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Moçambique estuda importar Bolsa Família para reduzir pobreza

Encorajado pela comunidade internacional a investir em ações de proteção social para reduzir a pobreza, o país poderá adotar modelo do programa brasileiro.

Depois de tentar reajustar preços de tarifas públicas por duas vezes em dois anos e ter que voltar atrás após manifestações populares, o governo de Moçambique está sendo encorajado pela comunidade internacional a tentar um novo caminho: implementar as chamadas "medidas de proteção social" em grande escala.

Os doadores estrangeiros – que respondem por quase metade do orçamento do país – defendem que criar ou manter subsídios para não aumentar preços pode sair "caro demais no futuro".

Um dos projetos que já foi estudado é o Bolsa Família, do Brasil. "Vamos aproveitar as experiências que deram certo. Não é preciso inventar nada", disse o ministro moçambicano da Pesca, Victor Manuel Borges. "Já seguimos neste caminho como parte da nossa luta contra a pobreza, ao implementar o Papa [Plano de Ação para Produção de Alimentos]. Mas é preciso ir adiante", afirmou nesta quarta-feira (8), durante o coquetel em comemoração à independência do Brasil.

A ideia de implementar o Bolsa Família em Moçambique é recorrente. Nos últimos anos os diplomatas brasileiros vem sendo consultados sobre o projeto. As maiores dificuldades, apontam os especialistas, são a logística e a fiscalização, consideradas complexas e caras.

Instituições multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial são a favor do fortalecimento dos programas sociais em Moçambique. A primeira vez que o tema surgiu foi em um relatório do FMI de 2008, logo depois de o governo recuar no reajuste dos preços do transporte coletivo.

Há dois anos e meio, o anúncio do aumento da tarifa do transporte por vans, conhecidas como "chapa 100", provocou uma greve de motoristas e protestos nas ruas – nos mesmos moldes das manifestações da semana passada. Na época, a revolta conseguiu evitar que a tarifa pulasse de R$ 0,25 para R$ 0,37.

Para o FMI, manter tarifas públicas subsidiadas significa retirar dinheiro de outros setores prioritários em um país saído há apenas 16 anos de uma guerra civil, como obras públicas e educação.

Moçambique é muito dependente da ajuda externa. Cerca de 40% do orçamento vêm diretamente do apoio internacional. “A dependência dos doadores vai continuar durante vários anos, porque o governo basicamente não tem recursos ou especialidades necessárias para investir”, afirmou Edward George, economista chefe do departamento de África da Economist Intelligence Unit, em entrevista à Agência Lusa, de Portugal. As doações são empregadas nos mais variados setores, como educação, saúde e infraestrutura.

Moçambique, para conseguir auxílio externo, seguiu o caminho percorrido por outros países cujos trabalhadores haviam sido derrotados no período contra-revolucionário de 1990, privatizando parte dos bens do Estado e abrindo o mercado para investidores estrangeiros. Indústria, energia, hotelaria e turismo, agricultura e construção, setores que mais receberam recursos no ano passado, bem como a exploração de produtos naturais, como o carvão, setor no qual atua a empresa brasileira Vale.

Internamente, o governo intensificou o combate à pobreza extrema e iniciou o processo que chamou de “revolução verde”, para fortalecer a produção de alimentos. Desde que foi reeleito, no ano passado, o presidente Armando Guebuza reforça a luta contra a pobreza com fundos de iniciativas locais e com a convocação de jovens para auxiliar na tarefa, chamados de “geração da viragem”.

Nos últimos cinco anos, o aumento médio do Produto Interno Bruto (PIB) de Moçambique foi de 7,8%. Mesmo com o crescimento expressivo da economia e a queda do número de habitantes na pobreza absoluta (de 69% em 1997 para 54% em 2003), Moçambique segue entre os países mais pobres do mundo.

De um total de 133 nações, é o 129° no índice de competitividade do Fórum Econômico Mundial e o 172° lugar (entre 182) no Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas. O salário mínimo não passa de R$ 125. Mas grande parte dos trabalhadores da agricultura e mesmo dos centros urbanos não recebe sequer este valor.

O número de trabalhadores informais entre os 22 milhões de habitantes do país é enorme. Vendedores ambulantes lotam as calçadas de Maputo vendendo de cintos a roupas arrecadadas em campanhas internacionais de doação.

Sem petróleo ou grandes indústrias e com limitada capacidade de produção de alimentos, o país depende das importações. E fica exposto à variação dos preços internacionais. Mais de 70% das exportações moçambicanas são de alumínio, mas a Mozal, empresa nacional do setor, fica com apenas 5% da renda gerada pelo negócio anualmente. Por causa da crise mundial, as exportações moçambicanas caíram 10% em 2008.

Segundo o representante do FMI no país à época, Felix Fischer, “Moçambique está mais bem posicionado que muitos países africanos para suportar os efeitos da crise" graças às reservas internacionais equivalentes a oito meses de importações e à enxurrada de investimentos externos.

Mas, com a elevação dos preços dos combustíveis, a queda nas vendas externas de seus poucos recursos exportáveis e a diminuição da ajuda internacional, veio a pressão no câmbio, que levou a uma abrupta desvalorização do metical (moeda local) ante o dólar e ao rand sul-africano no primeiro semestre deste ano. Mas os ganhos da população não acompanharam o salto dos preços.

Em 1º de setembro, dia programado para entrar em vigor o aumento das tarifas de água (11%) e energia elétrica (13%), assim como do preço do pão (17%), manifestantes saíram às ruas para protestar, bloqueando vias e ateando fogo em pneus. Comércio, bancos e escolas fecharam.

O governo reagiu chamando os manifestantes de vândalos. Os bloqueios foram dispersados com bombas de gás e tiros. Segundo a polícia local, só foram usadas balas de borracha. Em três dias de conflitos, 13 pessoas morreram. Os aumentos foram congelados.

Com informações da Agência Brasil