mercado, as jornalistas tentaram em vão emparedar Dilma, que respondeu a ambas à altura — e ainda pôs Leitão em seu devido (e irrelevante) lugar.

Depois de acusar o governo Lula de “terceirizar e esvaziar” as agências reguladoras, Hippolito indagou sobre o papel do Estado na economia. Dilma, diplomaticamente, redarguiu que as agências cumprem a exata função a que se destinam — regular setores da economia —, não substituindo os ministérios na finalidade de planejar. “O Estado tem de agir onde há falha de mercado, como concentração de redes.”

Desmentindo Hippolito, Dilma afirmou que o conjunto das agências reguladoras se tornou mais ágil, forte, moderno e eficiente, sobretudo a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e a ANP (Agência Nacional do Petróleo). Agregou que indicações políticas para ocupar os cargos nas agências são comuns até nos Estados Unidos e não necessariamente levam à nomeação de pessoas “incapazes, sem preparo técnico”. Defendeu, ainda, concursos públicos para o preenchimento de vagas, de modo a “revitalizar” as agências e “construir um Estado ‘meritocrático’ e eficiente”.

Míriam Leitão saiu em apaixonada defesa do conservadorismo do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, que, segundo a jornalista, foi “atropelado” por Dilma. Para Leitão, as medidas ortodoxas que Palocci propôs para estabilizar a moeda foram inicialmente criticadas, mas depois acatadas, pela ex-ministra.

Dilma disse que integrou a justa orçamentária do governo desde 2005 e que, por consequencia, foi tão responsável quanto Palocci pelos rumos da economia brasileira. “Todas as mudanças de cortes de gastos de 2005 para cá foram aprovadas com o meu acordo”, explicou Dilma a uma mal-humorada Miriam Leitão, que interrompia a toda hora a entrevistada. “Me desculpe, Mirian, você está falando uma coisa que não é correta. Você está equivocada no que se refere a números”, reagiu Dilma.

Mais raivosa depois do pito, Leitão voltou a se fiar na ortodoxia e disse que Dilma é que estava errada “quando atropelou o ministro Palocci”. Ao que Dilma respondeu: “É você, Mirian, que está errada no conceito. Não se pode discutir dívida pública sem dizer por que ela cresceu. Nossa dívida não é igual à da Grécia, que está quebrando. O Brasil está crescendo”. A ex-ministra ainda disse que a pergunta de Mirian era descabia e extemporânea: “Você está pegando uma discussão de 2005. Fomos interrompidos pela crise”.

40 horas, uma posição polêmica de Dilma

Heródoto pôs em discussão a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas — uma bandeira de lutas histórica dos trabalhadores, defendida em consenso pelas seis centrais sindicais reconhecidas pelo Ministério do Trabalho. De acordo com Dilma, “é legítimo que o movimento sindical tenha suas reivindicações”, mas o governo não pode ter a redução de jornada como uma medida a adotar automaticamente.

Dilma propôs “construir” uma solução intermediária com “movimento sindical e as associações empresariais”. É uma questão que, segundo a ex-ministra, “a sociedade amadurece e propõe”. A seu ver, é mais fácil reduzir a jornada em “estruturas avançadas” de trabalho, como a indústria automobilística. “Será que isso (a redução) vale para todos os segmentos?”

Quando Heródoto perguntou se a pré-candidata à sucessão de Lula se considerava “de esquerda”, Dilma disse ter “trajetória de esquerda”. E agregou: “Sou a candidata de um projeto que mudou o desenvolvimento no Brasil com distribuição de renda. Isso é o que mais tem de esquerda do Brasil”. Dilma afirmou que o governo Lula tirou “24 milhões de brasileiros da miséria”. Citou dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) segundo os quais o Brasil pode erradicar até 2016 a pobreza extrema. “Temos de pôr metas.”

Dilma se mostrou igualmente favorável à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Ao explicar que esse projeto “tem mais de 20 anos” e foi discutido em audiências públicas (“algumas com mais de mil pessoas”), a pré-candidata assinalou que Belo Monte corresponde à necessidade de apostar em energia hídrica, que não polua o ar.

“A matriz dos países desenvolvidos é inelástico, não tem para onde correr. Vão condenar o mundo a uma energia a carvão — que é absurda.” Com novas usinas, diz Dilma, o Brasil terá condições de cumprir a meta de “reduzir de 33 a 39% nossa emissão de gás efeito estufa entre 2005 e 2020”.

Temer

A ex-ministra mostrou que a proposta de criar um Ministério da Segurança Pública, anunciada pelo presidenciável tucano José Serra, não leva em conta o “papel central” que o governo já exerce na área. “Evoluímos muito o orçamento do Ministério da Justiça, e 87% do que gastamos foi para segurança. Está dando muito certo.” Segundo ela, é necessário aliar o “reforço da autoridade” a “ações afirmativas”. Para Dilma, um exemplo de atuação exitosa, nesse sentido, é o Rio de Janeiro.

Sobre a chapa presidencial que encabeçará, Dilma disse que o candidato a vice deve mesmo ser peemedebista. “Tudo indica que o PMDB vai escolher o vice”, declarou a pré-candidata, que elogiou a capacidade política do deputado Michel Temer (PMDB-SP), presidente da Câmara Federal e nome mais provável para dobrar na chapa com a ex-ministra.

Ao fim da entrevista, Dilma agradeceu ao convite e ao espaço. Fez ainda questão de se despedir de Lucia Hippolito e Míriam Leitão. Em uma hora de depoimento, a pré-candidata deixou claro que está cada vez mais preparada não só a suceder Lula — como também a enfrentar as provocações da grande mídia.