Do consenso democrático ao financeiro e ao atual consenso social
A construção da opinião publica brasileira não é democrática porque os fatores que mais sistematicamente incidem na sua formação são monopolistas – os grupos oligárquicos que controlam os meios de comunicação. Seu peso tem claramente caído e uma das novidades da vitória do Lula em 2002 e da sua reeleição em 2006 é exatamente este – triunfo contra esse monopólio.
Por Emir Sader, em seu blog
Publicado 25/07/2010 19:55
Como resultante, mesmo sob o efeito desse fator que deforma sua construção democrática, podemos ainda assim constatar o tipo de consenso gerado no conjunto da sociedade brasileira ao longo das ultimas décadas e nos darmos conta das suas novidades.
Na ditadura não se podia falar de consenso. Havia uma hegemonia centrada na força, ainda que, durante o período de crescimento econômico – 1967-1979 –, pudesse contar com acesso ao consumo de bens por parte da população, para se apoiar complementarmente.
Na década de 80, como efeito de rejeição da ditadura, o consenso foi basicamente em torno do restabelecimento da democracia política no Brasil. A fundação do PT, da CUT, do MST, foram produtos desse consenso, assim como a Assembléia Constituinte, que basicamente resgatou direitos expropriados pela ditadura e reconheceu alguns outros novos.
Este consenso se esgotou com o governo Sarney que, formalmente originário das forças opositoras, esvaziou o impulso democratizante que vinha da oposição à ditadura, mantendo a democratização nos marcos estritos do sistema político liberal.
A concentração do poder consolidava e ampliada pela ditadura – em torno do sistema bancário, dos grandes conglomerados industriais, comerciais, agrícolas, da propriedade da terra pelo latifúndio, do monopólio dos meios de comunicação – não apenas não foi tocado, como foi intensificado.
Basta recordar como ACM, Ministro das Comunicações do governo Sarney, terminou de repartir as mídias do país entre as oligarquias tradicionais, basicamente em troca do quinto ano do governo Sarney.
Collor se aproveitou desse esvaziamento para deslocar a polarização central do cenário político daquela entre ditadura x democracia, para uma nova, entre modernização x atraso, recoberta por aquela entre esfera privada x esfera estatal. Começava a se delinear a hegemonia neoliberal no país.
FHC deu continuidade a esse consenso, revestindo-o da luta contra a inflação e fazendo do Estado o vilão da inflação. Conseguiu introduzir no consenso nacional a estabilidade monetária, produto do ajuste fiscal que, por sua vez, promovia o Estado mínimo, expropriava direitos, estendia o trabalho sem carteira assinada, produzia a hegemonia do capital especulativo na economia.
O esgotamento desse consenso, representado pela derrota do candidato de FHC – Serra – em 2002 e em 2006 – Alckmin -, permitiu mudanças na opinião majoritária da população. A passagem do consenso democrático ao da estabilidade monetária representou uma virada basicamente conservadora, porque jogou a estabilidade monetária contra o desenvolvimento, a distribuição de renda e os direitos sociais.
Mesmo esgotado esse consenso – que impediu que um candidato que representava sua continuidade fosse vencedor em 2002 -, inscreveu no consenso nacional o tema da estabilidade monetária.
O novo consenso, produzido pelo governo Lula, incorporou esse elemento, mas articulando-o com um quadro geral de outra natureza. Depois de uma primeira fase em que esse elemento, herdado do governo FHC, foi determinante, ele passou a ser enquadrado em um marco diferente na segunda fase do governo.
Nesta, se resgataram elementos estruturais de um consenso distinto: o desenvolvimento econômico com distribuição de renda, o papel do Estado como indutor do desenvolvimento e garantia dos direitos sociais, a extensão sistemática destes direitos – incluídos a elevação sistemática do poder aquisitivo dos salários acima da inflação, o aumento permanente do trabalho formal, entre outros.
De um governo para uma minoria, beneficiada pelos mecanismos de mercado prevalecentes com a retração do Estado, foi se passando a um governo para todos, estendendo direitos e acesso a bens aos setores mais pobres, amplamente majoritários em uma sociedade secularmente desigual como a brasileira.
Gerou-se assim um novo consenso, progressista, que prefere o desenvolvimento ao ajuste fiscal, a distribuição de renda à competição selvagem no mercado, a soberania externa à subordinação às políticas dos EUA, o papel ativo do Estado na economia e nas relações sociais contra sua retração a um Estado passivo e fomentador das privatizações.
Esse é o elemento basicamente progressista do governo Lula, centrado não apenas na melhoria inquestionável das condições de vida da massa da população, mas também em um consenso que rompeu com o consenso neoliberal, deslocando-o para os direitos sociais, a luta contra a desigualdade e a estagnação econômica.
A liderança da Dilma nas pesquisas – o máximo que conseguem fazer as pesquisas da oposição é tentar aferrar-se a um suposto empate técnico, com clara tendência ao deterioro das opções pelo seu candidato – reflete esse novo consenso, que reflete as realizações do governo e as mudanças na opinião publica, produzidas por essas realizações e pelo discurso de Lula e de Dilma, basicamente.
É nesse quadro que, se confirmado, levará a uma vitória significativa de um novo consenso progressista no Brasil, que as forças do campo popular devem lutar para aprofundar as transformações iniciadas no governo, promover outras e contribuir à consolidação de um modelo posneoliberal, fundado nos direitos para todos, na justiça social, na solidariedade, no desenvolvimento com distribuição de renda e na soberania nacional.