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Liomán Lima: A paz está em perigo na América Latina?

O deslanche militar dos Estados Unidos na América Latina através do aumento de suas bases militares e a ação coordenada entre estas e a 4ª Frota, poderiam pôr em perigo a estabilidade da região.

Por Liomán Lima*

Segundo um informe do Escritório em Washington para a América Latina (WOLA, na sigla em inglês), esta expansão estratégica poderia provocar como resposta uma corrida armamentista na região, semelhante à da Guerra Fria.

O reposicionamento dos Estados Unidos na zona evidencia que a diplomacia novamente está sendo substituída por uma fórmula agressiva, assegura a WOLA.

Em contrapartida, governos latino-americanos reforçam suas relações com potências militares como a Rússia, a China ou a França e realizam grandes investimentos na compra ou em tecnologia de armamentos de ponta.

Nos últimos cinco anos, os gastos na aquisição de armas na América Latina cresceram cerca de 150 por cento, revela uma pesquisa do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos do Reino Unido. Não obstante, o general Douglas Fraser, chefe do Comando Sul dos Estados Unidos, declarou ao Diário das Américas que no via uma ameaça militar convencional ao seu país.

Ele assinalou que a presença estadunidense na América Latina respondia a "um desafortunado conjunto de circunstâncias".

Entre elas citou o tráfico de drogas e de pessoas, assim como os desastres naturais, que também – a seu juízo – poderiam provocar êxodos maciços para os Estados Unidos, ainda que tenha indicado também a atitude de alguns governos como o da Venezuela.

De acordo com o Observatório Latino-americano de Geopolítica, o deslanche militar dos Estados Unidos não se concentra ultimamente no controle dos territórios onde tem multiplicado suas bases militares, como sucedeu anos atrás.

Ao que parece, a existência destes enclaves, unida à implementação de novas estratégias, poderia garantir agora um controle quase absoluto de toda a região, assegura o Observatório.

As bases da estratégia

O Pentágono tem atualmente em sua propriedade ou aluguel mais de 700 bases em cerca de 130 países, revela o anuário Base Structure Report, do Departamento de Defesa dos Estados Unidos.

Isto significa que essas tropas se encontram em cerca de 70 por cento das nações de todo o mundo.

Na América Latina, contavam até há pouco com 28 enclaves militares, número que ascendeu a até 39 quando o governo panamenho cedeu outros 11 de seu território.

Este é o número reconhecido oficialmente, pois especialistas asseguram que operam também em um amplo número de bases secretas da rede de espionagem Echelon.

Washington tem manifestado seu interesse em estabelecer novas instalações no Paraguai, El Salvador e Argentina, assim como no controle da base aérea de Alcântara no Brasil.

Durante o ano de 2009, o então governo de Álvaro Uribe firmou um controvertido acordo militar que permitirá aos Estados Unidos o uso de sete bases no território colombiano.

Embora o Congresso desse país andino tenha declarado inconstitucional o tratado, o novo presidente colombiano, Juan Manuel Santos, assegura que buscará outros métodos para torná-lo viável.

Em todo este tempo, os militares estadunidenses que chegaram a essa nação sul-americana depois acordo com Uribe permanece em solo colombiano.

Em julho último a Costa Rica autorizou a chegada a seu território de tropas estadunidenses, com o objetivo de realizar operações militares, antinarcóticos e ações humanitárias, segundo os termos utilizados pela imprensa local.

Segundo se informou então, entre julho e dezembro de 2010 realizarão operações nas águas da Costa Rica 46 navios, 200 helicópteros, 10 aviões, dois submarinos e mais de sete mil soldados estadunidenses.

Isto sucede quando a constituição deste país proíbe a existência de forças armadas, ao ponto de não contar com exército nacional desde os anos1940, nem com equipamentos de defesa próprios.

Em janeiro, depois do terremoto no Haiti, os Estados Unidos enviaram mais de 20 mil soldados e equipamentos militares ao Caribe.

Declarações da Casa Branca indicaram que a mobilização das tropas buscava ajudar os haitianos diante da catástrofe e brindar assistência humanitária.

Diante deste fato, governos da zona manifestaram seu mal-estar pela desproporção no número de soldados e de equipamentos de guerra, que incluíam vários navios, um deles de assalto anfíbio.

Recentemente, o governo de Alan Garcia no Peru, apesar dos protestos populares, manifestou sua disposição a acolher mais forças militares no país, onde já existem três bases.

Analistas explicam que esta forma de intervenção militar se faz peculiar ao não realizar-se pela força, a ameaça ou a pressão, mas que contam com o apoio e o acordo dos governos.

Para isto, o exército estadunidense justifica sua presença como uma causa comum para o beneficio e a estabilidade da América Latina.

Documentos do Pentágono alegam que nos países onde existem acordos com suas tropas garante-se a cooperação militar, a assistência humanitária, a atenção a desastres, segurança marítima e luta contra as drogas.

Isto mostra uma nova variante nas relações dos Estados Unidos com a América Latina, baseada em converter em "aliados" governos da região, assegura o Observatório Latino-americano de Geopolítica.

As novas fronteiras

O controle estratégico dos Estados Unidos não parece limitar-se à posse de bases, mas que a isto se une a vigilância dos mares pela Quarta Frota estadunidense.

Esta esquadra, um dos 13 destacamentos das forças navais estadunidenses que patrulham os oceanos do mundo, tinha deixado de operar desde finais da Segunda Guerra Mundial.

Mas desde 2008, navega no teatro de operações militares responsabilidade do Comando Sul (USSOUTHCOM), encarregado do controle das forças dos Estados Unidos na América Latina.

A área de controle deste comando, um dos 10 do Departamento de Defesa, abarca 19 países da América Central, e América do Sul e 12 países do Caribe, o que representa cerca de 16 milhões de milhas quadradas de envergadura.

O documento guia da Força Aérea estadunidense (o “White Paper”: Air mobility command global en route strategy) estabelece que o percurso da Frota pelas costas da América deve estar conectado diretamente com o dos enclaves.

A frota se transforma assim em outra base móvel, que pode servir como um ponto de apoio estratégico e garantir uma resposta militar imediata o de "ação rápida".

Disto se deduz que a estratégia de controle está desenhada de forma tal que o importante já não é unicamente estar no lugar, mas poder chegar a ele com rapidez.

A isto se une a viagem que faz desde maio por vários países da América Latina o HSV 2 Swift, um navio de grandes dimensões e velocidade, "como parte de um programa de intercâmbio" na região.

Este navio, por seu desenho, permite apresentar-se rapidamente diante de qualquer missão, sem necessidade de permanecer muito tempo em porto, segundo o USSOUTHCOM.

Da ação conjunta destas forças poderia surgir o chamado "escudo protetor", uma estratégia para alcançar qualquer lugar em curto tempo e garantir a supervisão quase total por forças de terra, mar e ar.

As causas das coisas

No tipo de operações participam também outras agências estadunidenses, tanto do Exército e da Marinha, a Força Aérea e a guarda costeira, como grandes empresas privadas, informa a página oficial do USSOUTHCOM.

Este fato levantou mais de uma vez a oposição de grupos progressistas da América Latina, como evidência de que a militarização serve também para garantir o lucro das transnacionais.

Documentos da Campanha pela Desmilitarização das Américas (Cada) informam que estes projetos militares movem cerca de 100 bilhões de dólares por ano para os cofres das grandes empresas.

Para o sociólogo James Petras, os arquitetos da estratégia militar dos Estados Unidos na América Latina tem em conta principalmente os interesses econômicos na hora de formular suas políticas.

Então, lucros, mercados e acesso a matérias primas, em particular a fontes de energia, constituem as bases desta política dos Estados Unidos na região, assegura Petras.

Entretanto, especialistas afirmam que este não é o único eixo sobre o qual se deve pensar o atual deslanche militar de Washington na região.

Embora os Estados Unidos descrevam os acordos como um prolongamento da cooperação militar com a América Latina, outros veem nisso uma resposta às políticas de governos de esquerda como os da Venezuela e Bolívia.

O mesmo “White Paper” estabelece que os movimentos da frota estarão também orientados a combater, por razões de segurança nacional, o que denomina de "ideologias em competição".

Estas são, segundo o documento, aquelas que o governo dos Estados Unidos considere como uma ameaça para a estabilidade e a democracia na região.

Um estudo do Centro de Política Hemisférica da Universidade de Miami considerou recentemente o presidente venezuelano Hugo Chávez como una ameaça à segurança dos Estados Unidos.

O governante latino-americano, por sua parte, denunciou na última reunião de cúpula da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba, integrada por Antígua e Barbuda, Bolívia, Cuba, Dominica, Equador, Nicarágua, São Vicente e Granadinas e a Venezuela) o que considerou como uma militarização da América Latina pelos Estados Unidos para intimidar os governos progressistas.

Como outras causas desta crescente presença militar, os estudiosos assinalam a possibilidade de confrontar no futuro o atual modelo de segurança brasileiro (voltado para a defesa da Amazônia e grandes reservas petrolíferas submarinas) e de fazer um círculo ao redor do conflito colombiano.

Igualmente, afirmam que se busca dar sinais à Rússia e à China, duas potências com papel crescente em assuntos de cooperação internacional, militar e energética na América Latina e ao Irã, com investimentos em diversas áreas.

As consequências colaterais destas políticas são várias e se apontam entre elas a destruição ambiental e a perda da soberania e a autodeterminação dos povos.

Na recente reunião da Cúpula das Américas, de Porto Espanha, o presidente estadunidense Barack Obama assegurou que seu país vive uma nova etapa nas relações com a América Latina, baseadas em um diálogo amistoso e na busca da estabilidade.

A rede de bases e frotas dos Estados Unidos na região talvez seja o melhor slogan para seu discurso.

Fonte: Prensa Latina

(*) Jornalista da Editoria Sul da Prensa Latina.