Rodrigo Vianna: Vitórias inesperadas do futebol mais "feio"

Quem não se lembra do bigodudo italiano Gentile a correr – feito uma sombra – atrás do nosso camisa 10, Zico? Bem, a maioria talvez não se lembre, porque isso se passou no longínquo ano de 1982, na Copa da Espanha. Pra mim, parece que foi na semana passada, tamanhas são as emoções que ainda guardo daquela partida.

Por Rodrigo Vianna, de Johanesburgo para o Vermelho

O corpulento Gentile grudou feito carrapato em Zico, chegou a rasgar a camisa do “galinho” na área. A TV mostrou, só o juiz não viu o pênalti. Verdade que o Brasil também tinha Sócrates, Falcão, Junior, Leandro. Era um timaço. Mesmo assim, acabou batido pelo futebol feio dos italianos. A derrota, por 3 a 2, ficou conhecida como “A Tragédia de Sarriá” (nome do estádio espanhol onde se deu a malfadada partida).

Aquela foi uma derrota tão marcante como a de 1950 no Maracanã. Depois de Sarriá, os brasileiros nunca mais ousaram jogar “pra frente”, com liberdade total para os craques. Desde então, o Brasil aprendeu que – pra ganhar – muitas vezes é preciso jogar “feio”. Mais ou menos como Lula fez com os juros do Banco Central no primeiro mandato!

Mas não precisamos exagerar (nem nos juros, nem no futebol). Na lamentável Copa de 1990, por exemplo, o Brasil jogou um futebol tão burocrático e previsível como a política de Meirelles no BC.

As conquistas de 94 e de 2002 mostram bem isso.

Depois de abandonar o “complexo de vira-lata” em 1958, o Brasil aprendeu – com a derrota de 1982 – a não apostar tudo no futebol “cordial” (a expressão “homem cordial”, cunhada por Sergio Buarque de Holanda, designa uma tendência brasileira à informalidade, ao predomínio do coração, a colocar as relações pessoais acima e à frente de considerações coletivas).

Pode ser uma boa lição. Desde que o “coletivo” não funcione como uma camisa de força, desde que se abra espaço para a criatividade surgir aqui e ali. Foi assim com a genialidade de Romário em 94, e com a categoria de Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo e Ronaldo em 2002.

O Brasil aprendeu, com as lágrimas derramadas após a derrota de 1982, a mesclar o coletivo e o individual. Sinal de amadurecimento. Por mais que muitas vezes tenhamos saudades do futebol mais “solto” e “irresponsável” de outros tempos.

Mas o tema desse artigo não é o Brasil. Voltemos aos nossos adversários de 82…

A Itália, além do brutamontes Gentile, tinha a firmeza de Zoff no gol, e o oportunismo de Paolo Rossi na frente. Ele fez os três gols da vitória contra o Brasil. Nunca mais jogou tanto, como naquela Copa, em que a Itália seria campeã de forma surpreendente – depois de se classificar para a segunda fase jogando um futebol medíocre, com três empates e apenas dois gols marcado!

Não foi a primeira vez que o time que joga “feio” leva a taça.

Nas últimas décadas, os italianos ficaram com a fama de retranqueiros (justa, aliás); mas os especialistas em ganhar sem ter o time mais vistoso são os alemães.

Foi assim em 1954. A máquina do futebol mundial era a Hungria de Puskas. Meu avô sempre contava que os húngaros eram tão bons que, no começo dos anos 50, clubes paulistas importavam treinadores de futebol da Hungria – para ensinar técnica aos brasileiros (como bater na bola, como dominá-la, como chutar com efeito, usando o lado do pé).

Na primeira fase, a Hungria massacrou os alemães: 8 a 3! Quem viu os húngaros jogar (não é o meu caso) garante que era um futebol tão bonito quanto o brasileiro entre 1958 e 1982. Havia espaço para a criatividade dos craques, comandados por Puskas.

O time germânico não tinha nada disso. Mas tinha o esforço coletivo. E tinha a vontade sobre-humana de conquistar o título para mostrar ao Mundo que – após a barbárie na Segunda Guerra – o país era capaz de se organizar e vencer.

Húngaros e alemães foram pra final. E a eficiência germânica derrotou a genialidade de Puskas: 3 a 2.

Em 74, a história se repetiu. O esquadrão da moda era a Holanda de Cruyff. Na “laranja mecânica”, não havia posíções fixas. Os jogadores tinham liberdade para girar pelo campo, sem grandes amarras. Os holandeses eliminaram o Brasil, e foram à final contra a Alemanha, como favoritos.

Mas a Alemanha tinha o esforço coletivo. E tinha mais que isso: a
categoria de Beckenbauer, a segurança de Zepp Mayer no gol, e o oportunismo de Gerd Muller. Na final, Vogts grudou em Cruyff (como Gentile faria com Zico em 82). Vitória alemã, em casa, por 2 a 1.

Muito antes do Brasil, a Alemanha já tinha aprendido que talento e jogo coletivo podem entrar juntos em campo. E, normalmente, trazem vitórias.

Em 2010, será que essa será a tônica?

Quem joga mais “bonito”, mais “solto”? A Espanha, sem dúvida, seguida talvez pela Argentina de Messi.

Do lado da eficiência estão Brasil e (como sempre) Alemanha.

Será que a eficiência brasileira vai embotar e tolir o talento de nossos jogadores. Pelo que vi nos treinos por aqui, temo que sim.

Temo que a vitória possa vir de um time que fica no meio do caminho, como a Inglaterra: aposta no coletivo, mas abre espaço para o individual – com Rooney, Lampard e Gerrard (sem falar no ótimo zagueiro Terry).

Para vencer, a (favorita) Espanha terá que aprender a dura lição: é preciso dar espaço para a criatividade, sim, mas sem esquecer que no futebol um brutamontes como Gentile pode sempre barrar o talento de um Zico.

Para vencer, é preciso mais do que craques – como mostram os exemplos de 1954, 1974 e 1982.