Prossegue referendo que pretende dividir o Sudão
Milhares de moradores do Sul do Sudão já votaram nos primeiros dos sete dias de consulta popular, que pode culminar na divisão do país em dois. Na área da futura fronteira, pelo menos 30 pessoas morreram na região de Abyei, rica em petróleo. Foram três dias de enfrentamentos, entre nômades árabes e integrantes de tribos sulistas. A ONU (Organização das Nações Unidas) também confirmou ter recebido relatos de violência.
Publicado 10/01/2011 16:20
Milhares de sudaneses do sul esperavam em longas filas na manhã desta segunda-feira para votar no referendo. Alguns passaram a noite esperando a votação. Quatro milhões de pessoas foram convocados para participar da consulta, e pelo menos 60% deste total deve comparecer às urnas para que o resultado final seja validado. Os sudaneses escolherão assim se o país deve permanecer unido ou separar-se entre o norte árabe-muçulmano e o sul majoritariamente cristão.
Como o Sul tem altos níveis de analfabetismo, as cédulas de votação trazem dois desenhos, para serem assinalados pelo eleitor: uma mão simboliza a independência do sul; duas mãos dadas indicam preferência por manter o Sudão unificado.
As reiteradas declarações do presidente Omar Al Bashir de que irá aceitar e seguir o resultado, seja ele qual for, aumentou a expectativa de que o processo fosse pacífico. Ele afirmou que a eventual separação do país será como “tirar um pedaço do corpo da nação, mas não será o fim do mundo”. Contrariando as previsões, contudo, líderes da tribo árabe Misseriya e dos povos Ngok Dinka, no distrito de Abyei, no Sudão, afirmaram hoje que houve muitas baixas em confrontos nos últimos três dias na área, com pelo menos 33 mortos.
Caso o Sul efetivamente venha a separa-se, muito vai ter de se negociar antes da decisão ser completamente efetivada. Um dos pontos mais complicados é a demarcação da fronteira.“Só sabemos o que é o Norte e o que é o Sul de forma geral”, diz Aly Jamal, doutor do Instituto Superior de Relações Internacionais de Moçambique, e especialista em conflitos africanos. “Mas uma diferença de 200, 300 metros pode ser motivo de discussão depois, percebendo que o poço de petróleo ou a mina de tantalita esteja para o outro lado”, explica.
A tantalita é um mineral composto de ferro, manganês, nióbio e tântalo, usado na indústria eletrônica, vidro e aço, cujas maiores jazidas estão nos estados brasileiros de Roraima e Amapá.
Confirmando-se a esperada separação do Sul, a região ficaria com a grande maioria das reservas de petróleo já descobertas no Sudão. Mas as estruturas de escoamento e refino, bem como a saída para o mar, ficam no Norte.
A ideia inicial era realizar, ao mesmo tempo, uma outra consulta popular, exclusiva sobre o futuro da região de Abyei, que fica exatamente na fronteira. Mas ela foi adiada, por causa tensão que a decisão vai causar.
Eritreia
Aly Jamal justifica sua preocupação citando o caso da Eritreia. O país foi o único surgido na África depois da criação da União dos Estados Africanos, em 1963 – que decidiu que, após o processo de independência, os países manteriam suas fronteiras, para evitar choques. “Em 1987, oito anos depois da separação, Eritreia e Etiópia envolveram-se em conflitos violentos por causa de uma porção de cadeia de montanhas, que alguém dizia que era importante sob o ponto de vista estratégico”, lembra. “Imagino o que pode acontecer onde há riquezas minerais comprovadas.”
Os Estados Unidos apoiam explicitamente o referendo e a divisão do Sudão, como parte de sua estratégia de criar pontos de apoio na África. "Os Estados Unidos estão completamente comprometidos em ajudar as partes para resolver as questões críticas após o referendo, seja qual for o resultado da votação", afirmou Obama.
Por sua vez, Hillary Clinton qualificou de "bem-sucedido" o início do referendo sobre a secessão do Sudão, o que representa "um passo histórico" em direção à paz. Os EUA avisaram, inclusive, que se o Sudão reconhecer pacificamente o resultado do referendo pode retirá-lo da lista de países ligados ao terrorismo, o que só demonstra que tal listagem nada tem a ver com terrorismo e sim com a submissão aos desígnios norte-americanos.
Outros pontos que não foram esclarecidos antes do referendo é a cidadania dos moradores do Norte que atualmente vivem no Sul (e vice-versa), as regras de negócios entre os dois novos países e a divisão dos atuais ganhos com o petróleo.
Pobreza
Também é incerto o que vai acontecer no campo político e social. Se os sudaneses optarem pela separação, o novo país, que poderá manter o nome ou se chamar “Novo Sudão”, nascerá como uma das mais pobres nações do mundo, que precisa de avanços em diversas áreas, especialmente na educação, social e econômica.
De acordo com dados das Nações Unidas, 90% da população do sul (estimada em 8,8 milhões) vivem com menos de um dólar por dia, 85% são analfabetos e um terço sofre de fome crônica. Akobo, cidade na fronteira com a Etiópia, foi classificada pela ONU como "o lugar mais faminto do planeta".
Há outros problemas como escassez de alimentos e saúde. Segundo a Anistia Internacional, calcula-se que 6,2 milhões de pessoas, incluindo 4,2 milhões em Darfur e 1,3 milhões no Sudão do Sul, precisem de ajuda alimentícia.
Com relação à educação, no Sudão do Sul há 1.000 alunos na classe primária por professor e 92% das mulheres não sabem ler nem escrever.
Com agências