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Entrevista: Cao de Benós, um estrangeiro no governo norte-coreano

O Vermelho reproduz entrevista realizada pelo blog Solidariedade à Coreia Popular com o único estrangeiro que trabalha no governo da República Democrática Popular da Coreia (Coreia do Norte), Alejandro Cao de Benós. O espanhol, que nasceu em Tarragona e viveu também em Barcelona, é o presidente da Associação de Amizade com a Coreia (KFA) e tem sido um defensor da República Popular Democrática da Coreia desde 1990.

- Reprodução

É atualmente delegado especial honorário da RPDC no Comitê para Relações Culturais com o Exterior, e suas atividades são ocasionalmente mencionadas em boletins da Agência de Notícias Central Coreana. Seu nome coreano, dom Zo-il ("A Coréia é um"), é reconhecido oficialmente pela Coréia do Norte. Confira a entrevista:

Solidariedade à Coreia Popular: Você poderia nos falar de forma sucinta como você entrou em contato com o marxismo-leninismo e, mais especificamente, com a RDP da Coreia? Quando você visitou a RDPC pela primeira vez e qual foi sua impressão do país na época?
Alejandro Cao de Benós: Quando eu tinha 13 anos de idade, já estava consciente sobre as absurdas desigualdades no mundo, onde 20% da população acumula toda a riqueza e todos os recursos, enquanto 80% do resto da população vive em dificuldades. Queria fazer algo para mudar essa situação. Tudo isso me levou a estudar filosofia e política, a aprender os fundamentos do marxismo e as experiências de diferentes países que tentaram construir o sistema comunista. Com 16 anos conheci, pela primeira vez, camaradas norte-coreanos em Madrid e criei uma organização juvenil de apoio à RDPC. Encontrei-me completamente identificado com a Coreia do Norte não só por causa do socialismo Juche, mas também por sua cultura e pela personalidade de seu povo. Eu visitei a RDPC antes da "árdua marcha" [1] e minha impressão foi de o país estar vivendo em um sonho. Dessa maneira, encontrei meu lar revolucionário, meu lugar onde meus camaradas queriam construir uma nova sociedade baseada nos ensinamentos de Kim Il Sung.

Solidariedade à Coreia Popular:
No ano 2000, você criou a Associação de Amizade com a Coreia (KFA) como uma maneira de as pessoas conhecerem mais sobre a RDPC e sobre a luta do povo coreano. Com quais partidos políticos a KFA tem contato? Quais foram as principais conquistas que a KFA teve desde 2000 até hoje? Quais foram as principais dificuldades que a organização enfrentou?
A.C.B.: A KFA é uma organização cultural, independente, apartidária e sem fins lucrativos. Dessa maneira, não possui contatos com partidos políticos. Temos membros de diferentes países, camadas sociais e visões políticas, desde que os mesmos respeitem a RDPC e estejam interessadas em apoiá-la e em construir a amizade com a mesma. Nossas principais conquistas foram contar com mais de 9500 membros em mais de 120 países e de ser um “ponto de encontro internacional” ou uma “ponte” entre a RDP da Coreia e o resto do mundo. Enfrentamos muitas dificuldades. Comecei a levar a cabo a KFA sozinho há 10 anos atrás na frente de um computador. Depois, começamos a ter muitos ataques pela Internet, nosso site foi censurado na Coreia do Sul e fizeram a nós ameaças de todo tipo, mas nunca demos um passo atrás: cada dificuldade era uma inspiração para continuar progredindo.

Solidariedade à Coreia Popular: Qualquer pessoa pode viajar para a RDPC? Quais são os direitos e as restrições dados àqueles que visitam a RDPC como turistas?
A.C.B.: Qualquer pessoa pode visitar a RDPC, com exceção daquelas que tenham passaportes dos EUA, da Coreia do Sul ou do Japão, que precisarão de protocolos especiais para entrar no país. As principais restrições são equipamentos de radio e telefone, ou propagandas impressas que não são permitidas entrarem no país. Câmeras fotográficas, em certos lugares, também são restritas. De qualquer maneira, a RDPC é o país mais seguro do mundo, então não há nada com o que se preocupar desde que o visitante respeite as regras e os conselhos dos guias coreanos.

Solidariedade à Coreia Popular: Durante os anos 1953-1990, a RDPC era um dos países do mundo com maior desenvolvimento e progresso, enquanto a Coreia do Sul tinha uma economia atrasada. Porém, no começo dos anos 90, a RDPC caiu numa série crise motivada pela queda do mercado socialista, por adversidades geográficas e naturais e por conta do embargo econômico imposto pelos imperialistas norte-americanos, fatores que acarretaram sérias dificuldades econômicas, incluindo sério desabastecimento alimentar. Desde o começo do novo milênio, porém, a RDPC vem superando gradualmente a crise e retornando à estabilidade econômica. De acordo com sua experiência na RDPC, como o povo coreano via a crise e quais foram as suas conseqüências? Na época da crise, os coreanos ainda mantinham-se apoiando o socialismo? O que o governo coreano fez para superar essa situação? Como está a situação econômica na RDPC nos dias de hoje?
A.C.B.: Os coreanos lutaram durante a época da crise com grande coragem e sacrificando tudo, inclusive suas próprias vidas, pela Revolução Coreana. Vi pessoas morrerem de desnutrição nas fábricas porque não tinham comida e queriam continuar trabalhando, produzindo. A pior época para a Coreia foi quando os estabelecimentos de comida foram fechados e não havia luz ou água potável. Porém, todos avançaram orgulhosamente sob a direção do líder Kim Jong Il, e superaram todas as dificuldades. Ao longo da década de 2000, a economia começou a se recuperar e, atualmente, cresce a um ritmo acelerado. Nos dias de hoje, as lojas estão repletas de bens de consumo e novas construções estão sendo finalizadas, como a recente construção de 100 mil novos apartamentos que são distribuídos gratuitamente aos cidadãos. O governo conseguiu superar essa situação reduzindo gastos com a moeda estrangeira e desenvolvendo a indústria nacional independente, como a produção de nosso próprio coque para a indústria de ferro, nossos próprios fertilizantes e nossas próprias fábricas têxteis. Os coreanos sempre acreditaram no socialismo. A situação atualmente encontra-se num clima de otimismo para que no ano de 2012 sejam abertas as portas para declarar a RDPC como uma poderosa potência econômica. 

Solidariedade à Coreia Popular: Kim Il Sung foi o principal líder da Revolução Coreana. Depois de sua morte, em 1994, a principal liderança do país passou a ser seu filho, Kim Jong Il. Existe uma grande especulação por parte da imprensa ocidental que, depois da morte de Kim Jong Il, um de seus filhos irá assumir o posto de principal líder da RDPC. Você acha que existe a possibilidade de isso acontecer ou são apenas boatos? Comente sobre a questão do “culto à personalidade” aos líderes, ele dificulta a construção socialista na RDPC?
A.C.B.: Isso apenas demonstra uma falta de conhecimento sobre a história da Coreia e sobre a personalidade do povo coreano. As pessoas não conseguirão visitar a Coreia ou conversar com seu povo sem entender a cultura coreana, incluindo o budismo, para entenderem seu socialismo. Kim Jong Il nasceu num campo militar durante a Guerra anti-japonesa. Ele não cresceu sob os cuidados de seu pai, mas sim sob os cuidados dos soldados. Desde muito jovem ele acompanhava o grande líder Kim Il Sung e demonstrava grande inteligência, sagacidade nos assuntos militares e governamentais. Dessa maneira, o povo quis que ele continuasse o legado do Presidente Kim Il Sung. Na RDPC, costuma-se dizer que Kim Il Sung e Kim Jong Il, na prática, são a mesma pessoa. Sobre a nova questão de quem será o próximo líder, não passa de boatos da imprensa ocidental. A mesma declarou em outubro de 2010 que Kim Jong Un seria apontado como o próximo líder. Porém, depois do congresso do Partido, Kim Jong Il foi reeleito como secretário-geral. Não se pode nomear um líder arbitrariamente. O mesmo deve demonstrar capacidade para sê-lo durante muitos anos e ser amado pelo povo. “Culto à personalidade” é uma palavra de fabricação ocidental, que demonstra a ignorância da realidade da RDPC.

Solidariedade à Coreia Popular: Com quais países a RDPC possui relações econômicas, políticas e/ou diplomáticas? Como a RDPC enxerga o Movimento Comunista Internacional e o crescimento dos movimentos progressistas na Venezuela, na Bolívia e em outros países da América Latina? Qual é a opinião da RDPC sobre os países que ainda mantêm a perspectiva socialista (RP da China, República de Cuba, Laos e República Socialista do Vietnã)?
A.C.B.: A RDPC possui relações com a maioria dos países do mundo, mas existem países com os quais a mesma possui laços especiais por conta de identidades históricas, como China, Rússia ou Camboja. A RDPC enxerga positivamente os países que seguem o rumo do socialismo, especialmente os países latino-americanos por conta do estreitamento de relações com tais países, que outrora foram muitos influenciados pelos EUA. Os princípios da RDPC nas relações estrangeiras são: independência, não-interferência em assuntos internos, paz, amizade e benefício mútuo.

Solidariedade à Coreia Popular: No que consiste o embargo econômico imposto pelos imperialistas norte-americanos? Como o embargo econômico dificulta a RDPC a manter relações amistosas com outros países do mundo?
A.C.B.: O embargo econômico é uma forma de tentar isolar e destruir o sistema socialista da RDPC. Isso consiste no total bloqueio tecnológico (o que significa que o país não pode progredir cientificamente), o bloqueio de contas bancárias (o que faz com que o país não possa fazer transações internacionais ou vender seus produtos), bloqueio das linhas de envio (os barcos de envio podem se atrasar, serem saqueados ou seqüestrados por tropas norte-americanas e por seus lacaios), e outro exemplo é o preço das ligações telefônicas internacionais, posta pelos EUA como uma das maiores do mundo. Com um embargo em vigor, não podemos cambiar nosso dinheiro pela moeda externa (dólares dos EUA ou euros), o que dificulta mandar pessoas para outros locais ou abrir embaixadas em países estrangeiros, afetando diretamente nossa capacidade de fazer intercâmbios e outras atividades com o resto das nações.

[1] A "Árdua Marcha" neste caso refere-se ao perído mais difícil da revolução anti-japonesa na Coreia, no qual o Exército Popular Revolucionário da Coreia, liderado pelo General Kim Il Sung, atravessava a área do Monte Paektu no inverno – trata-se de uma das regiões mais frias do mundo nessa estação, com temperaturas que podem atingir os -60°C. O povo coreano também usa o termo "Árdua Marcha" para se referir à dura crise sofrida nos anos 90, como uma forma de relacionar essa época com tal período da luta armada na Revolução Anti-Japonesa.

Da redação, com Blog Solidariedade à Coreia Popular