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Após guerra, poucos iraquianos enxergam um futuro melhor

A tentativa dos EUA de encerrar uma guerra impopular colidiu com uma desconexão que é familiar desde 2003: os mapas e gráficos das autoridades norte-americanas nunca parecem capturar o intangível que com frequência mudou os eixos da guerra no Iraque. Chame isso de humor. E o país, que parece infeliz e inquieto para sempre, tem tido inúmeros dias ruins.

Crianças iraquianas

“Nada mudou, nada!”, gritou Yusuf Sabah com a voz de alguém que raramente é ouvido, enquanto esperava pela gasolina numa fila de carros numa rua de terra que ia além de uma barricada de arame farpado, pedações de concreto e lixo de um marrom uniforme. “Desde a queda de Saddam até agora, nada mudou. Pelo contrário. Estamos voltando para trás.”

No final da rua esperava Haitham Ahmed, motorista de táxi.

“Frustrado, doente, cansado, pessimista e irritado”, disse ele, ao descrever a si mesmo.

“O que mais eu deveria acrescentar?”

O Iraque que as autoridades norte-americanas descrevem hoje – mais seguro, mais pacífico, com mais sinais de ser um Estado – enxerga 2006 como um marco, quando o país estava à beira de uma descida niilista à carnificina. Para muitos aqui, entretanto, o ponto de partida é o discurso que o presidente George W. Bush fez em 10 de março de 2003, dez dias antes da invasão, quando ele prometeu que “a vida do cidadão iraquiano iria melhorar dramaticamente.”

O Iraque gera mais eletricidade do que gerava na época, mas uma demanda bem maior deixou muitos sufocando de calor. A água costuma ser suja. As forças de segurança iraquianas são onipresentes, mas os motoristas costumam ridicularizá-las por sua má aparência e falta de profissionalismo. O fato de os bloqueios da polícia impedirem o tráfego não ajuda.

O que as autoridades norte americanas retratam como seu maior feito – uma democracia nascente, embora falha – costuma gerar uma resposta triste.

“As pessoas não podem viver só com o ar que respiram”, diz o artista Qassem Sebti.

Num conflito costumeiramente definido por consequências inesperadas, a eleição de março pode provar que é um ponto de virada de uma forma inesperada. A um grau sem precedentes, as pessoas fazem parte, independente de secto e etnia.

Mas quase seis meses depois, políticos ainda estão num impasse para formar um governo, e os olhares para os veículos esportivos que os transportam em suas comitivas armadas de escritórios com ar condicionado para casas com ar condicionado, depois de reuniões inevitavelmente descritas como “positivas”, se tornaram mais críticos.

O desencantamento é generalizado não com uma facção ou outra, mas com uma classe política inteira que os Estados Unidos ajudaram a colocar no poder com sua invasão.

“A pessoas de Kadhimiya choram pelo governo com a morte da água e eletricidade”, dizia um cartaz próximo a um templo xiita em Bagdá.

O ano de 2003, quando os norte-americanos invadiram, costuma ecoar em 2010, a medida que eles se preparam para deixar o país. Pouca coisa parece linear hoje em dia; a sensação de recorrência é mais familiar.
As filas nos postos de gasolina voltaram, testemunhas de uma das maiores ironias iraquianas: um país com a terceira maior reserva de petróleo do mundo e no qual as pessoas precisam esperar em longas filas por gasolina.

“Ghamidh” era uma palavra escutada com frequência naqueles primeiros dias. Ela significa obscuro e ambíguo, e na época, assim como agora, era a resposta típica a todas as perguntas.

“Depois de sete anos nosso destino ainda é desconhecido”, diz Sabah, que espera na fila da gasolina. “Quando você olha para o futuro, não tem ideia do que ele reserva.”

Reclamações contra os serviços precários parafraseiam as mesmas queixas daqueles meses anárquicos logo após a queda de Saddam Hussein. A sensação de incerteza persiste, a frustração cresce, os líderes iraquianos brigam e ninguém parece ter certeza sobre as intenções dos EUA, até o presidente Barack Obama observa o que o governo descreve como um ponto de virada no conflito.

“Desafio qualquer um a dizer o que aconteceu, o que está acontecendo agora e o que acontecerá no futuro”, disse Mohammed Hayawi, vendedor de livros cuja cintura era equivalente ao seu charme, enquanto o suor escorria de seu rosto anguloso num dia quente do verão de 2003.

Hayawi morreu em 2007, quando um carro bomba explodiu sua livraria cheia de tomos dos aiatolás, previsões de astrólogos e poemas de intelectuais comunistas. Esta semana, na mesma livraria, que ainda pertence à sua família, Najah Hayawi refletiu sobre as palavras, próximas a um cartaz que denunciava “o bombardeio infeliz e covarde” que matou seu irmão.

“Ninguém no Iraque tem nenhuma ideia – não só sobre o que aconteceu ou está acontecendo – mas sobre o que acontecerá no futuro”, disse ele. “Não só eu, não só Mohammed, Deus o tenha, mas qualquer um com quem você falar. Você não encontrará ninguém.”

Os iraquianos chamam a derrubada do governo de Saddam de “suqut”. Que significa queda. Há sete anos, ninguém sabia bem definir o que o havia substituído, um ínterim tão inconclusivo quanto a invasão foi determinante. “Teatro”, diz o irmão de Hayawi, e segundo ele a população ainda não pode escrever o roteiro que estava nas mãos dos outros.

“A melhor coisa é que eu não tenho filhos”, disse Shahla Atraqji, médica de 38 anos, em 2003, enquanto bebia café no Clube de Caça de Bagdá ao som do pop libanês. “Se não posso oferecer uma vida boa a meus filhos, nunca os colocaria nesse mundo.”

Esta semana, Thamer Aziz, um médico que ajuda a colocar próteses em amputados no Centro Médico de Reabilitação, olhou para Musafa Hashem, um menino de seis anos que perdeu a perna direita num carro-bomba em Kadhimiya em julho. Seu pai ficou paralisado.

“Eu acreditei nisso por muito tempo, e ainda acredito”, disse ele. “Não posso me casar e ter uma família porque posso perdê-la a qualquer minuto, por uma bomba ou uma bala.”

“Assim como ele”, disse ele, apontando para o menino.

Mesmo no final da experiência norte-americana aqui, é difícil acabar com velhos hábitos.

Na segunda-feira, quatro veículos norte-americanos entraram na contra-mão por uma rua, com suas cabines de tiro balançando conforme o tráfego. Os veículos viraram, subiram na calçada, abriram uma vala com suas rodas no canteiro da rua, e depois continuaram seu caminho.

“Viu? Você viu?”, perguntou o lojista Mustafa Munaf.

“É a mesma coisa”, disse ele, balançando a cabeça. “O que mudou?"

Fonte: The NEw York Times
Tradução: Eloise De Vylder/UOL