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Pobre o país que precisa da OEA para julgar o Araguaia…

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, ligada à OEA e com sede na Costa Rica, levou o Estado Brasileiro ao banco dos réus, a partir desta quarta-feira, pelos crimes cometidos pela ditadura militar durante a Guerrilha do Araguaia (1972-1975). É lastimável que a obstinação de uns poucos guardiães das atrocidades e arquivos da ditadura arraste o Brasil para esse vexame.

Por Bernardo Joffily

A Corte ouviu, em San José da Costa Rica, parentes dos guerrilheiros do Araguaia assassinados. Nesta sexta-feira falarão os advogados do governo brasileiro. Os sete juizes da CIDH (um venezuelano, um chileno, um brasileiro, um salvadorenho, um colombiano, um norte-americano e um mexicano) devem chegar a uma sentença em três meses.

A tristeza de Galileu e a nossa

O processo foi movido pelo Centro Pela Justiça e Direito Internacional, pelo grupo Tortura Nunca Mais do Rio e pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos. É legítimo e respeitável que, não encontrando justiça em sua pátria, busquem outras alternativas. Mas causa tristeza e revolta ver o Estado brasileiro reduzido a esse papel.

"Triste o país que precisa de heróis", disse o dramaturgo alemão Bertolt Brecht pela voz de seu Galileu. Duplamente triste aquele que trucida seus heróis, executa-os a sangue-frio depois de aprisionados, e corta suas cabeças para exibi-las, como Zumbi, como Tiradentes, como Osvaldão e outros do Araguaia. Triplamente triste o que se deixa arrastar para ser julgado no estrangeiro, vulnerando sua soberania nacional, em nome de tamanha vileza.

A pauta da presente sessão da CIDH, que vai até 28 de maio, evidencia essa ignomínia. Além do Caso Gomes Lund, sobre o Araguaia, ali comparecem outros assassinatos e massacres cometidos em partes do continente que são redutos da selvageria reacionária em pleno século 21: Honduras, Guatemala, México e, com destaque, a Colômbia (veja aqui o comunicado de imprensa, em espanhol).

Soberania se defende a cada passo

A soberania da nação Brasileira não deveria ser arrastada para essa situação aviltante. Ocorre que soberania, no concreto, se conquista, se exerce e se defende a cada passo, todos os dias. Na Argentina, Uruguai, Chile, Peru e outros países que sofreram ditaduras sanguinárias e violações sistemáticas dos direitos de seus povos, os poderes estatais descartaram as leis de anistia fabricadas pelos torturadores e assassinos para permanecerem impunes.

No Brasil não. Um quarto de século após a demcratização, Judiciário, Executivo e Legislativo recorrem ainda à Lei de Anistia do general Figueiredo, em 1979, como tênue folha de parreira a tentar encobrir as vergonhas da ditadura terrorista de 1964-1985. Duas semanas atrás o Supremo Tribunal Federal (STF) convalidou tal entendimento. Militares de alta patente que vez por outra vêm a público tratar do assunto o fazem para advogar a inglória causa.

O veredito da sociedade brasileira

É uma situação esquisita. O mesmo Brasil, onde os poderes da República resistem a drenar esse abcesso, é um dos países onde a opinião pública procedeu mais profundamente o julgamento político de 'sua' ditadura.

No Chile, ainda este ano, os herdeiros do carniceiro Augusto Pinochet foram numerosos a ponto de dar uma contribuição decisiva para eleger como presidente um póspinochetista como Sebastián Piñera.

No Uruguai, o filho do ex-ditador Juan María Bordaberry, Pedro Bordaberry, ficou em um mais modesto porém consolador terceiro lugar nas presidenciais do ano passado. Seu pai cumpre pena de 30 anos de prisão.

No Brasil, as viúvas da ditadura a custo elegem um deputado federal, o grotesco Jair Bolsonaro (PP-RJ). E a Folha de S.Paulo (ex-colaboradora ativa da ditadura), quando fez um tristemente célebre editorial buscando atenuar o que chamou de 'ditabranda', teve uma resposta tão contundente da sociedade civil que foi obrigada a se retratar publicamente.

No entanto, os Poderes do Estado brasileiro parecem não escutar o incisivo veredito da sociedade brasileira. O resultado está aí: o país arrastado para o banco dos réus na Corte de San José da Costa Rica e constrangido a defender o indefensável.

A missão coordenada pelo Exército, que no ano passado percorreu a região do sul do Pará onde ocorreu a Guerrilha, e a Comissão da Verdade recentemente proposta pelo governo federal, são passos para superar essa situação vexatória. Porém o fracasso das escavações no Araguaia, assim como o intenso bombardeio da mídia dominante contra a Comissão, mostram que há um imenso caminho a trilhar.