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Cremesp aponta deficiência da Saúde Mental em São Paulo

Em março deste ano, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) divulgou um estudo que revela importantes e significativas falhas no atendimento psiquiátrico no estado.

Por Mariana Viel

Os problemas vão desde a falta de retaguarda para a internação psiquiátrica, ausência de atendimento médico clínico, erros em prontuários e falta de registro no Cremesp. Entre 2008 e 2009, foram realizadas fiscalizações em 85, dos 230 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) do estado de São Paulo.

Atualmente, os Caps são os principais serviços de atendimento a pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, incluindo a dependência de álcool e drogas. Apontados como substitutivos dos hospitais psiquiátricos, os Caps integram a Política Nacional de Saúde Mental, conforme a Lei Federal 10.216/2002 – conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica.

Segundo o psiquiatra e diretor do Cremesp, Mauro Aranha – que liderou a pesquisa –, o estudo avaliou o funcionamento interno dos centros e sua conexão com os outros equipamentos da rede de saúde. “O que vimos é que, na prática, precisa melhorar. O desenho estrutural é bom, mas o funcionamento não é”.

Na opinião de Aranha, a questão da saúde mental no estado de São Paulo, precisa de mais atenção. “Quando digo que precisa melhorar bastante, é dentro do espírito da Lei 10.216, dentro do espírito da Constituição brasileira – que trata do atendimento em rede – e dentro do espírito multiprofissional. O psiquiatra sozinho não faz nada, assim como o psicólogo sozinho também não faz nada”.

Reforma Psiquiátrica

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 400 milhões de pessoas são afetadas por distúrbios mentais e comportamentais, em todo mundo. No Brasil, cerca de 23 milhões de pessoas (12% da população) necessitam de algum atendimento em saúde mental – 6% têm transtornos mentais bem estabelecidos e 3% têm transtornos mentais graves e persistentes.

O diretor do Cremesp explica que a Lei 10.216 é considerada um grande avanço no tratamento de pessoas portadoras de transtornos mentais porque privilegia o atendimento extra-hospitalar, multiprofissional e regulamenta as internações involuntárias em psiquiatria – preservando os direitos humanos dos pacientes.

“Ela é vista de forma bastante positiva pelo Conselho Regional de Medicina. A lei é abrangente e reconhece a necessidade de tratamento da pessoa portadora de transtorno mental em todos os níveis e fases da doença”.

O médico explica que a Constituição Federal de 1988 estabelece que o atendimento em saúde seja realizado em rede. “Cada um faz a sua especificidade. Esse é o tipo de tratamento adotado com sucesso por vários outros países e que, em minha opinião, o Brasil precisa”.

Ele diz que o respeito a esse tipo de atendimento é justamente um dos principais pontos da reforma. “A rede deve ter UBS (Unidades Básicas de Saúde), Nasf (Núcleos de Apoio à Saúde da Família), Caps (Centros de Atenção Psicossocial), ambulatórios médicos de especialidades, unidades psiquiátricas de hospital geral e leitos de hospitais psiquiátricos com características não asilares” enfatiza.

“Cada etapa do transtorno exige um tipo de atendimento. Casos mais leves podem ser tratados nas UBS, casos que exigem um atendimento emergencial podem ser atendidos no pronto socorro e as internações devem ser encaminhadas para uma unidade psiquiátrica de hospital geral. No caso de um paciente grave e persistente, que não precisa estar internado, a reabilitação pode ser realizada no Caps”.

Resultados da pesquisa

O Ministério da Saúde classifica os Caps em diferentes modalidades (I, II e III). Os centros são qualificados em ordem crescente de porte, capacidade operacional, complexidade de atendimento e cobertura populacional. Também existem centros voltados para o atendimento de crianças e adolescentes e para o tratamento de dependentes de álcool e outras drogas. O estudo do Cremesp avaliou 85, dos 230 Caps do estado de São Paulo e abrangeu todas as modalidades.

Entre os resultados, destacam-se:

– 42% não contavam com retaguarda para internação psiquiátrica;

– 31,3% não tinham retaguarda para emergências psiquiátricas;

– 66,7% não disponibilizam atendimento médico clínico na unidade;

– 25,3% não tinham retaguarda para emergências médicas clínicas;

– 69,4% fizeram referência à falta de profissionais;

– 16,7% não tinham responsável médico; mesmo entre os que tinham responsável médico, 66,2% dos serviços não possuíam registro no Cremesp, o que é obrigatório;

– 30% dos Caps III (de maior complexidade) não acataram a legislação no que se refere à “atenção contínua durante 24 horas – incluindo feriados e finais de semana”;

– 20% dos prontuários médicos apresentaram pelo menos uma falha, como letra ilegível, falta de projeto terapêutico individualizado, falta de controle laboratorial para os psicotrópicos utilizados e ausência de formalização de concordância, por parte do paciente ou responsável;

– 27,4% não mantinham articulação com recursos comunitários para a reintegração profissional dos pacientes; 29,8% não mostraram integração com outros serviços da comunidade;

– 45,2% dos centros avaliados não realizavam capacitação das equipes de profissionais de saúde de atenção básica e 64,3% não faziam supervisão técnica para os membros dessas equipes;

Segundo o médico que liderou a pesquisa, a falha mais grave apontada pelo estudo é a falta de definição de qual é a personalidade do Caps. “Alguns Caps são ambulatórios, outros são Caps no stricto sensu, outros são hospitais dia, e assim por diante. O maior problema é a falta de identidade porque querendo ser tudo, ele tende a ter uma personalidade difusa e uma precária otimização de seus recursos próprios”.

Ele ressalta também que os centros precisam de uma atenção de cunho mais médico, e devem interagir com outros equipamentos da rede de assistência – como centros de convivência e de reintegração profissional.
Radicalismos

Aranha lembra que houve um tempo no país em que os hospitais que atendiam pessoas com transtornos mentais possuíam características asilares – com longos períodos de internação e sem um trabalho de reinserção e reabilitação psicossocial. Apesar de afirmar que a reforma promoveu significativas modificações nos tratamentos, o psiquiatra critica os radicalismos.

“Alguns radicais da reforma psiquiátrica acham que tudo deve ser resolvido no Caps. Isso, a meu ver, é um grande equívoco porque o Caps é um equipamento de saúde mental que tem uma identidade de reabilitação psicossocial e não foi criado para tratar todas as fases do transtorno mental” contesta.

Ele explica que a pesquisa foi realizada para justamente avaliar a capacidade dos centros. “Os radicais da reforma dizem que tudo tem que ser encampado pelo Caps. Então fomos ver se eles estão funcionando a contento para fazer isso, e eles não estão”.

O psiquiatra defende o atendimento multiprofissional, por exemplo, no caso de um surto psicótico em um dependente de álcool e drogas. “Nessa situação o paciente será melhor tratado na unidade psiquiátrica de um hospital geral, porque o Caps 2 (de álcool e drogas) não prevê internação e porque esse é um paciente que, frequentemente, tem problemas físicos de outras naturezas, como problemas hepáticos graves”.

“Esse é o equívoco. Eu claramente critico isso. Não queiram que os Caps resolvam tudo, assim como o hospital psiquiátrico no passado não conseguia resolver tudo”, completa o médico.