Sem categoria

Junge Welt: A militarização da política alemã

A política exterior e a de segurança da República Federal da Alemanha sofreu uma mudança de paradigma a partir de 1990/1991. Após a derrota na Segunda Guerra Mundial, a classe dominante do lado ocidental da Alemanha sempre tentou ampliar o seu espaço de ação política para poder defender de forma mais efetiva os seus interesses.

Por Christine Buchholz

Nas condições do pós-guerra, isso significava sobretudo a integração com o Ocidente, o rearmamento e a entrada na OTAN. Todos os governos alemães empenharam-se para que o país tivesse um papel cada vez mais autônomo, fosse no apoio aos programas nucleares da África do Sul e Brasil, fosse em relação à política de exportação de armas, ou à política monetária.

Com o fim da confrontação entre os dois blocos, e a decorrente reunificação do país, modificaram-se as condições regionais e globais. A Guerra do Golfo de 1991 assinala uma cesura. Ela mostrou o quanto a influência do capital alemão era limitada internacionalmente. Desde então, os governos alemães esforçam-se para reverter a situação, visando impor o seu peso econômico na arena mundial também através do recurso da força militar. Hà pouco tempo, o anterior presidente alemão Horst Köhler afirmou que o exército deveria ser usado no asseguramento e na imposição dos interesses econômicos do país. Hoje o exército alemão já está presente em Kosovo, no Afeganistão, na Somália e no Sudão.

Tática do salame

Uma importante barreira para a militarização da política externa da Alemanha ocidental foi a recusa, profundamente enraizada na população, a qualquer tipo de ação militar, depois da destruição e das mortes causadas durante a Segunda Guerra Mundial. Para superá-la, o governo alemão empregou a "tática do salame" : reestruturação progressiva do exértico; e sucessivas "aproximações" da população com a idéias relacionadas à "guerra, [à] morte e [aos] ferimentos", como afirmou o inspetor geral do Exército em 1991.

As operações militares no exterior tiveram início de forma quase desapercebida: com unidades de ajuda sanitária no Camboja, e um pequeno contingente na Somália entre 1992 e 1993. Mas, aos poucos, as operações foram tornando-se cada vez maiores e mais violentas, chegando até ao envolvimento alemão no ataque contra a Iugoslávia em 1999.

Mesmo assim, ainda hoje procura-se sempre um pretexto para justificar o envio do exército alemão como uma crise humanitária, por exemplo – sob a bandeira do que foi classificado por alguns como o "imperialismo dos direitos humanos" . Ou então, a defesa da democracia frente a regimes considerados ditatoriais; ameaças a países vizinhos, etc etc

Mas as populações que supostamente seriam os maiores beneficiários de tais intervenções acabam sempre pagando um alto preço por elas. Kosovo hoje é um protetorado da União Européia. O Iraque continua sendo um país ocupado, assim como o Afeganistão, com seu governo corrupto e sem verdadeiro apoio interno.

Tampouco a população alemã é beneficiada por elas: a grande maioria é chamada apenas para pagar a conta destas operações. Enquanto o governo anuncia um pacote de medidas com fortes cortes na área social, no orçamento desse ano somente para o Afeganistão está prevista a quantia de 1 bilhão e 200 milhões de euros. E muitos especialistas garantem que o gasto será bem maior.

Militarização da sociedade

Hoje, a sociedade alemã assiste uma multiplicação de atividades públicas do Exército voltadas para influenciar a opinião da população: juramentos públicos à bandeira, comemorações oficiais abertas, visitas de soldados às escolas, aumento do número de postos de trabalho nas casernas, etc.

Por iniciativa do comando militar, cinco estados alemães firmaram contratos de cooperação na área educacional. O objetivo maior dessa ofensiva é aumentar o número de recrutas nas escolas. Além disso, os militares têm se esforçado em oferecer maior ajuda às diferentes atividades da população civil, desde festas comunitárias, feiras e todo tipo de atividade.

Em uma cidade no estado de Hessen, nas proximidades de uma guarnição militar, a Divisão de Operações Especiais do exército construiu uma quadra esportiva e uma piscina que podem ser usados pelos moradores do local em troca de um pagamento simbólico.

Com tudo isso, as operações militares alemãs no exterior não são bem vistas pela população. Segundo pesquisa do canal de televisão ARD, nos últimos três anos, o número de alemães que reprovam a participação do país no conflito afegão aumentou de 54% para 72%, com previsão de crescimento dessa tendência. No entanto, o exército é mais bem visto pelo população do que há vinte anos atrás. Segundo pesquisa de credibilidade feita pelo Instituto Allenbach em maio desse ano, 51% dos entrevistados responderam ter "muita" ou "bastante confiança" nas forças armadas; em seguida, vinha a Igreja com 39%, e o parlamento com 34%.

O exército, em um momento de crise econômica, tem sabido aproveitar-se da insegurança da juventude alemã com relação ao mercado de trabalho e, portanto, com o futuro. A promessa de um trabalho com perspectiva de carreira tem atraído muitos jovens para o exército, e o pagamento de ganhos maiores e rápidos acaba convencendo muitos deles a participarem de operações militares internacionais. Isso ocorre especialmente copm a juventude do leste alemão, onde o desemprego é maior que no lado ocidental. Por isso, a maior parte dos recrutas são de regiões menos favorecidas economicamente.

Mas, como mostra a hitória, as intervenções militares de potências imperialistas nunca resolveram os problemas dos povos. Ao contrário, dão origem a outros novos. Por isso, a esquerda alemã exige a retirada imediata das tropas do Afeganistão, e uma discussão mais ampla e pública sobre a indústria militar do país : com quem ela faz negócios ? a quem fornece armas ? E com o agravamento da crise econômica e da disputa por áreas de influências entre as grandes potências é de esperar-se um aumento dos conflitos militares na arena internacional, exigindo maior mobilização da população em defesa da paz.

Publicado no Junge Welt de 23 de agosto de 2010. Tradução do alemão por Luciano Martorano.