Luiz Fabiano, o Brasil e a grã-fina: "quem é a bola?"

A "grã-fina das narinas de cadáver" é um dos personagens mais saborosos inventados pelo genial Nelson Rodrigues. Ele — que escrevia, com a mesma categoria, peças de teatro e crônicas sobre futebol — gostava de contar histórias sobre a tal grã-fina, que não sabia absolutamente nada sobre o esporte mais popular do Brasil.

Por Rodrigo Vianna

Um dia, a grã-fina se rende e finalmente vai ao Maracanã. Ao entrar na área das cadeiras e observar aquele espetáculo admirável, ela faz a pergunta inesperada: “afinal de contas, quem é a bola”.

Lembrei-me dessa história, ao acompanhar no domingo (30) a coletiva de Luiz Fabiano em Johannesburg. Ele falou para uns trezentos jornalistas brasileiros, numa sala do luxuoso Clube de Golf em que a seleção está hospedada.

Foram muitos temas. Mas um ganhou força pela declaração curiosa do artilheiro: ele reclamou da bola, atacou a bola, tripudiou sobre a pobre bola.

“Parece que ela não gosta de ser chutada”, disse o craque. “Sobrenatural essa bola”, acrescentou Luiz Fabiano. Explicou que a pelota muda de trajetória no ar, não se submete ao controle dos jogadores… É uma rebelde, enfim!

Ele, que tem a função de marcar gols, parece não se dar bem com ela – a bola escolhida para rolar pelos gramados africanos.

Julio Cesar, nosso goleiro, que precisa agarrá-la, acariciá-la, mantê-la presa contra o peito, também já havia criticado a bola.

É grave a situação.

Colegas mais experientes nos bastidores do esporte dizem que pode existir explicação menos sobrenatural para tantas críticas contra a indefesa pelota. Tanto Luiz Fabiano como Julio Cesar teriam contratos com a Nike. E a bola é funcionária de carteirinha da Adidas.

O curioso é saber o que Kaká – que também trabalha sob contrato da Adidas – dirá sobre a pelota, quando for escalado para essas entrevistas coletivas que parecem um grande circo.

A julgar pelo que vi no coletivo de hoje, que aconteceu horas depois da coletiva, Kaká terá dificuldades enormes com a bola. Recuperando-se de uma contusão no púbis, ele voltou a treinar depois de 3 meses de tratamento. Voltou é maneira de dizer. Kaká arrastou-se pelo campo. Preocupante a atuação dele.

Foi um coletivo triste. Dunga escalou Michel Bastos na lateral-esquerda e Elano no meio. O que se viu foi um time titular sem criatividade, a depender das (boas) arrancadas de Maicon pela direita, e da vivacidade de Robinho na frente. Pouco, muito pouco.

Zero a zero. Assim terminou o melancólico coletivo na fria Johannesburg.

A bola, maltratada, deve ter sentido o doce gosto da vingança. Os brasileiros precisam se reconciliar com a pobre.

Se estivesse aqui, a grã-fina de Nelson Rodrigues abriria um bocejo enorme e perguntaria não mais sobre a pelota (agora, velha conhecida), mas sobre nossa irreconhecível seleção: “afinal, quando o Brasil vai chegar à Africa, e entrar em campo?”