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Amy Goodman: O FBI e a criminalização da dissidência

Bem cedo na manhã de sexta-feira, dia 24 de setembro, em Chicago e nas Cidades Gêmeas de Minnesota [Minneapolis-St. Paul], agentes do FBI arrombaram as portas de ativistas anti-guerra, brandindo armas e passando horas a revistar as suas casas. O FBI levou computadores, fotografias, cadernos e outros artigos de propriedade pessoal. Os residentes foram intimados a comparecer perante um grande júri em Chicago.

Por Amy Goodman, no Informação Alternativa

Foi apenas o último episódio da repressão continuada da dissidência nos EUA, atacando organizadores da paz como apoiantes de "organizações terroristas estrangeiras."

Coleen Rowley conhece o FBI. Foi uma agente especial de carreira no FBI que revelou as falhas da instituição no período que precedeu os ataques do 11 de Setembro. A revista Time nomeou-a Pessoa do Ano em 2002. Alguns dias depois das buscas na sua cidade natal de Minneapolis, disse-me: "Esta não é a primeira vez que se vê este viés orwelliano da guerra contra o terrorismo sobre grupos pacifistas e grupos de justiça social […] isso começou logo a seguir ao 11 de Setembro, e havia opiniões do Gabinete de Aconselhamento Legal que diziam que a Primeira Emenda já não controlava a guerra contra o terrorismo [1].

A casa de Jess Sundon foi alvo de buscas. Ela foi a principal organizadora da marcha anti-guerra de St. Paul, Minnesota, no Dia do Trabalhador de 2008, a qual ocorreu enquanto a Convenção Nacional Republicana começava. Ela descreveu as buscas: "Passaram provavelmente cerca de 4 horas a revistar todos os nossos objetos pessoais, cada livro, papel, as nossas roupas, e encheram várias caixas e caixotes com os nossos computadores, os nossos telefones, o meu passaporte […] e foram-se embora da minha casa com eles".

Partiram o aquário do ativista Mick Kelly quando invadiram a sua casa. A rede lançada pelo FBI nessa manhã abrangia não só ativistas anti-guerra, como aqueles que apoiam ativamente uma mudança na política externa em relação a Israel-Palestina e à Colômbia. O mandato para Kelly dizia respeito a todos os registos das suas viagens, não apenas àqueles países, mas também todas as suas viagens domésticas desde 2000, e todos os seus contactos pessoais.

Ninguém foi preso. Ninguém foi acusado de crime. Dias depois, centenas de manifestantes protestaram junto aos escritórios do FBI por todo o país.

As buscas aconteceram apenas dias depois do inspetor geral [IG] do Departamento de Justiça dos EUA ter publicado um relatório, "A Review of the FBI's Investigations of Certain Domestic Advocacy Groups" ["Uma Resenha das Investigações do FBI de Certos Grupos de Apoio Domésticos". O IG examinou a vigilância e investigação do FBI de, entre outros, o grupo ambientalista Greenpeace, Pessoas pelo Tratamento Ético de Animais e o Centro Thomas Merton com sede em Pittsburgh.

Fundado em 1972 para apoiar a oposição à Guerra do Vietnã, o Centro Merton continua a ser um foco de ativismo anti-guerra em Pittsburgh. Em 2002, o FBI espiou um comício organizado pelo Centro Merton, alegando que "pessoas com ligações ao terrorismo internacional estariam presentes". Como relata o IG, esta alegação era uma falsificação, a qual foi então transmitida ao Director do FBI, Robert Mueller, que a repetiu, sob juramento, ao Comité Judicial do Senado.

A vigilância ilegal flui, através de "Comandos Conjuntos para o Terrorismo" que englobam autoridades judiciais locais, estaduais e federais, segurança nacional e agências militares, muitas vezes sob o tecto de um "centro de fusão", o nome dado aos obscuros centros de serviços de informações trans-jurisdicionais. Ali, ao que parece, colocar a etiqueta de "terrorismo doméstico" nos ativistas é comum.

Recentemente, o governador da Pensilvânia, Ed Rendell, pediu desculpa quando foi revelado que o seu director da segurança interna, James Powers, tinha contratado uma empresa privada para pesquisar e distribuir informação sobre grupos de cidadãos dedicados a atividades legais. Por exemplo, grupos que se opõem à extração de gás natural ambientalmente destrutiva conhecida como "fracking" [fraturação hidráulica], foram referidos como "extremistas ambientais".

O seu crime: apresentar a projeção do documentário que ganhou o Festival de Sundance, Gasland.

Voltando às Cidades Gêmeas, o Estado foi forçado a deixar em paz outros oito ativistas, conhecidos como os "8 da CNR", que fizeram parte da organização dos protestos na Convenção Nacional Republicana. Foram todos preventivamente presos antes da convenção começar, e acusados, sob a lei do estado do Minnesota, de terrorismo. A acusação retirou desde então todas as acusações de terrorismo (quatro deles irão a julgamento devido a outras acusações).

Tudo isto acontece enquanto a Administração Obama usa o medo do terrorismo para conseguir uma autoridade alargada para vigiar os usuários da Internet, e enquanto fermenta outro escândalo: o Departamento de Justiça também revelou esta semana que agentes do FBI trapacearam regularmente num exame que testa conhecimentos sobre regras adequadas e procedimentos relativos à vigilância doméstica. Isto é mais do que um mero escândalo de trapaças. É sobre as liberdades básicas no cerne da nossa democracia, abuso de poder e erosão das liberdades civis.

[1] A Constituição dos EUA está dividida em emendas. A primeira refere-se à proibição de se fazerem leis que limitem as liberdades pessoais, designadamente, a liberdade de expressão (Nota da tradutora). Traduzido por Sofia Gomes.