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"O kirchnerismo faz mesma política de Lula", diz pensador

De visita a Buenos Aires, o pensador argentino Ernesto Laclau, que vive há três décadas na Inglaterra, falou sobre o papel da imprensa, elogiou o rumo do governo de Cristina Kirchner e analisou o cenário das próximas eleições presidenciais. Em entrevista a Federico Poore, do Página/12, Laclau comparou o kirchnerismo ao PT de Lula e disse que o modelo argentino é superior às sociais-democracias do Uruguai e do Chile.

Página/12: O senhor argumenta que o modelo econômico argentino “rompeu com o neoliberalismo dos anos noventa”. Onde se observa essas rupturas?

Ernesto Laclau:
Em primeiro lugar, se não tivéssemos tido esse governo com sua capacidade de resistência aos ditames do FMI continuaríamos em pleno ajuste. Graças a esse rompimento, o país se recuperou rápidamente e a crise internacional não chegou a ser forte.

Na semana passada saiu um artigo no The Economist sobre a estratégia econômica de Cristina (Kirchner). Eles reconhecem que os índices econômicos estão indo muito bem, mas dizem que isso não é devido a política econômica do governo, mas sim que os Kirchners tiveram muita sorte.

Isto me fez lembrar uma história de Napoleão contra os generais austríacos. Os austríacos levavam a cabo uma guerra com exércitos aristocráticos, com todas as regras científicas na forma de combate do século XVIII, mas logo chegava Napoleão com os seus exércitos populares, destroçava as linhas austríacas e ganhava a batalha. E os generais austríacos diziam: “Ganharam, mas não é científico” (risos).

Página/12: Como descreveria o cenário político para as próximas eleições?

Ernesto Laclau: Faz um ano, dizia que se a oposição tivésse um minimo de senso comum, optaría por uma fórmula Alfonsín-Binner. Agora parece que estão avançando nessa direção. O problema da oposição é não poder se apresentar unificada no primeiro turno.

Os radicais irão continuar com sua aliança com o socialismo, mas o Peronismo Federal não irá ficar atrás. Vai ter que escolher um candidato e aí é um saco de gatos. Além disso, Pino Solanas irá se apresentar.

Então, com pelo menos três forças opositoras, a possibilidade de que Kirchner obtenha 40,1% dos votos no primeiro turno e que consiga uma distância de mais de dez pontos do candidato que venha em segundo são bastante grandes. Em resumo, tal como as coisas estão indo, acredito que as chances do kirchnerismo são consideravelmente melhores do que um ano atrás.

Página/12: Há quem diga que a postulação presidencial de Solanas poderia tirar votos de Néstor Kirchner.

Ernesto Laclau: Não, definitivamente não é o mesmo eleitorado. Além disso, a sua política é tão confusa e oportunista que as mesmas pessoas que votaram em Pino Solanas se encontram desencantadas.

Página/12: Há espaço para a esquerda do kirchnerismo?

Ernesto Laclau: Sim: Martín Sabbatella. Hoje, pode ser um pólo de construção para forças de centro-esquerda em uma aliança para a Presidência, e de uma transversalidade mais real do que a do passado.

Página/12: O que quer dizer quando afirma que o kirchnerismo é um significante aberto?

Ernesto Laclau: É um significante aberto no sentido de que tudo o que começou em 2003, começa agora a tomar conteúdo. Em 2003 era pouca coisa: Kirchner foi escolhido candidato por um desses movimentos internos quase incompreensíveis do peronismo e começou a fixar-se no imaginário coletivo com uma certa ideia de unidade ou de acordo, dado que tem que representar um arco bastante amplo de forças.

Afortunadamente, seu núcleo político é suficientemente esperto para não se lançar ingenuamente na condução de um partido ideológico. A incorporação das diferentes forças que se uniram sobre a denominação de “kirchnerismo” é a mesma política que fez Lula no Brasil.

O Partido dos Trabalhadores é ideologicamente muito limitado, mas quandou chegou ao governo teve que adotar uma política na transversalidade com grupos de centro-esquerda. As alianças são outras, e não necesariamente têm que competir entre elas. Além disso, tem uma excelente presidenta no Banco Central que espera-se possa continuar e jogar um papel político claro.

Página/12:
Por que você diz que a divisão entre o Estado e a sociedade civil está se apagando?

Ernesto Laclau: Porque houve uma politização de setores da sociedade civil. Faz quarenta anos, se alguém pensasse em que setor da sociedade estava politizado, dizia: os sindicatos. Mas hoje, além dos sindicatos, têm-se outras organizações.

Depois de 2001 começaram os movimentos de fábricas recuperadas, os piqueteiros, mobilizações na sociedade que conduzem na ampliação do espectro democrático. Estas organizações são quase estatais, participam ativamente da esfera política. O kirchnerismo foi favorecido por esse tipo de movimentos.

Página/12: Chantal Mouffe argumenta que todo governo constroi um “nós” e um “eles”. Você argumenta, que no começo, o kirchnerismo contruiu o “eles” no menemismo. Qual seria o atual?

Ernesto Laclau:
O poder financeiro das corporações, claramente.

Página/12: E o caso dos meios de comunicação?

Ernesto Laclau: Os meios estão organizados de forma monopolizada, pouco democrática. O caso da imprensa é claro nesse sentido, é um monópolio que a partir de agora deixará de existir. O Congresso poderá impor alguns obstáculos, mas o tema já está em debate.

É um momento de abertura. Parece-me que a batalha política tem que se dar em uma base diferente em relação aos meios, e caso prevaleçam situações de monopólios, a guerra está perdida. Precisamos que exista mais Canal 7 e mais Página/12.

Página/12: Faz pouco tempo se disse que kirchnerismo assumiu uma reforma do Estado, com a substituição da cúpula militar e a reforma da Corte Suprema. Quais seriam os próximos passos?

Ernesto Laclau: Os passos já estão dados. O governo assinou a lei dos meios de comunicação e tem avançado na reforma do sistema previdenciário, eliminando uma das piores formas que prevaleciam nos anos 90. Também tem implementado a proteção social por filho, que ainda é pouco, mas que se trata de um passo importante. O nível de pobreza do país está claramente baixando.

Fonte: Página/12