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Estudantes franceses pedem radicalização do movimento grevista

Greves e manifestações tomaram conta da Europa durante os meses de setembro e outubro por conta das medidas de austeridade anunciadas pelos países da União Europeia como resposta à crisedo capitalismo que teve seu ápice em 2008 e 2009. As medidas continuam mobilizando trabalhadores e estudantes do Velho Mundo, especialmente na França. Os estudantes da Universidade Rennes 2 lançaram manifesto pautando a radicalização do movimento grevista.

Os estudantes franceses estão engajados na mobilização porque se trata de uma causa nacional, porque o próprio movimento estudantil francês é solidário com os trabalhadores, como expressa o seu manifesto, mas também porque a Reforma da Previdência aumenta os anos de trabalho e em consequencia aumenta o desemprego. O manifesto também combate a xenofobia.

Leia a íntegra do manifesto:

Manifesto da assembleia geral dos estudantes de Rennes 2 ao movimento dos desempregados e informais e à Assembléia Geral Interprofissional de Rennes 2

25 de outubro de 2010

Somos trabalhadores informais, formais, estudantes e pessoas desempregadas envolvidos atualmente na luta contra a reforma previdenciária do governo Sarkozy, que prevê o aumento da idade legal para se aposentar e o aumento dos anos de contribuições para poder implementá-la. Esta medida, que implicará na degradação das condições de vida dos setores “precarizados” e uma progressão notável da lógica de capitalização, está em consonância com a política thatcherista de direita que há quatro anos implementa o governo de Sarkozy e também a maioria dos países europeus durante o reinado de vinte anos da ortodoxia neoliberal. Esta política de regressão social (privatização, congelamento de salários, cortes nos gastos públicos e sociais), faz sentir os seus efeitos com muito mais força na recessão de 2008-2009 (e as suas demissões massivas) que, longe de rever os dogmas liberais, serviu para justificar uma nova onda de planos rigorosos em detrimento das classes populares.

Em muitos países, como na Grécia e na Inglaterra, já não há nenhum constrangimento em anunciar brutais deduções dos salários e pensões enquanto se salvam os bancos com centenas de bilhões. Em toda parte se multiplicam as medidas que favorecem a burguesia: “escudos fiscais”, contratos “ultraprecários” isentos de impostos e até mesmo mão de obra gratuita, facilidades para a demissão, restrição do direito à greve e criminalização dos movimentos sociais. Em todos os lugares tenta-se desviar a ira popular em direção a um bode expiatório: ciganos, árabes, os “desempregados permanentes ” podem ser o culpado perfeito. Em toda parte, esta Europa construída sobre o mito do progresso social e cultural contínuo e garantido por instituições está recriando o proletariado indesejável, que acreditava-se haver acabado. A paz entre os Estados europeus representa a exportação de duas vezes mais conflitos derivados da superexploração fora do continente e a cooperação de todos os modistas da economia europeia contra tudo o que viola suas leis, a resistência popular e os sistemas de proteção social. Ao mesmo tempo em que se montam barricadas contra os imigrantes, segue-se importando mão de obra cuja função é a que os “europeus puro-sangue” não querem fazer, e se exportam as indústrias que poderiam explorar a um preço menor a outra parte desta mão de obra, designada como a residência de multinacionais da Europa-fortaleza.

Em resposta a essa situação desesperadora, os acontecimentos da última primavera na Grécia abriram uma contraofensiva em escala europeia. Mas a estratégia mais que temerária das centrais sindicais, e o freio à rebelião desencadeada pelo drama do banco Marfin adiaram até agora o estabelecimento de um conflito aberto. Nós e os outros filiados da Entreprise-France (movimento anterior contra a outra “reforma” das pensões), estamos desde 2003 na linha dessa estratégia dirigida ao fracasso das “jornadas de ação” pontuais e espaçadas no tempo. Após um mês de conflito, as bases das centrais sindicais já adquiriram a idéia de uma greve prorrogável e generalizada. Uma pesquisa recente constatou que a maioria das pessoas quer uma “radicalização” do movimento frente a um governo inflexível. Todos recordamos o movimento dos estudantes e professores, parcialmente vitorioso, da primavera de 2006, denominado “o anti-CPE”, que impôs, junto às greve e as manifestações, a forma de luta do bloqueio econômico.

Na maioria das cidades grandes, enquanto as universidades em greve estiveram bloqueadas e ocupadas por várias semanas, enquanto as manifestações de massas em geral terminavam em confrontos, os grevistas recorreram ao bloqueio de cruzamentos importantes, shoppings, estações e aeroportos e até mesmo de grandes centros de correio e terminais de ônibus. Finalmente, o MEDEF solicitou a outro governo “inflexível” que demonstrasse maior flexibilidade, capaz de restaurar a atividade econômica normal. O CPE foi retirado (mas não a lei de qual ele fazia parte).

Agora não é por acaso que as propostas ousadas do movimento de 2006 aparecem como o ABC das tendências mais ativas na luta contra o projeto do governamental. Em Rennes, shoppings são um objetivo em todas as manifestações. As greves mais resolutas afetam particularmente as refinarias e depósitos de petróleo; verdadeira vanguarda do movimento, os grevistas marselheses paralisaram o porto e imprimem o pulso do movimento à sua cidade. Os ferroviários também estão na linha de frente e os caminhoneiros aderiram ao movimento. Sabemos que quanto maior a confiança em nossas próprias forças, mais expressiva será a nossa otimista determinação. A imagem dos piquetes volantes em Barcelona, forçando o fechamento de todos os comércios no dia da greve geral em setembro passado, sem dúvida teve repercussão na vontade de sistematizar essa prática. Sabemos que só nos pode garantir a vitória a capacidade de reverter a estratégia governamental de decadência e de intimidação que se traduz especialmente no uso crescente de violência policial: vários jovens manifestantes seriamente feridos, centenas de presos e condenações delirantes (por exemplo, prisão incondicional por atear fogo a um recipiente), um hábito que se tornou normal são as agressões físicas e o uso do gás para desbloquear o tráfego. Essa violência é acompanhada por um atropelo do direito à greve (requerimentos aos trabalhadores da indústria petroquímica, com a ameaça de penas severas em caso de recusa).

Nós acreditamos que é hora de usar a arma do bloqueio econômico de massa. Por este meio os trabalhadores desempregados e informais, sem acesso a um local de trabalho estável, podem participar da pressão dos grevistas “tradicionais” sobre os lucros do patronato. O bloqueio econômico, como uma tática de endurecimento da greve, além de ser acessível a todos. Se a greve (dos trabalhadores, dos estudantes, dos professores, a “greve” forçada dos desempregados e informais) libera o tempo e a atenção da subordinação aos ciclos econômicos, o bloqueio econômico permite empregar plenamente o tempo livre à perturbação desses mesmos circuitos conduzidos pelos poderes que combatemos, seguramente os incomodando muito mais do que com as manifestações pacíficas que já não causam mais nenhum prejuízo (mencionemos como exemplo o excelente negócio de fast-food durante os “dias de ação”).

Assim, o bloqueio econômico permite, em uma economia integrada e disseminada em seus fluxos de capitais, mercadorias e informações, generalizar os impactos causados por uma greve limitada a apenas alguns setores. Ela também pode facilitar o encontro entre os grevistas que vêm para bloquear um local e os trabalhadores desses mesmo lugar, encorajados desse modo a aderir ao movimento. A própria greve pode se apresentar como uma arma de bloqueio econômico que permite ao movimento manter-se sem que se converta em uma greve indefinidamente prolongada, dificilmente sustentável pelos trabalhadores: greves intermitentes, greves escalonadas, greves que paralisam alguns setores ou locais “chave”, que podem ser apoiadas economicamente pelos demais.

A vitória, ainda que apenas simbólica e parcial, deste movimento, só pode vir daqui: que cada coletivo de luta, cada sindicato local, cada grupo formal ou informal de militantes, amigos, colegas, parentes, ao mesmo tempo que se articulam com os outros, se constituam seu próprio piquete volante. Todas essas formas de disposição para lutar seriam compatíveis com momentos de desaceleração em que poderíamos ter tempo para nos organizar materialmente, para comer, para compartilhar ideias, canções e experiências … Neste momento em que o governo não hesita em recorrer a ameaças da polícia ou da prisão para desarmar piquetes e forçar o retorno ao trabalho, ter maior mobilidade, ser capazes de nos reunir o mais rapidamente possível em um ponto para formar uma massa impossível de remover ou nos distribuirmos para bloquear a metrópole em dez pontos ao mesmo tempo, parece a única maneira verdadeiramente coerente de nos “mobilizar”, retomando a fórmula sindical, o melhor uso possível do tempo livre que deixa a greve.

Ao nos aproximarmos, passo a passo, de uma escassez de combustível, a questão dos objetivos prioritários do bloqueio agora parece resolvido: refinarias, depósitos de petróleo, rotas de transporte de todos os tipos, centros comerciais, plataformas de distribuição … Enfatizamos também o interesse dos blocos que contribuem para este problema fora do âmbito nacional. Considere, por exemplo, no turismo, que é um dos principais “pulmões” do nosso continente museu-econômico: grandes hotéis e restaurantes, grandes espetáculos, o consumo de luxo … Sonhemos também com o interesse de incentivar certos meios para “destravar” informações e dar voz àqueles que são institucionalmente privados. Pensemos também nos “bairros de negócios” das nossas províncias, que poderiam difundir aos quatro ventos a má reputação de suas províncias mal colonizadas…

Ferroviários belgas, siderúrgicos castelhanos, portuários marselheses, comerciantes gregos, temporários, informais e indesejáveis de toda parte, sua luta é nossa luta. Em todas as partes temos de responder, de forma solidária e coordenada, a cada ataque de qualquer uma de nossas oligarquias nacionais, sejam mais ou menos cúmplices dos comissários e banqueiros europeus.
Para deter as contra-reformas e planos rigorosos, para melhorar nossas condições de vida através de uma política de abertura e de solidariedade em relação aos migrantes e os proletários de todos os países em todos os lugares, organizemos em todos os lugares comitês de luta, assembléias gerais interprofissionais, brigadas de piquetes volantes coordenados passo além das fronteiras. Bloqueemos a Europa do capital, bloqueemos a Europa-Fortaleza, livremo-nos dos Sarkozy, Merkel, Barroso e Berlusconi! Greve geral! Bloqueio econômico!

Fonte: Jura libertaire
Tradução: Luana Bonone