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Unegro: Edson França fala sobre Estatuto da Igualdade Racial

"Sancionado pelo presidente Lula no último dia 27 de julho, o Estatuto da Igualdade Racial inaugurou um marco para o movimento negro, representando um novo patamar tanto na luta pela erradicação da discriminação racial no país, como pelo combate às desigualdades de oportunidades entre os povos historicamente marginalizados", é o que garante o coordenador-geral da Unegro, Edson França.

Em entrevista ao Portal CTB, Edson França comentou a importância do documento para o movimento negro e esclareceu quais foram os avanços advindos com sua aprovação.

Portal CTB: O que representou para a UNEGRO a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial?

Edson França: A Unegro considera a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial um passo muito importante para o desenvolvimento da democracia brasileira, um país com 92 milhões de negros, metade da sua população, não consegue manter o povo unido perpetuando desvantagem racial. Sabemos que democracia e racismo são antíteses, não sobrevivem harmoniosamente no mesmo espaço. Sabemos, também, que um país democrático, distribui justiça com equidade, esse é o fundamento do Estatuto. Reconhecendo que a desigualdade socioeconômica que subordina a população negra é amplificada pelo racismo; conscientes do papel relevante do Estado na construção da igualdade; e reconhecendo a importância de instrumentos jurídicos eficazes para regular a intervenção do Estado, através do apoio do movimento negro e do governo Lula, o Brasil aprovou e sancionou, após 122 anos da abolição, o Estatuto da Igualdade Racial, cujo objetivo é oferecer um arsenal de políticas públicas para promover socialmente a população negra.

Portal CTB: Você acredita que a partir daí se criou um novo paradigma de enfrentamento ao racismo no Brasil?

Edson: Sim, ele consolida um novo paradigma de enfrentamento ao racismo, correspondendo a uma correta definição do seu significado. Antes o pensamento hegemônico impunha à sociedade brasileira a compreensão que o racismo se constitui num fenômeno social que transita no campo da alteridade, ou seja, na relação entre os indivíduos, por isso as ações do Estado deveriam atuar exclusivamente contra o preconceito e a discriminação racial.

Exemplos dessa abordagem são as Leis Afonso Arinos (revogada) e Caó, criminalização constitucional do racismo, instituição de delegacias especializadas em crimes raciais. Essas políticas são importantes, inibem a prática individual, mas insuficientes, pois não atuam nas conseqüências sociais e sistêmicas do racismo. Hoje, com a ascensão de um pensamento avançado, o entendimento é que o racismo é uma doutrina política e ideológica, que estabelece hierarquia entre as pessoas, ao mesmo tempo em que justifica a desigualdade, consolida poder econômico, político, social, cultural nas mãos de uns (brancos) em detrimento a outros (negros e índios).

Por isso, para ter eficácia, as medidas tem que incidir sobre a qualidade de vida dos racialmente discriminado, assim estará confrontando o substrato do racismo e do projeto político dos que se beneficiam com ele: acumular poder político e econômico. Por isso, compreendemos que o Estatuto da Igualdade Racial é uma nova abordagem, um paradigma de enfrentamento ao flagelo causado pelo racismo.

Portal CTB: Para a aprovação do Estatuto houve supressão de temas importantes, como as cotas. Quais serão os próximos passos para garantir o benefício?

Edson: O processo de negociação da redação final do Estatuto da Igualdade Racial durou dez anos, estavam em confronto diversas posições sobre como enfrentar o racismo, projetos de poder, interesses de classes, de segmentos econômicos, concepções culturais, religiosas, filosóficas, etc.

O Estatuto da Igualdade Racial versa sobre o Brasil, sobre o povo brasileiro, diante dessa complexidade não há meios de vitórias solitárias, o povo tem que vencer. A estratégia utilizada pela SEPPIR (com a anuência de expressiva parcela do movimento negro) foi de apresentar uma redação com “bastante gordura”, pois estava ciente que teríamos de negociá-las com todas as forças políticas no Parlamento e na sociedade. Resultado: conquistamos uma lei com 64 artigos estabelecendo direitos, princípios, diretrizes e políticas públicas para promoção social da população negra. Considero que as cotas estão contempladas na instituição da obrigatoriedade do Estado instituir ações afirmativas na educação, no trabalho, na comunicação. Entendemos que uma boa leitura e correta interpretação do Estatuto, verificaremos a manutenção das principais bandeiras do movimento negro, demonstrando a habilidade dos negociadores e o acerto da tática adotada.

Tanto que o Senador Demóstenes Torres (DEM) foi duramente criticado pelos seus pares conservadores, pois não soube cumprir com eficácia a tarefa lhe atribuída – de negar qualquer possibilidade de avanço através do Estatuto da Igualdade Racial.

Portal CTB: Em razão de suas alterações, a aprovação do estatuto criou um impasse no movimento negro. Você acredita que esse fato enfraqueceu a unidade?

Edson: Na verdade relativizo essa afirmação, a maioria do movimento negro criticou as mudanças, os esquerdistas tentaram faturar propondo o veto, no fundo queriam derrotar o governo, mas imperou a vontade da maioria que advogava a sanção, apesar da crítica. O movimento negro está unido e coeso para exigir a implantação integral e aperfeiçoamento da lei, visto que tudo que fazemos é possível melhorar.

Portal CTB: Você acredita que existe falta compreensão para a importância da aprovação do documento no Brasil?

Edson: Existe, localizada inclusive no interior do movimento negro – embora esteja dissipando a incompreensão. A resistência fundamental tem como pano de fundo a política, não a incompreensão.

A elite econômica, setor da intelectualidade, todos representados e em conluio com o DEM, partido que tem confrontado com todas as iniciativas de igualdade racial propugnada pelo governo Lula e almejada pela maioria da população brasileira. Foram contra as cotas, a política aos quilombolas, a existência da SEPPIR, as viagens e nova relação estabelecida com a África pelo governo Lula, ao Estatuto da Igualdade Racial, ou seja, querem acabar com todas iniciativas com vistas a promoção da igualdade racial no Brasil.

Portal CTB: Você pode citar algumas das principais medidas previstas pelo Estatuto e o que elas representam para os brasileiros?

Edson: Além de reiterar medidas reconhecidas legalmente, como a posse definitiva das terras quilombolas e o ensino da história da África e da cultura afrobrasileira, o Estatuto prevê:

• Obriga adoção de ações afirmativas na educação (art. 15);

• Cria estímulos para ação socioeducativa realizada por entidade do movimento negro (inciso II do art. 10 e parágrafo 3 do art. 11);

• O poder público promoverá ações que assegurem igualdade de oportunidade no mercado de trabalho e estimulará por meio de incentivos medidas iguais pelo setor privado (art. 39 e parágrafo 3 do mesmo artigo);

• Prevê acesso nos meios de comunicação para divulgar as religiões de matriz africanas (inciso VII do art. 24);

• Prevê ampliação do acesso a financiamento para comunidades negras rurais (art. 28);

• Em políticas agrícolas, prevê tratamento especial e diferenciado aos quilombolas (art. 33);

• Determina que os agentes financeiros públicos ou privados promovam ações para viabilizar acesso dos negros a financiamentos habitacionais (art. 37);

• Exige a presença de negros nos programas televisivos e cinematográficos – embora não estabeleça percentual (art.44);

• O poder público incluirá cláusula de participação de negros nos contratos de realização dos filmes ou qualquer peça publicitária (art.46);

• Cria o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial – SINAPIR (todo o título III do Estatuto);

• A capoeira passa a ser considerada desporto, obrigando o governo destinar recursos para a prática (art. 20 e art.
22);

• Libera assistência religiosa nos hospitais aos seguidores dos cultos de matriz africana. (art. 25);

• Prevê o financiamento das iniciativas de promoção da igualdade racial (art. 56 e art. 57)

Fonte: Portal CTB, por Cinthia Ribas