Cepal sugere mais imposto na AL e Caribe para distribuir renda
A Comissão Econômica para América Latina e Caribe das Nações Unidas (Cepal) defende a elevação da carga tributária para aumentar o crescimento e a distribuição de renda da região. Uma presença mais forte do Estado na economia é a proposta central do documento "A hora da igualdade – brechas por fechar, caminhos por abrir", lançado domingo (30).
Publicado 31/05/2010 14:51
A sugestão de elevar impostos não se aplica ao Brasil, segundo explicou o secretário executivo adjunto da Cepal, Antônio Prado. A carga tributária no País é de 35,8%, segundo o dado mais recente da Receita Federal, referente a 2008. Embora num nível considerado adequado, a tributação brasileira sofre de outro problema. Ela é regressiva, ou seja, recai de forma mais pesada sobre as pessoas de menor renda. As políticas sociais não são eficientes a ponto de contrabalançar esse defeito. Além disto, um percentual elevado dos recursos arrecadados (equivalente a 5% do PIB) é destinado ao pagamento da dívida pública, o que reduz a disponibilidade de verbas para investimentos em programas sociais e infraestrutura.
Baixa carga tributária
Na média da América Latina e Caribe, a carga é mais baixa: 18%. Na avaliação da Cepal, é um volume de arrecadação insuficiente para que os governos criem as políticas necessárias para dar à região as condições de crescer tanto quanto ela poderia. O problema fundamental a ser atacado, segundo avalia a Cepal, é que as economias da região são pouco produtivas se comparadas aos Estados Unidos ou à Europa. E essa divergência, que está aumentando, se concentra em um ponto: a falta de incentivo à inovação.
"Para superar essa diferença, o mercado não é suficiente, pois são investimentos de risco", disse Prado. Nos demais países há políticas governamentais que estimulam as empresas a incorporar inovações. É para financiar esse tipo de política que a Cepal defende mais tributação. Os recursos extras seriam usados também para fortalecer programas sociais como, por exemplo, na área de educação. "São políticas de Estado de longo prazo, que não dependem de governo, por isso defendemos a construção de um pacto com a sociedade", explicou o economista.
Redução da pobreza
Segundo Prado, a América Latina e o Caribe alcançaram, nos seis anos antes da crise do subprime, um feito inédito: cresceram e distribuíram renda. A pobreza caiu de 44% da população para 33%, o mais baixo nível da história. Este desempenho está associado à mudança do cenário político propiciada pela derrota eleitoral do neoliberalismo em vários países da região.
Com a crise, o porcentual de pobres voltou a crescer, atingindo 34%. Cerca de 9 milhões de pessoas que haviam deixado a faixa mais baixa de renda voltaram a ela. "Ainda temos problemas estruturais e não conseguimos manter a população acima da linha da pobreza nos ciclos econômicos", disse.
Controle do fluxo de capitais
O documento da Cepal relaciona o crescimento econômico oscilante dos últimos anos ao humor dos fluxos de capital. E defende que haja mais controle no entra e sai de recursos especulativos. Cita como exemplo o Brasil, que em outubro de 2009 começou a taxar em 2% o dinheiro estrangeiro destinado à compra de ações e títulos. O controle de capitais é uma das "modulações" que a Cepal recomenda aplicar ao tripé do chamado Consenso de Washington, formado por câmbio flutuante, metas de inflação e equilíbrio fiscal.
Outra recomendação é aplicar o sistema de metas de inflação com parcimônia, ou seja, não buscar baixar a inflação de forma drástica em período curto de tempo. E a política fiscal, que em crises anteriores serviu para aprofundar a retração econômica, foi flexibilizada durante a crise e se converteu em "parte da solução". "O Brasil está bem", disse Prado, ao explicar que nem todas as sugestões se aplicam ao País. "Não será preciso fazer nada heroico para ir bem nos próximos anos."
Do ponto de vista das contas públicas, por exemplo, o Brasil é considerado o mais sólido da região. Vai bem em outros aspectos também. "Não dependemos de reservas externas e o mercado interno é forte, ou seja, a estrutura é muito boa." Destaca que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é um instrumento poderoso de financiamento que não tem paralelo na América Latina e Caribe. ( Lu Aiko Otta – AE)
Papel do Estado
Na abertura do seu 33º período de sessões, em Brasília, a Cepal também defendeu uma participação mais efetiva do Estado como regulador da economia. A proposta consta do relatório “A Hora da Igualdade. Brechas por fechar, caminhos por abrir”. O encontro da Cepal termina terça-feira (1º).
O documento, de 289 páginas, defende a adoção de medidas anticíclicas a pelo Estado em momentos de crise e acentua o papel dos governos e dos bancos centrais de cada país no estabelecimento de parâmetros macros para atenuar os altos e baixos da atividade econômica, tais como a adoção de banda para o câmbio e política de juros e fiscal.
“Antes tínhamos o Estado gastando nos bons tempos e economizando nas crises. Foi um erro. O Estado, como regulador, é aquele que poupa em tempos de alta atividade econômica e atua como ativador da economia quando a inciativa privada não é capaz de dar respostas de forma eficiente”, explicou o coordenador da Divisão de Desenvolvimento Social da Cepal, Fernando
Filgueira.
Contra o “Consenso de Washington”
De acordo com ele, a proposta da Cepal em defesa de uma participação mais ativa do Estado na economia não surgiu depois da crise que atinge os mercados, principalmente da Europa e dos Estados Unidos há mais de um ano. Ele ressaltou que essa já era a ideia da comissão nas décadas de 1980 e 1990, quando se formou o chamado Consenso de Washington (conjunto de medidas formulado em novembro de 1989, baseado na economia de mercado e na redução da participação do Estado na economia). No entanto, Filgueira admite que a crise legitimou a posição da Cepal.
“Desde o Consenso de Washington já tínhamos consciência de que aquele não era o modelo único. Sabíamos que o mercado não podia ser a solução para todos os problemas. Tivemos que aprender com os anos de 1980 e de 1990 e é preciso reconhecer que a crise também nos ensinou. O que temos que reaprender agora é como o Estado tem que atuar para ser o regulador da atividade econômica e também para garantir igualdade e distribuição de renda”, disse Filgueira.
Crescimento e igualdade
O documento aponta ainda o Estado como agente para diminuir a diferença entre pobres e ricos e garantir os direitos dos povos dos países latino americanos e caribenhos. “No âmbito político, o Estado tem um preponderante, ao qual não pode renunciar. Trata-se de velar por mais democracia e mais igualdade, duas caras da moeda política”, destacou a secretária executiva da Cepal, Alícia Bárcena.
Ela também falou sobre a necessidade de não se pôr em oposição a igualdade social e o dinamismo da atividade econômica. O desafio, segundo Alícia, é encontrar as sinergias entre as duas coisas. “O que sugerimos é que há a necessidade de crescer para igualar e igualar para crescer. No horizonte estratégico de longo prazo, igualdade, crescimento econômico e sustentabilidade ambiental têm que vir juntos.”
Da redação, com agências