Felipe Melo, a bola e as mulheres

Os mais antigos certamente irão se lembrar da bela música Mulher, de Erasmo Carlos, o Tremendão, cujo LP homônimo foi lançado em 1981. Pois quem já se deliciou com a ótima harmonia entre melodia e letra da composição constata o evidente contraste com a cretina e absurda declaração de Felipe Melo, o volante de confiança de Dunga, como destacou a Folha de hoje, ao se referir à qualidade da bola que será utilizada na Copa.

Por Daniel Ilirian

O jogador declarou que a bola é ruim de se usar, o que seria perfeitamente aceitável como uma crítica. Porém, Felipe Melo não parou por aí. Para explicar o defeito, disse que a bola seria como uma “patricinha”, diferentemente de uma “mulher de malandro”, difícil de ser dominada e chutada já que não seguiria o rumo desejado pelo jogador. Comentário que foi seguido pelos risos dos repórteres.

Trocando em miúdos, a ridícula comparação do jogador revela um tipo de pensamento rasteiro que enxerga a mulher como alguém a ser rotulada e tratada pelo homem como este bem entender, não importando a natureza do tratamento.

Que o futebol é um esporte machista ninguém pode negar. E isso se vê facilmente olhando para as arquibancadas nos estádios país afora, onde os marmanjos sempre estão em maioria.

Nos programas de televisão, as mulheres ocupam um lugar patético limitando-se à leitura mecânica das notícias nos teleprompters e fazendo merchandising, deixando a óbvia sensação de que seus belos rostos são a única razão de estarem ali ganhando pontos para o ibope, como se de maneira geral não possuíssem capacidade para saberem de futebol.

Aliás, dizer que a mulher também entende de futebol chega a ser idiotice tão grande quanto dizer o contrário. O futebol é simplesmente um esporte, dos mais agradáveis, e pode e deve ser apreciado e entendido por qualquer pessoa, homem ou mulher. Como qualquer outro aspecto da vida.

Por se tratar de um esporte que contém uma agressividade talvez maior do que a observada em outras modalidades, algumas pessoas, como o volante da seleção, que já trazem consigo a idéia de que a mulher é um ser submisso, pensam ser a atmosfera do futebol absolutamente irrespirável aos pulmões femininos, como se a mulher não pudesse ser agressiva. Claro, seria uma direta e simples constatação de quem já relega a mulher a papel coadjuvante na sociedade.

Mas o mais o irônico e interessante de se notar é que nesse mundo machista do futebol, o objeto mais disputado e que separa craques de pernas-de-pau é um substantivo feminino.

Sim, a bola é a razão de ser do mais machista dos esportes e é ela a única responsável pelos risos e lágrimas. Ou dito de outra forma, aqueles que melhor sabem conviver com ela têm a maior possibilidade de realização ao fim de cada jornada.

Os chutes, os passes, os dribles, não são ofensas nem agressões metafóricas que um atleta oferece à bola, mas, sim, refinadas habilidades que todo bom jogador precisa desenvolver para realizar o espetáculo do jogo. Habilidades que com certeza, a despeito da agressividade também necessária, dão ao futebol a imprescindível beleza que todos nós, homens e mulheres, tanto esperamos para nossa alegria.

Quanto ao misógino volante da seleção e os seus pares, resta somente guardar para si tais comentários ou então quem sabe aproveitar o tempo livre que tiver na África para ouvir uma boa música para simplesmente reconhecer que pode ser um jogador muito forte, mas que talvez da bola Felipe Melo não chegue ao seus “pés”.