Bruno Padron: África do Sul vai à luta com essa juventude

No dia 16 de junho de 1976, o estudante Hector Pieterson foi morto pela repressão do Apartheid sulafricano. Além de tornar evidente ao mundo todo uma das páginas mais vergonhosas da nossa história, também se tornou um exemplo da luta do povo negro por igualdade. O futebol também é uma expressão da cultura negra da África do Sul, e a disputa da Copa do Mundo em seu solo vem carregada desses símbolos, e pode revelar a este povo novos heróis.

Por Bruno Padron

O que ficou conhecido como o Dia da Juventude, feriado que relembra a luta contra o Apartheid, surgiu após o massacre do governo branco que vitimou cerca de 500 estudantes que lutavam contra a obrigação do estudo do Africâner, língua falada pela população branca do país e que à época era considerada o idioma oficial do país e imposta aos negros (é falada por 13,3% da população somente).

O chamado Levante de Soweto era uma grande festa, com dança e música, mas ao primeiro sinal de repressão do governo racista tornou-se radicalizada, com os estudantes dispostos a tudo por liberdade. O resultado foi uma carnificina promovida pela polícia e a atenção do mundo voltada para a questão da segregação racial na África do Sul. A morte de Pieterson foi somente a primeira de centenas naquele dia, mas se transformou em um símbolo da luta contra o preconceito.

É neste contexto que a África do Sul, 34 anos depois deste marco, sedia a primeira Copa do Mundo em continente africano. Como se não bastasse, em 16 de junho de 2010 a seleção sulafricana enfrenta o Uruguai em jogo decisivo para suas pretensões de classificação às oitavas-de-final.

A alegria que emanava nas ruas do país, em celebração ao seu grito de liberdade, desembocava no estádio Loftus Versfeld, em Pretoria. Esse sentimento invadia as arquibancadas, através do canto persistente das vuvuzelas, de suas músicas e danças populares. A equipe protagonizava uma das cenas mais bonitas da história das Copas ao entrar no campo batendo palmas, dançando e cantando uma canção que expressava a igualdade conquistada com o fim do Apartheid.

O empate na estréia contra o México deu confiança ao time e à torcida de que era possível realizar o sonho de avançar na competição que sediava. Mas a partida contra a seleção uruguaia era decisiva para tal objetivo. O Uruguai não é favorito ao título, há tempos não emplaca uma grande geração de jogadores, mas é o Uruguai da mística camisa celeste, cheia de grandes histórias no futebol e dona de dois títulos mundiais.

Esta camisa já foi responsável pelo silêncio mais ensurdecedor da história do futebol, parafraseando Nelson Rodrigues. No ano de 1950, na Copa que era nossa, a celeste olímpica calou o Maracanã, no episódio lembrado até hoje como Maracanazo. Uma tragédia para nós, brasileiros, que fez o mesmo Nelson criar o nosso complexo de vira-latas, devidamente enterrado oito anos depois.

Mesmo com a boa atuação na estréia, são evidentes as deficiências técnicas dos Bafana Bafana. O país não possui tradição no futebol, mesmo sendo este esporte um dos mais populares, principalmente entre a população negra. Por isso, a simples classificação à próxima fase seria uma glória para o país.

Mas o jogo era difícil. O time sulafricano não conseguia criar chances de gol e o Uruguai ganhava espaço no campo. O gol da celeste era questão de tempo, e ele saiu aos 24 minutos do primeiro tempo, em belo chute de fora da área de Diego Forlan, filho de Pablo Forlan, um dos ídolos dos bons tempos do futebol uruguaio.

As vuvuzelas ainda soavam no estádio no intervalo. Ali naquele zumbido estava a esperança de virar o placar e fazer daquela festa uma nova glória. Uma vitória para coroar a luta de um povo. Porém o panorama do segundo tempo não era nada diferente.

O Uruguai continuava bem na partida. Forlan fazia um partidaço, além de grandes atuações do zagueiro Godin e dos atacantes Suarez e Cavani. E aos 34 minutos, Suarez sofre pênalti , o goleiro Khune é expulso, Forlan cobra e marca! Uruguai 2 a 0, e as vuvuzelas reduzem o volume.

O som comum aos torcedores sulafricanos vai diminuindo progressivamente, até silenciar aos 49 minutos, com a bela jogada de Forlan e Suarez que resulta no gol de cabeça de Alvaro Pereira. Com 3 a 0 no placar para a celeste, o país-sede pode pela primeira vez na história das Copas não passar da primeira fase. A classificação sulafricana depende de um verdadeiro milagre.

Mais uma vez, coube ao Uruguai silenciar um país. O que era festa, virou frustração.

Entretanto, o silêncio ao fim do jogo não silencia a história. Toda a luta do povo negro sulafricano contra o racismo, pelo fim do Apartheid, não se apaga. A conquista do direito de ser considerado um cidadão em seu próprio país permanece, e esta não se cala.

O dia 16 de junho, o Dia da Juventude, para sempre será lembrado como o dia que a África do Sul venceu a maior partida da sua vida, contra o maior adversário.
E isso não tem Uruguai que apague…