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Academia promove debate sobre a herança do governo Lula

Independente de entrarem em um consenso qualitativo quanto ao legado do governo Lula, os participantes concordam que a luta da esquerda ainda está presente e os desafios estão postos. A necessidade da maior unidade entre os movimentos, da aproximação das pautas e a união da lutas são problemáticas que continuam presentes ao final desses oitos anos.

por Paulo Pastor Monteiro* e Gabriel Musta Salgado*

“Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante”. O refrão da música de Raul Seixas é uma das definições que melhor explica o presidente Lula, sendo que ele mesmo já utilizou deste verso para se definir. O debate desta "metamorfose" e da herança do governo Lula fez parte dos Seminários de Altos Estudos Contemporâneos, promovido pela Associação dos Amigos da Escola Nacional Florestan Fernandes, a Cátedra Unesco de Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial da Unesp e o Departamento de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Participaram como debatedores Altamiro Borges, Andre Singer, Bernardo Mançano, Rosa Marques, Valerio Arcari e José Arbex Jr. como mediador.

Os palestrantes apresentaram uma análise do que foi o governo Lula, suas contradições, os avanços e os retrocessos na construção de um projeto de nação mais justa e igualitária. As críticas e os elogios fomentaram o debate e a reflexão, construindo um quadro ainda mais diverso em torno do que foram os oito anos de governo do ex-operário do ABC, as medidas políticas econômicas e as políticas sociais de seu governo. Ficou claro, em meio a discordâncias e consensos dos palestrantes, o quanto Luis Inácio Lula da Silva é um personagem em constante mudança.

Questão social

A questão social – principal trunfo da campanha política da presidenciável Dilma Roussef – concentrou boa parte da discussão da tarde de sábado no prédio da Unesp, localizado na praça da Sé. A melhora da qualidade de vida e a relação com os movimentos sociais foram dois dos temas abordados quando se falou sobre o legado social do governo Lula.

André Singer, porta-voz do governo no primeiro mandato do presidente Lula, apontou dados importantes que confirmam o sucesso de políticas sociais como Bolsa-família. Segundo ele, além do pagamento do benefício, toda a estrutura favorável criada pelo governo possibilitaram que cerca de 30 milhões de pessoas saíssem da linha da pobreza.

“O programa não só garante a subsistência da família como intensifica a economia nas regiões onde há vários beneficiários do sistema porque incentiva a economia e a geração de empregos”, defendeu a economista e professora da PUC Rosa Marques.

Por outro lado, Valério Arcari, professor CEFET/SP e filiado ao PSTU, argumentou que o governo Lula falhou em não promover mudanças estruturais que dariam uma melhor sustentação às políticas sociais. Para o professor, o Brasil ainda é um país de miseráveis, onde muitos passam fome e vivem em péssimas condições.
Movimentos sociais

Arcari alerta, também que houve uma preocupante cooptação, uma espécie de “estatização” dos movimentos sociais e sindicais durante o governo Lula. “Poderíamos classificar como um ‘neoperonismo’. Não constitui uma relação democrática [entre o Estado e os movimentos sociais], senão uma relação politicamente doentia”.

O professor apontou ainda que, apesar da sua origem política está ligada ao sindicalismo, Lula preferiu não ter os movimentos populares como base ou viabilizadores das suas políticas. Essa opção colaborou para a criação de um governo com um certa distância de importantes organizações sociais e, exatamente por isso, as principais bandeiras da classe trabalhadora não progrediram.

Já para Singer os movimentos sociais obtiveram conquistas importantes durante o mandato do PT. “O aumento do salário mínimo é uma conquista tática importantíssima dos sindicalistas”, declara. Borges defende que a desmobilização para a luta não é exclusiva de um ou outro movimento, mas que está relacionada a uma apatia presente em grande parte da sociedade: “Períodos de mobilização e desmobilização são ciclícos em qualquer movimento, não dá para culpar o Lula e nem aos líderes sindicais pela falta de atividade de alguns grupos”.

Borges acredita que a falha do governo Lula em relação a organização social foi a falta de politização da população durante o seu governo. “O governo Lula não teve um discurso político, no sentido teórico, muito claro. Faltou, como escreveu Paulo Freire, uma pedagogia do oprimido e consciência política é essencial em qualquer processo de transformação social”.

Economia

“Não houve diferença político-econômica nenhuma”, defendeu, de forma taxativa, a professora Rosa ao comparar o governo de Lula com o de Fernando Henrique Cardoso. “O PT se sustentou no mesmo tripé econômico do PSDB: superávit primário; taxa cambial; metas de inflação”. A professora explica, também, que isso foi feito para evitar confrontos com os grandes interesses mundiais de organizações como o FMI e o Banco Mundial.

Já para Borges, ainda que Lula não tenha alterado os principais básicos da economia do antigo governo, a reação à crise econômica mundial de 2008 foi totalmente diferente do que o PSDB fazia perante as crises “diferente do que era feito antes de 2002, foram tomadas atitudes no intuito de estimular o mercado interno, fortalecer as empresas estatais e diversificar as relações externas. O resultado dessas ações foi positiva para a economia nacional”.

Além das medidas no momento de crise econômica, Singer atesta: “Foi esse governo que evitou a implementação da Alca. Priorizou a política Sul-Sul. Isso não é pouca coisa.” Ele continua explicando que houveram atritos com grandes potências, o que não ocorria antes: “ O papel de mediador no caso do Irã é um sinal de independência e de autonomia evidentes”.

“Também houve divergências entre Washington e Londres. Alguns desencontros de opiniões, não bastam para classificar o atual governo como independente” ressalva Arcari. Além disso, o professor contesta o papel de sub-metropóle desempenhado pelo Brasil nas economias dos vizinhos: “Empreiteiras brasileiras, e a própria Petrobras, dominam setores inteiros da economia da Bolívia, Venezuela, Paraguai, entre outros países da América Latina”.

Bernado Mançano, professor da Unesp, trouxe à tona a questão da política agrária. Ele aponta que Lula também não deu a devida atenção aos pequenos agricultores: “ a pequena propriedade é responsável pela maior parte do alimento que chega à mesa do brasileiro, mesmo contando com menos acesso ao crédito e uma área para produção menor”.

Ainda segundo Mançano, além de evitar o confronto com os grandes agricultores, houve uma falha na políticas que deveriam auxiliar o pequeno produtor. “ Apenas 10% da linha de crédito rural foi destinada para o pequeno produtor, mas, mesmo assim, ele não usou tudo. Ou seja, a maioria nem sabe como ter acesso ao crédito”.

Em relação à reforma agrária, o professor explica que faltou medidas de maior impacto, mas que a regularização e posterior distribuição de terras é um dado positivo.

O mesmo horizonte

Independente de entrarem em um consenso qualitativo quanto ao legado do governo Lula, os participantes concordam que a luta da esquerda ainda está presente e os desafios estão postos. A necessidade da maior unidade entre os movimentos, da aproximação das pautas e a união da lutas são problemáticas que continuam presentes ao final desses oitos anos.

*estudantes de jornalismo da Unesp