Jamil Murad: Conquistamos certo grau de unidade sindical

Em entrevista à revista Visão Classista, da CTB, o vereador Jamil Murad (PCdoB), um dos protagonistas da Conclat ocorrida em 1981 fala sobre o cenário político e os desafios dos trabalhadores na primeira experiência do fórum nacional. Para ele, daquele ano para cá, as centrais e os trabalhadores conseguiram conquistar "certo grau de unidade e plataforma unificada, agora uma nova Conferência Nacional dos Trabalhadores vai consolidar essa fase nova".

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Realizada neste 1º de junho, a Conferência Nacional da Classe Trabalho está permeada por grande clima de unidade política e de desafios. Entre eles a redução da jornada de trabalho, a reforma agrária, a ratificação das Convenções 151 e 158 da Organização Internacional do Trabalho e o papel das centrais sindicais na pressão para o Brasil continuar avançando nas mudanças realizadas até agora. 

A seguir, a íntegra da entrevista.


Visão Classista: O que foi o Conclat?
Jamil Murad: A Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras, realizada em 1981 tinha como objetivo unir o movimento sindical e os trabalhadores em torno de: uma plataforma que traduzia a luta pelos nossos direitos, o fim da ditadura e a luta pela democracia, pela participação efetiva dos trabalhadores na vida política nacional e pelo fim dos desmandos do FMI dentro país que provocava a recessão econômica e o desemprego.

A maior virtude foi unir os trabalhadores do campo e da cidade em torno dessa plataforma política onde o destaque maior era reconquista da democracia para permitir uma participação ampliada por parte dos trabalhadores nas decisões políticas importantes do país.

Visão Classista: Realizada em um período ditatorial, qual sua importância para os trabalhadores à época?
JM: A classe dominante almejava evitar a participação política dos trabalhadores, procurando reservar o campo político para a classe empresarial – burguesa. E a Conclat era exatamente o contrário. Significava abrir caminhos para os trabalhadores decidir sobre o rumo do país.

É didático que uma parte do sindicalismo ligada ao regime militar fez chegar a todos os sindicatos do Brasil um alerta que não era para participar da Conclat, porque os trabalhadores deviam ficar fora de assuntos políticos e defender somente seus salários, erguendo só a bandeira corporativa e econômica. Eles diziam que a Conclat era coisa de comunista.

Felizmente, nosso apelo pela mobilização e participação do movimento sindical nessa Conferência foi um sucesso, tendo mais de 5 mil delegados e grandes lideranças políticas do campo democrático e popular, inclusive que vieram do exílio como João Amazonas, Brizola, Arraes e Prestes todos prestigiaram o evento que aconteceu em Praia Grande.

Este foi também o primeiro grande evento unificado do sindicalismo brasileiro, onde surgiu no cenário nacional o atual presidente do Brasil, o companheiro Lula, onde ele foi o principal destaque na Conclat.

Visão Classista: Quais as principais tendências e forças políticas que atuavam no Movimento Sindical?
JM: Havia 3 tendências na época. Uma corrente ligada a AFL – CIO norte americana, que procurava despolitizar os trabalhadores e não desejava que houvesse a Conclat; seu líder era o (Antonio Rogério) Magri e que não participou da conferência.

Outra tendência era uma corrente de sindicalistas burocratizados, muito apegados à máquina sindical e que tinham também uma essência conservadora. Porém, havia unidade nas lutas sindicais; pelo aumento de salário, por uma política de desenvolvimento e pela a reforma agrária, mas que procuravam não participar da luta dirigida pela esquerda brasileira. Na verdade eles eram mais próximos das forças conservadoras e demarcavam campo com a esquerda. A maioria dos sindicatos era ligada a essa tendência conservadora.

E a terceira tendência com essência de esquerda, onde concentrava os comunistas e outras tendências social democratas, que tinham como meta lutar pelos interesses econômicos e sociais, mas principalmente, abrir caminhos para uma pauta política dos trabalhadores.
Por exemplo, nós do PCdoB defendíamos o fim do regime militar, o fim da latifúndio, a reforma agrária, uma política de desenvolvimento, contra a ingerência do FMI em nosso país e em nossa política econômica e por políticas sociais. Esse era o rumo de esquerda que buscava forjar a participação política dos trabalhadores.

Porque nós visamos, em última instância, levar o trabalhador ao poder político do país para poder fazer transformações radicais e muito profundas na sociedade, criando condições para uma sociedade verdadeiramente democrática.

Resumidamente, tinha uma tendência ligada ao regime mimitar que procurava atuar para não permitir que fosse realizada a Conclat; outra ligada a setores conservadores da sociedade que participaram da Conferência e que procurava disputar a plataforma econômica e não participavam da luta política e que se posicionavam contra a política de renovação, apoiando os políticos tradicionais; e a corrente renovadora, transformadora que era liderada pela esquerda onde o PCdoB tinha uma força de idéias muito forte.

A esquerda toda dirigia poucos sindicatos. O PCdoB dirigia alguns sindicatos, mas era força minoritária; até porque estava na clandestinidade e tinha cerceamento de todas as naturezas, mas nossas idéias tinham amplo respaldo entre os milhares de delegados, pois sempre nos apresentávamos com uma proposta ampla, radical e avançada.

Dentro do debate surgiu a corrente do presidente Lula e lideranças ligadas a ele, que tinham um viés social – democrata e buscava dividir o movimento dizendo que teríamos que construir uma organização que aglutinasse somente os sindicatos de esquerda.

O PCdoB defendia opinião contrária, para os trabalhadores terem força era preciso construir uma única central, pois divididos nossa força transformadora seria menor. Deixaríamos de fora trabalhadores das mais diferentes categorias que era muito importante estar ao nosso lado na luta e não nos braços das forças conservadoras.

Visão Classista: A Conferência terminou com uma racha. O que impediu a unidade?
JM: A conferência ficou polarizada entre esse ramo conservador e o ramo da unidade. Nesse processo houve uma divisão de dois caminhos; um era manter o movimento sindical unido e outro de ter sindicatos só de esquerda em uma central só de esquerda. Nós vencemos essa luta, através da idéia de fundar a Pró – CUT, dando tempo para amadurecer a importância da unidade.

Dois anos depois acabou predominando a idéia de divisão e foi fundada a CUT, que englobava somente alguns setores do movimento sindical. Eles fundaram a CUT e nós a Conclat.

Visão Classista: Considerada um marco no movimento sindical, a Conclat deu novo fôlego ao sindicalismo brasileiro? Que diferença você vê entre o sindicalismo da época e o de hoje?
JM: A Conclat mobilizou e unificou os trabalhadores em torno de uma plataforma comum, que centralmente colocava a luta pelo fim do regimento militar e pela democracia, fim da intervenção do FMI do país, por uma política de desenvolvimento. Em vez do arrocho salarial uma política de valorização do trabalho e distribuição de renda, além de defender uma educação e saúde de boa qualidade para o povo brasileiro.

Então, a Conclat foi um acontecimento histórico na vida dos trabalhadores brasileiros, que mobilizou e unificou os trabalhadores em torno de uma plataforma progressista, defendendo o Brasil, a democracia e os interesses dos trabalhadores.

Nesse período foram fundadas novas centrais sindicais e hoje acompanhamos suas lideranças agindo juntos. O aumento de salário mínimo conquistado no governo Lula foi fruto da ação unificada; a legalização das centrais, bandeira histórica e secular também é resultado dessa luta conjunta.

Estamos vendo a vitória de nossas idéias da CTB, a partir do efeito negativo da divisão, essas lideranças comprometidas com os trabalhadores costurando a unidade, inclusive se organizando para uma nova Conclat.

O sindicalismo de hoje aproveitou conhecimentos e conquistas do passado, mas soube absorver os benefícios conquistados nos últimos 30 anos. A conquista da democracia e ampla liberdade política, do valor da participação do trabalhador na vida política, até mesmo elegendo um sindicalista para presidente da República. Naquele tempo era dito para o trabalhador não participar da política, e hoje elegemos um sindicalista por duas vezes.

Falsos argumentos propandeados pela elite conservadora convenciam enormes contingentes de trabalhadores. Em seu discurso diziam para os trabalhadores se atentarem somente aos seus salários e não se “meter” em reunião, nem partido político ou sindicato. Essas idéias hoje, estão derrotadas. Sempre lutamos para que o trabalhador fosse um cidadão de primeira classe, dando a sua opinião sobre o Brasil e também acumulasse força para dirigir o Brasil. Foi uma vitória da Conclat.

Eu participei em 1981 e estou acompanhando agora, sinto uma alegria profunda por nossas conquistas. Vejo que valeu a pena.

Visão Classista: Diante da unidade promovida pelas centrais sindicais, você acredita que a realização de uma nova conferência, nos moldes da Conclat, pode concretizar a unidade do movimento sindical e definir uma plataforma unificada?

JM: Já conquistamos certo grau de unidade e plataforma unificada, agora uma nova Conferência Nacional dos Trabalhadores vai consolidar essa fase nova. É melhor vivermos juntos com as nossas diferenças do que separados, apanhando sozinhos.

Todos esses líderes de trabalhadores vivenciaram a política de aumento real do salário mínimo, a conquista de plano de moradias, de direito aos seus filhos estudarem. Essas vitórias são frutos da unidade da classe trabalhadora.

A primeira eleição do Presidente Lula teve grande apoio das centrais sindicais, e agora o sindicalismo irá apoiar a candidata do Presidente Lula, porque sabemos que não podemos retroceder nas mudanças alcançadas até aqui.

Fonte: revista Visão Classista

Atualizada dia 01/06, às 12h