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Frederico Carvalho: A ciência a serviço do militarismo

Em meu entender, o investigador científico, o cientista ou o trabalhador científico, conceito este mais lato pois abrange todos aqueles e aquelas que contribuem profissionalmente para o progresso do conhecimento científico e a sua aplicação prática (scientific worker, em inglês; travailleur scientifique, em francês); em meu entender dizia, têm uma responsabilidade particular para com os seus concidadãos e para com a sociedade em geral.

Por Frederico Carvalho

Trata-se da responsabilidade que decorre da posse do conhecimento especializado que possuem e que de uma ou outra forma, numa ou noutra área da vida coletiva, inevitavelmente condiciona os caminhos do futuro, o dia-a-dia de cada um de nós e o destino do planeta, nossa casa comum. Isto não é uma novidade de hoje, sempre foi assim, no passado, com a descoberta do fogo ou a invenção da roda. Mas a ciência institucionalizada dos nossos dias ― não estou a pensar particularmente em Portugal, mas no mundo em geral ― desenvolveu e continua a desenvolver instrumentos com um potencial de intervenção nas nossas vidas pessoais e na nossa vida social, incomparavelmente superior ao que se conhecia em outras épocas. Ao mesmo tempo, o ritmo a que estes fenômenos hoje se processam dificulta a tomada de consciência das suas implicações, positivas ou negativas.

A cada momento vemo-nos confrontados com a realidade objetiva de que a materialização do conhecimento científico em métodos e dispositivos práticos que alargam e aprofundam a capacidade de interação do homem com o mundo natural, tanto pode ser portadora de desgraça como pode ser fonte de bem-estar. Vem-me ao espírito a alegoria representada por Gaugin, que sentou a sua Eva junto à “árvore da Ciência do bem e do mal”, tapando os ouvidos para ignorar o sussurrar encantatório da serpente.

As serpentes vivem entre nós e nem sempre nos apercebemos do sentido do seu sussurrar. O homem de ciência, nessa qualidade e no seu domínio de especialização, carrega a responsabilidade de contribuir para abrir o espírito dos seus concidadãos àquela realidade objetiva, ajudá-los a decifrar os caminhos da ciência prática e as consequências da sua aplicação. É preciso que os cidadãos estejam habilitados a exercer o controlo social que só a eles compete e é no ajudar a criar as condições que o permitam que se manifestará o sentido da responsabilidade social dos cientistas, como cidadãos que são também. Importa ter presente uma realidade que a história confirma que é a de que não há obstáculos que possam levantar-se com sucesso para coarctar e muito menos impedir, o desenvolvimento do conhecimento científico em qualquer domínio que seja. Não é possível impedir o ser social de interrogar a natureza e de nisso aplicar todo o seu engenho e arte.

O homem encontra-se então aqui perante um verdadeiro “campo minado” que põe à prova o sentido de responsabilidade do investigador.

Olhando para trás, para um tempo histórico recente, creio que o despertar de uma consciência coletiva da responsabilidade social associada ao conhecimento científico se desenvolve em larga medida com a perspectiva da utilização militar do “fogo atômico” ― chamemos-lhe assim ― que se tornou efetivamente realidade num breve espaço de tempo, com o homicídio em massa da população civil de Hiroshima e Nagasaki, dificilmente justificável no plano militar, mas de grande utilidade como ensaio real, “no terreno”, da operacionalidade, capacidade destrutiva e efeitos colaterais dos explosivos nucleares, de que foram utilizados dois tipos distintos: a bomba de urânio e a bomba de plutônio.

Foi no decurso desse processo histórico de domínio do referido “fogo atômico” pelo homem, que se levantaram as vozes de alguns dos mais eminentes homens de ciência de então alertando para os riscos para a própria sobrevivência da espécie que a utilização da energia nuclear para fins militares trazia consigo. Um desses homens foi Frédéric Joliot-Curie, herói da resistência francesa ao invasor nazi e pacifista convicto, primeiro presidente do Conselho Mundial da Paz co-fundador em 1946 da Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos, a cuja direção tenho a honra de pertencer desde 2004. Foi Einstein que exprimiu o sentimento de que, e cito: “A libertação da energia do átomo tudo mudou exceto a nossa forma de pensar (…)”. Em 1955, em plena “guerra fria”, poucos meses antes de morrer afirmou (volto a citar): “Cometi na minha vida um grande erro…quando assinei a carta para o Presidente Roosevelt recomendando que se fizesse a bomba atômica (…)”.

Einstein, como, antes dele tinham feito, Joliot-Curie e tantos outros eminentes cientistas, apelava à completa abolição de todas as armas nucleares.

Armas de destruição maciça

Entretanto, nos dias que vivemos, longe dos olhares do homem da rua, continua a trabalhar-se no desenvolvimento de armamentos nucleares novos e aperfeiçoados.

Importa sublinhar, neste contexto, o fato de que, pelo menos desde meados dos anos 60, as principais potências nucleares se têm envolvido, bem ou mal, em processos negociais visando, em princípio, a limitação dos arsenais nucleares convencionais. Em última análise, terá contribuído para tal o reconhecimento implícito de que no quadro político-militar do pós-guerra, a decisão de recorrer à utilização de armas nucleares convencionais num teatro de guerra, encontrava constrangimentos dificilmente ultrapassáveis, hoje mais presentes do que então, pelo conhecimento mais aprofundado da amplitude de consequências que não conhecem fronteiras, sobre a biosfera, considerada no seu todo, para lá da destruição de vidas e bens mais localizada.

Nesta perspectiva, dir-se-á que a posse de armas ou arsenais nucleares convencionais, constituía sobretudo uma afirmação de supremacia política.

O desenvolvimento das armas nucleares convencionais levou à necessidade de proceder a um grande número de rebentamentos experimentais, sobretudo na atmosfera e no subsolo, mas também submarinos e no espaço exterior.

Entre 1945 e 2009 foram efetuados cerca de 2 mil rebentamentos experimentais estimando-se em cerca de 11 mil o número de mortes adicionais por cancro da tiróide entre as populações sujeitas à contaminação radioativa por iodo-131 gerado nos rebentamentos.

O Tratado sobre a proibição total dos ensaios nucleares, conhecido pela sigla CTBT (Comprehensive Nuclear Test Ban Treaty), é um marco fundamental no caminho para a abolição dos armamentos nucleares. Aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1996, catorze anos depois ainda não entrou em vigor devido às reticências de um pequeno número de estados que possuem ou pretendem vir a possuir armas nucleares. A principal potência nuclear, os Estados Unidos da América, é um dos signatários do Tratado que até hoje não procedeu à necessária ratificação. É um comportamento que tem motivações concretas conhecidas que não é possível expor aqui, no tempo de que dispomos.

Um outro tratado de maior alcance ― o Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares (TNP) ― cuja designação deixa entender o objetivo que se pretende atingir, entrou em vigor em 1970, e foi subscrito por 189 estados incluindo os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, ou seja pela quase totalidade dos membros da ONU. Todavia, Israel, Índia e Paquistão mantiveram-se à margem do tratado e a Coreia do Norte que inicialmente aderira ao Tratado, retirou-se em 2003.

O Tratado é considerado discriminatório na medida em que impede toda a transferência de tecnologia nuclear susceptível de levar à fabricação de armas nucleares para os países signatários que não possuem tais armas mas ao mesmo tempo não contém qualquer disposição que efetivamente comprometa os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança no sentido do seu próprio desarmamento nuclear nem os impede de prosseguir o desenvolvimento de novas armas.

A miniaturização de cabeças nucleares e o desenvolvimento de vetores com grande poder de penetração para atacar instalações enterradas no solo são objetivos prováveis dos trabalhos que prosseguem nos laboratórios americanos especializados no desenvolvimento de explosivos nucleares (os designados “Nuclear Weapons Laboratories”).

Uma breve palavra a respeito das armas ditas químicas, biológicas e de toxinas e radiológicas, apenas para recordar que nos dois primeiros casos foi possível concluir acordos internacionais, ou Convenções que proíbem a produção, armazenamento e utilização militar das armas químicas (entrada em vigor em 1997) e das armas biológicas (entrada em vigor em 1975) e determinam a destruição progressiva dos enormes stocks acumulados, principalmente na ex-URSS e nos EUA. Relativamente às armas ditas radiológicas ou radioativas, não existe ainda qualquer acordo internacional do mesmo tipo. Tem interesse notar que o estado de Israel não assinou ou ratificou nenhuma das convenções acima referidas.

Minas anti-pessoal e bombas de fragmentação

Falamos de armas nucleares, químicas e biológicas, normalmente englobadas na designação de armas de destruição maciça, e também de armas radiológicas ou radioativas (as “bombas sujas”). Entretanto, outros tipos de armas de explosão existem que, ao contrário daquelas, têm sido e continuam a ser largamente utilizados com terríveis consequências para as populações civis. Referimo-nos às minas anti-pessoal (“landmines” em inglês) e às bombas de fragmentação. Não queremos deixar de referir as munições de urânio empobrecido, muito utilizadas nas várias aventuras guerreiras em que os EUA se têm envolvido, tema que terá de ficar apara outra ocasião.

A mina anti-pessoal atinge indiscriminadamente militares e civis. Estes quando têm a infelicidade de provocar a sua deflagração através de uma pressão exercida sobre o detonador, por exemplo e normalmente, pisando-o. Podem morrer ou ficar inválidos para toda a vida. Os terrenos minados deixam de poder ser trabalhados ou utilizados para a lavoura ou outros fins, até ser possível remover sem perigo as minas neles colocadas o que é frequentemente uma tarefa quase impossível pelos custos que acarreta e pela inexistência de pessoal habilitado a fazê-lo em especial nos países mais desprovidos de recursos, nomeadamente na América Central, em África ou na Ásia, eufemísticamente designados por “países em vias de desenvolvimento”. A crueldade deste tipo de armas levou a que se pusesse em marcha uma campanha internacional para a sua proibição que culminou na assinatura de um tratado internacional, em 1997 a chamada Convenção para a Proibição da Utilização, Armazenamento, Produção e Cedência de Minas Anti-pessoal e a sua Destruição. Esta convenção é conhecida como o Tratado de Otawa.

O Tratado de Otawa foi assinado por 155 países e está em vigor. Um dos maiores stocks destas armas encontra-se nos EUA que, talvez por isso mesmo, anunciaram ter deixado de as fabricar. No entanto, até hoje, a Rússia, a China, a Índia, Israel e as duas Coreias, entre outros países, não assinaram o Tratado.

As bombas conhecidas como bombas de fragmentação (”cluster bombs”, em inglês) foram concebidas para se fragmentarem, ao explodir, projetando um grande número de pequenas bombas que se vão dispersar numa ampla zona. Normalmente essas pequenas bombas explodem ao contacto com qualquer obstáculo, em particular, ao tocar o solo. No entanto isso nem sempre acontece. Quando assim é permanecem ativadas de forma permanente e, tal como as minas anti-pessoal, irão explodir quando pisadas, por uma pessoa ou animal. Assim constituem um perigo para a população civil, podendo causar a morte ou ferimentos graves, mesmo muito tempo mais tarde. As forças armadas dos EU têm utilizado este tipo de bombas em grande quantidade, no Iraque e no Afeganistão e usaram-nas também durante a intervenção militar na Sérvia, em 1999. Neste caso as bombas de fragmentação de fabrico americano que foram usadas, são do tipo CBU que contêm cerca de 200 bombas independentes, alojadas em cilindros metálicos do tamanho de uma garrafa de cerveja. Segundo a Human Rights Watch no teatro de guerra do Afeganistão encontram-se cerca de 250 mil mini-bombas deste tipo por explodir.

A Convenção sobre as bombas de fragmentação, entrou em vigor em 1 de agosto do corrente ano. Por essa altura 108 países tinham assinado a Convenção e 39 tinham-na ratificado Entretanto, a maioria dos principais fabricantes de bombas de fragmentação não assinou o tratado, entre os quais, os EUA, a Rússia e a China, a Índia e o Paquistão, Israel, a Polônia e o Brasil.

Terminada esta breve viagem à volta de armas geralmente bem conhecidas, trataremos agora de novas armas e meios de combate que o incessante avanço das tecnologias vem colocando no nosso caminho.

Despesas militares e sua justificação

No mundo em que vivemos o comércio das armas é um negócio de dimensão gigantesca só comparável aos valores envolvidos no negócio ilícito da droga.ii O primeiro diz respeito aos armamentos convencionais do qual os principais compradores são os países em desenvolvimento e os principais fornecedores fornecedores os países industrializados. Por outro lado, terminada a “guerra fria” e substituída esta por uma “paz quente”, verifica-se que a despesa militar global é hoje superior à do final da década de 80 Assim em 2009, essa despesa elevou-se a cerca de mil e seiscentos milhares de milhões de dólares de 2008iii. Os principais responsáveis desta despesa, não são os países em desenvolvimento, mas sim os países industrializados mais ricos, com os EUA à cabeça com quase 50% do total, seguindo-se a República Popular da China com uns “modestos” 7%.

Na presente situação a que chamei de “paz quente” as despesas armamentistas, designadamente dos EU, têm muito a ver com a necessidade que sentem de procurar assegurar não apenas o acesso mas também o controlo de um conjunto de recursos naturais que não encontram no seu próprio território ou de que não dispõem de reservas suficientes, num contexto em que se tornou já claro que a manterem-se os padrões de consumo a que os países ricos estão habituados se irão sucedendo no médio prazo as situações de escassez de matérias-primas, e outros bens, como a água e os solos com aptidão agrícola. No caso dos EUA a situação é complicada pela erosão da supremacia político-militar associada a um mundo monopolar surgido após a desagregação da URSS. A política nos Estados Unidos, e não só aí, é controlada pelo poder financeiro e pelos grandes interesses econômicos, em que se inclui o chamado complexo militar – industrial Os homens e mulheres que têm assento no Congresso são em regra representantes desses interesses e dependem deles para a sua eleição, tal como os governadores dos Estados e o próprio presidente.

Pode dizer-se que é o grande capital que escolhe quem vai ocupar os lugares de decisão política. Os meios de comunicação social mais influentes, igualmente controlados pelo grande capital, procedem quotidianamente à formatação dos espíritos da população. Tanto lá como cá, o nível de educação e a capacidade de análise crítica da informação veiculada pela comunicação social, não permitem senão a uma minoria formar uma opinião própria, fundamentada, sobre a realidade complexa do mundo atual e as perspectivas da sua evolução futura. Entretanto, os detentores do poder sabem que a sustentação do sistema em que prosperaram está ameaçada pela já referida escassez de recursos naturais que se verifica num quadro de profunda desigualdade na distribuição da riqueza com tendência a agravar-se e que é um caldo de cultura de futuras explosões sociais, na sua própria casa e fora dela.

Está explicada a necessidade de reforçar os meios de defesa que contrariem uma tal evolução.
A ciência, da mais básica à mais aplicada, e o desenvolvimento tecnológico, surgem então como um recurso de primeira importância para a prossecução dessa estratégia e uma fração significativa da força de trabalho científica existente no mundo e em larga medida a própria Ciência estão ao serviço e são de algum modo refém das grandes corporações envolvidas no complexo militar-industrial e das multinacionais em geral. Dar-vos-ei alguns exemplos que são achegas a esta visão das coisas, por palavras simples, acessíveis a não técnicos mas com o cuidado de não trair o sentido da realidade.

A guerra dos robots

Num número recente da revista “Scientific American” vem um artigo com o título: “A Guerra das Máquinas”. A “Guerra das Máquinas” de que fala o autor é uma guerra de robots ou autômatos. São em muitos casos autômatos destinados a matar à distância sem ver os rostos das vítimas. No artigo que cito há uma passagem que merece ser citada aqui:

“O nosso conceito de guerra e suas regras, como é travada e mesmo quem deve combater, estão a tornar-se muito fluidos, por força de surpreendentes evoluções tecnológicas que abrem a porta a um vasto leque de novas capacidades de ação. A espécie humana já encontrou situações semelhantes no passado. Frequentemente vimo-nos na necessidade de integrar e compreender novas tecnologias e então olhar para o que fora considerado estranho e mesmo inaceitável como algo completamente normal. O melhor exemplo que talvez possamos invocar a este respeito, vem do século XV, quando um nobre francês afirmou que as armas de fogo eram instrumento de assassinos que um verdadeiro soldado consideraria indigno utilizar.
“Só cobardes ― afirmou ― não se atreveriam a olhar de frente o rosto dos homens, que matariam de longe com uma bala traiçoeira””. “Matar de longe” pode significar nos nossos dias, premir um botão num painel de instrumentos a 10 mil km de distância do alvo. Este pode eventualmente ser um pacífico caçado que acabou de matar um coelho com a sua caçadeira. A temperatura do cano mais elevada do que a das restantes componentes da arma, é só por si suficiente para permitir a detecção por sensores infra-vermelhos montados num pequeno aparelho não pilotado que sobrevoa as redondezas. A informação correspondente é enviada e recebida pelo operador do tal painel a 10000 km de distância e poderá determinar o disparo de um pequeno míssil transportado no avião.

No entender do autor do artigo citado, a utilização de robots no campo de batalha, ao nível do chão ou no ar, sobrevoando-o, traz consigo a mais profunda transformação da arte da guerra desde o aparecimento da arma nuclear. Importa chamar a atenção para o seguinte: os veículos e aeronaves não tripulados empenhados num teatro de guerra, têm a extraordinária vantagem de reduzir o número de soldados, homens ou mulheres, e com isso o de reduzir o número de baixas que sofrem as forças que dispõem desses meios. Este aspecto confere à utilização em larga escala da robótica para além do óbvio interesse militar, uma importância política de enorme peso, já que a experiência mostra que a oposição popular ao envio de jovens para os teatros de guerra cresce ao contarem-se os mortos e estropiados no regresso a casa.

Como Singer nos faz notar aumenta o número de pessoas ― “soldados”, serão? ― que se levantam de manhã, vão para o trabalho no seu carro e se sentam em frente de um computador para “combater” utilizando meios da robótica, e aniquilar, revoltosos (alguns dirão: “terroristas”) a mais de 11 mil quilômetros de distância. Terminado o seu dia de “guerra”, voltam a sentar-se no carro, e vão para casa jantar com a família. A parte mais perigosa do dia, terá sido, como escreve o autor, não enfrentar o perigo no campo de batalha, mas um possível acidente de trânsito.

Os robots já utilizados ou que se encontram em fase de protótipo, têm as mais variadas formas e dimensões e finalidades múltiplas. Tipicamente desempenham funções de espionagem, vigilância, identificação de alvos e reconhecimento. Os sensores utilizados vão desde a recolha de imagens ópticas, que chegam a cobrir um ângulo de 360º, radar, sensores de infra-vermelhos, micro-ondas e radiação ultravioleta, até sensores químicos e biológicos.vi
Diversas fontes referem os trabalhos de desenvolvimento tecnológico de robots-espiões de pequenas dimensões com formas semelhantes às de um inseto, capazes de voar como insetos e passar despercebidos. Entretanto decorrem também trabalho que visam a utilização de insetos reais em que são implantados cirurgicamente dispositivos (“chips”) eletrônicos que permitem comandar à distância o seu voo e comportamento. Esses dispositivos enviam também sinais que contêm diversas informações que interessam aos operadores. Os “chips” são implantados nos insetos de preferência durante a fase de desenvolvimento da crisálida antes da metamorfose final do inseto. Trabalhos deste tipo estão em desenvolvimento no departamento das Forças Armadas dos EUA designado por DARPA (Defense Advanced Research Project Agency). Estes insectos modificados são usualmente chamados “Cyborgs” ou “Cybugs”.

Um dos drones mais utilizados em teatros de guerra é o MQ-1 Predator, fabricado pela General Atomics. Trata-se de um aparelho voador não tripulado (UAV) usado principalmente pela Força Aérea dos EUA e pela CIA. Foi inicialmente concebido, no início da década de 90, para fins de reconhecimento e de observação avançada. O Predator possui câmaras de vídeo e outros sensores mas foi modificado e melhorado para transportar e disparar dois mísseis AGM-114 Hellfire ou outras munições. O Predator é usado desde 1995 e serviu ou serve em combate no Afeganistão, Paquistão, Bósnia, Sérvia, Iraque e Iémen.

A utilização de robots militares cresce a passos de gigante. Assim, as forças terrestres americanas que entraram no Iraque em 2003, não dispunham de qualquer dispositivo robótico; em finais de 2004, estavam em ação cerca de 150 desses dispositivos. Um ano depois eram já 2400. Hoje o inventário global do equipamento das forças armadas dos EUA inclui 12 000 unidades robóticas. No que respeita a robots voadores (Unmanned Aerial Vehicules-UAV) o número atual é superior a 7000.x Os UAVs têm sido largamente usados no Afeganistão e igualmente no Paquistão onde têm, como tem sido noticiado, gerado, pelo menos na aparência, alguma incomodidade no seio das autoridades paquistanesas, provocada sobretudo pelo elevado número de vítimas entre a população civil nas zonas atacadas pelos autômatos voadores que normalmente são designados por “drones”. No Paquistão é a CIA e não os militares quem gere e comanda os ataques levados a cabo pelos drones. Os UAVs têm sido usados no Médio Oriente em diversas circunstâncias, nomeadamente pelas forças armadas de Israel. Em fins de 2009, Barak Obama de luz verde à intensificação dos ataques com UAVs no Afeganistão.

Em maio do corrente ano a Reutersxi publicou um artigo com o título “Special Report: How the White House learned to love the drone” que numa tradução livre, poderá escrever-se: “Relato especial: como a Casa Branca se tomou de amores pelo drone”. O artigo, extenso, que merece a pena ler, contem algumas passagens tenebrosas, como aquela em que o autor liga o crescente interesse na utilização dos drones à vontade de Obama de pôr fim às “práticas brutais de interrogatório” da era Bush, às diretivas que emitiu para acabar com os centros prisionais secretos da CIA e à vontade de encerrar o campo de prisioneiros de Guantánamo. Isto terá levado a CIA a privilegiar os assassínios de alta tecnologia, já que (cito o autor do artigo) no dizer de um funcionário responsável “não há onde pôr” os prisioneiros.
A utilização destas tecnologias vista de Washington é considerada um tal sucesso que os militares têm estado a colocar drones numa base no Corno de África e admitem que possam ser usados contra insurrectos no Iémen e na Somália e contra os piratas que actuam, principalmente, no Golfo de Aden.

A robótica no campo de batalha coloca, como é evidente, sérias questões de ordem ética e legal. Designadamente, põem em causa as Convenções de Genebra e da Haia e diversos protocolos que regulam o comportamento dos militares em conflitos armados: o que devem e não devem fazer e o que são alvos legítimos. Há além disso leis específicas que respeitam ao uso e à proibição de armas.xiv Nestas situações de que nos ocupamos, a própria distinção entre militares combatentes e atores civis, de um e outro lado, é esbatida. Singer, no artigo citado, refere que entre alguns cientistas se invoca um certo paralelismo entre a problemática do desenvolvimento e utilização das tecnologias robóticas e a que se colocou nos anos 40 em relação à tecnologia nuclear que levou à fabricação da arma atômica. E chama a atenção para o fato de que então como agora os intervenientes se sentem envolvidos no desenvolvimento de algo que é excitante do ponto de vista da tecnologia e dos avanços científicos que proporciona, mas que suscita preocupações que vão para além da esfera da ciência a ponto de que poderemos vir a lamentar ter prosseguido um tal caminho. Na verdade, então como agora, esses homens e mulheres prosseguem os seus trabalhos porque e cito “são úteis no plano militar, altamente remuneradores, e se situam nas fronteiras da ciência”.
As armas neurológicas, “não – letais” ou de energia dirigida

A “Associação Americana para as Liberdades Cognitivas – ACLA”xv informa-nos do seguinte: “Nos anos 90, terminada a Guerra Fria, mudou a forma de encarar a arte da guerra. Os militares procuravam armas que fossem mais pequenas, menos susceptíveis de provocar a morte e apropriadas a um tipo de guerra muito diferente. Surgiam oportunidades de novos contratos (de desenvolvimento, entenda-se). Tinham-se verificado progressos na miniaturização de dispositivos eletrônicos, geradores de potência e orientação de feixes de energia dirigida. (…) As armas neurológicas (chamadas por vezes “armas não ― letais” apesar de poderem ser letais (entenda-se: causar a morte)) funcionam através de ondas ou frequências eletromagnéticas. As ondas de rádio e as micro-ondas são dois exemplos do espectro de frequências eletromagnéticas.” Por vezes, acrescento, também podem ser usadas frequências sonoras, isto é, feixes acústicos dirigidos de alta potência.

Voltando à informação da ACLA, interessa esclarecer o seguinte. As armas de energia dirigida têm como objetivo afetar os comportamentos humanos usando energia eletromagnética em feixes muito colimados com frequências apropriadas. “O corpo humano é um sistema eletroquímico: tudo o que perturbe os sinais ou impulsos elétricos do sistema nervosos afetará o funcionamento do corpo e o comportamento (da pessoa). Tal como certas substâncias químicas que interatuam com a química do cérebro e fazem aumentar os níveis de dopamina ou causam comportamentos agressivos, a energia eletromagnética de frequência adequada devidamente dirigida ao cérebro, sistema nervoso central ou a certas regiões do corpo humano) e modulada (manipulada) pode afetar pensamentos, emoções e comportamentos (…)”.

De acordo com a ACLA, as tecnologias que aqui nos interessam, podem vir ou estar já a ser aplicadas como formas de tortura, ou para fins de interrogatório, espionagem, ações militares e manipulação cognitiva.

Neste grupo de tecnologias encontram-se diversas variantes no que toca às características físicas dos sistemas utilizados bem como dos efeitos produzidos. Grande parte da informação relativa ao tema é considerada como secreta e é “classificada” a um nível elevado pelo que pouco se sabe do que efetivamente se passa. Como os média não tocam ou quase não tocam no assunto “a maioria dos americanos ignora a sua existência”.

Existe uma considerável diversidade das ditas armas não-letais: feixes de energia dirigidos (infra-vermelhos); geradores de impulsos sonoros de alta intensidade; projéteis que atuam por efeito de impacto, descargas elétricas, dispersão de agentes químicos ou biológicos; barreiras eletromagnéticas (“ative denial systems”); indução externa de sons e imagens, por ação de campos eletromagnéticos que atuam como se referiu sobre os circuitos neurológicos do sistema nervoso central, e outros. Um olhar rápido sobre esta parafernália de instrumentos e sistemas ditos “não-letais” pode não deixar entender todos os seus possíveis destinos, as motivações para o seu domínio e suas implicações. Neste contexto parece-me útil citar aqui um documento a que já em outra ocasião tive oportunidade de fazer referência.

Trata-se do relatório de um grupo de peritos produzido para uma universidade norte-americana. O relatório tem o título “Comportamento de multidões (crowds), controlo de massas e a utilização de armas não-letais”.xvii Tornado público em Fevereiro de 2004, destaca-se no relatório a necessidade de aplicar o método científico ao estudo de diversos temas ligados ao comportamento das massas em movimento (a expressão é minha), e afirma-se que o mesmo “(…) destina-se em última análise a ajudar as forças dos EUA a responder mais rapidamente e de forma mais efetiva a situações de controlo de massas em particular em operações de manutenção de paz em solo estrangeiro.” Refere “(as) ações de manutenção da paz na Somália, Haiti, Bosnia e Kosovo (como tendo dado) origem a maior procura de armas não-letais e maior necessidade de compreender a dinâmica de massas (crowds).”

O relatório faz ainda notar que “tanto as abordagens como os objetivos do controlo de grupos diferem substancialmente daqueles que são aplicados em missões de combate normais” razão pela qual “os militares precisam de adquirir uma capacidade adicional de compreensão do impacto individual, social e cultural do comportamento de grupos (crowd behavior). As forças de manutenção da paz têm de adotar um modelo novo para compreender, avaliar e responder aos grupos”.

Curiosamente ou talvez não órgãos da comunicação social dos Estados Unidos noticiaram a criação de um corpo de exército de 20 mil homens, para ação no interior do país com a missão de agir em caso de “desordem civil e para controlo de multidões”. Estas notícias levaram Michael McPhearson, Director da ONG “Veterans for Peace” a dizer: “(…) é triste para a América que o nosso governo se prepare para se proteger a si próprio usando os militares contra os seus próprios cidadãos”.

* Frederico Carvalho é engenheiro nuclear e investigador

Fonte: ODiário.info