Documento "secreto" mostra falhas graves no SUS em SP

Espera por procedimentos chega a seis meses; gestantes não recebem anestesia. Chamado “Pesquisa de Satisfação dos Usuários do SUS-SP”, o relatório não divulgado foi produzido com base em 350 mil respostas obtidas após o envio de cartas ou em telefonemas aos cidadãos atendidos em 2009 nas mais de 630 unidades que funcionam com recursos do SUS. O que segue abaixo é o retrato grotesco pintado pelo PSDB.

Mantida em sigilo da opinião pública há três meses, uma pesquisa realizada pela Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo com os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) aponta problemas crônicos no atendimento aos pacientes nos hospitais paulistas, carências que fazem a espera por exames chegar a seis meses e obriga as grávidas a enfrentarem o trabalho de parto sem a anestesia normalmente indicada. Esse é o retrato grotesco pintado pelo PSDB.

Entre os dados tabulados, destacam-se estatísticas alarmantes, como indicam especialistas. Cerca de 30% dos entrevistados afirmaram, por exemplo, que demoraram até seis meses para fazer um procedimento de alta complexidade, como quimioterapia, hemodiálise ou cateterismo. Tais procedimentos, no caso de um paciente com razoável situação financeira, são feitos em instituições particulares imediatamente ou em poucos dias, com possibilidade de agendamento. Contradizendo toda a propaganda institucional tucana.

O absurdo do banho morno

Outro escândalo médico registrado pelo levantamento “secreto” aponta que apenas 24% das grávidas que enfrentaram o trabalho de parto pelo SUS receberam anestesia raquidiana ou peridural, procedimentos que aliviam o sofrimento e que são considerados padrão às pacientes. E pior: 14% tiveram seus filhos tomando apenas um “banho morno” para aliviar a dor (o levantamento não especifica o tipo de parto, natural ou cesárea).

Falta de vacina contradiz José Serra

A vacinação foi outro destaque negativo marcante na pesquisa. Cerca de 30% dos pais relataram falta de vacinas na unidade, “sempre”. Como alerta o próprio diagnóstico oficial, “esta resposta foi surpreendente, uma vez que no período da pesquisa não há registro de falta ou redução no estoque de vacinas do sistema público”. Ou seja, tudo indica que os funcionários dos hospitais mentiram para o público.

Além disso, como mostram os dados tabulados pelo governo, 18,9% dos pais disseram que seus filhos não tomaram nenhuma vacina ao nascer, indo contra as normas do Programa de Imunização do estado de São Paulo, que prevê pelo menos a oferta de vacinas contra a tuberculose. Como indica o levantamento, “trata-se de perda de oportunidade e falha no programa, demonstrando necessidade de reorientar e avaliar as maternidades”.

"Governo deixa as pessoas terem dor"

Foram ouvidos seis especialistas com experiência em atendimento médico e na análise da gestão pública da saúde para comentar os dados, a que somente tiveram acesso por meio da reportagem do UOL Notícias. Todos foram unânimes em afirmar que o quadro é “grave”, apesar de alguns terem pedido para não serem identificados.

Paulo Eduardo Elias, professor de medicina preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), afirma que os dados apenas confirmam que o sistema de saúde em São Paulo não dá a atenção devida aos pacientes. “Como mostram as informações sobre os procedimentos de parto, fica claro que o governo deixa as pessoas terem dor. É um problema grave. Não se importa muito com isso”, argumenta.

Para Álvaro Escrivão Júnior, professor e especialista em gestão hospitalar da Fundação Getúlio Vargas, a pesquisa revela a falta de recursos para o setor. “Quando se tem um sistema universal, que atende a todos, precisa ter dinheiro para manter o funcionamento do sistema. A pessoa precisa fazer exames imediatamente, não depois de seis meses”, diz.

São Paulo na contramão da democracia

Todas as graves falhas no sistema de saúde de São Paulo, no entanto, não assustam tanto os acadêmicos quanto a tentativa de esconder o levantamento da opinião pública, princípio democrático da publicização de informação.

A reportagem do UOL Notícias, afirma que realiza, em ligações telefônicas praticamente semanais, cobrança da divulgação do relatório desde o começo de março. Na ocasião, o governo promoveu um evento em que premiou os melhores hospitais públios do estado, segundo conclusões tiradas desta mesma pesquisa. No entanto, não divulgou quais seriam os piores estabelecimentos.

No primeiro contato com a Secretaria da Saúde de São Paulo, no dia 4 de março, a reportagem solicitou a íntegra do levantamento. O pedido foi ignorado. Pelo menos cinco recados em nome da reportagem foram deixados a um dos chefes da assessoria de imprensa da secretaria, Vanderlei França. Nunca houve retorno. Além disso, a reportagem tentou conseguir o relatório com pelo menos cinco membros do Conselho Estadual de Saúde, órgão consultivo da secretaria que, em tese, deveria ser informado de tudo o que acontece no sistema de Saúde estadual.
 
Impedimento do Conselho Estadual

Até a sexta-feira (18/6), todos os conselheiros relataram não ter conseguido acesso aos dados. Tomás Patrício Smith-Howard, representante da Associação Paulista de Medicina, chegou inclusive a protocolar um pedido formal tentando obter as informações. Já esperava havia mais de dois meses. “Temos total interesse em saber o conteúdo da pesquisa, inclusive para conseguirmos analisar o sistema de saúde. Essa é a nossa função”, diz ele, que soube do resultado do levantamento via UOL Notícias. Um abuso antidemocrático.

Falta de transparência

Claudio Weber Abramo, presidente da Transparência Brasil, classificou a situação como “trágica”. Segundo ele, é um “absurdo” uma pesquisa financiada com dinheiro público não ser divulgada. “É típico de São Paulo. Os recursos neste Estado são incompatíveis com a obscuridade do governo.”

Da redação, com UOL Notícias