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Milhomen sobre avanços sociais: “o processo está em curso”

O otimismo pauta a expectativa do deputado Evandro Milhomen (PCdoB-AP), ao assumir o quarto mandato na Câmara dos Deputados, para os trabalhos legislativos que começam no próximo dia 1o de fevereiro. Ele, que lutou pela aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, vê o processo que culminou com a eleição da presidente Dilma Rousseff como um “entreposto”, onde vão ancorar todos os demais setores populares para garantir avanço nas conquistas sociais.

E faz uma analogia à eleição do presidente Lula – um trabalhador. “Com ele, os trabalhadores começaram a discutir geração de emprego e renda, salário mínimo. Agora com a Dilma vem a pauta dos negros, da juventude …”. Ele diz que o processo de mudança é lento, mas está em curso. Milhomen também falou longamente sobre a necessidade da reforma política e como ela deve ser para garantir condições de igualdade na disputa eleitoral entre todos os partidos, com financiamento público e lista fechada.

Vermelho: Qual sua a expectativa para o novo período legislativo, considerando a renovação de quase 50% do parlamento, a eleição da presidente Dilma Rousseff e a formação de maioria governista, da qual o PCdoB faz parte, no Congresso Nacional?

Evandro Milhomen: Eu vejo que esse novo parlamento traz características pouco perceptíveis na relação com a sociedade. Uma delas é ser um parlamento mais diversificado, com muitos jovens, representantes da área do esporte, cultura, significa que a sociedade está repercutindo as políticas públicas no parlamento.

Isso vai ser importante porque a gente passa a discutir melhor. Eu lembro que, no meu primeiro mandato, o parlamento era formado por grandes empresários e representantes do ruralismo, que era muito forte em 1999; e tinha poucos representantes do movimento social, alguns médicos, advogados, mas outros setores não eram representados. Isso tem mudado e as pessoas têm escolhido gente do segmento popular e de entidades sindicais.

Vermelho: Essa mudança no parlamento repercute em termos de aprovação de matérias em favor dos segmentos populares?
EM: Creio que ainda não. É uma coisa nova, a sociedade está começando a perceber a importância sua dentro do parlamento e que o parlamento tem importância enorme para a sociedade. Ainda não está no nível que precisamos ter. Ainda somos minoria. Os que pensam pela representatividade popular estão em menor número, mas começou um processo de mudança para a representatividade popular.

E é importante a interferência de cada um que chega, seja do movimento de mulheres, negros, cultura, esporte, portadores de necessidades especiais. Eu estava observando que, nesse período que termina agora, nós tivemos um representante dos portadores de necessidades especiais, de Alagoas, que morreu durante o mandato, mas eles elegeram uma outra pessoa da mesma entidade – uma mulher agora, que vem representando esse segmento. Essas pessoas representam seus interesses e exigem políticas públicas para esses setores. Isso começa com o governo Lula que abriu as portas para o debate nacional de inclusão social com as conferências nacionais.

Vermelho: Nessa luta por avanços sociais, você lutou pela aprovação do Estatuto da Igualdade Racial que ao final não agradou a todos. O que o parlamento ainda deve à população brasileira e como vocês do PCdoB pretendem ver aprovadas essas matérias?
EM: Isso é o significado do que é o congresso hoje. Tivemos um avanço muito grande com o Estatuto. É tudo, não, e nunca será tudo. Assim são outras atividades da sociedade que precisam avançar, problemas como os da acessibilidade; combate às drogas, não avançamos dentro do Congresso com leis que facilitem a vida dessa famílias.

Eu entendo que o envolvimento da juventude com a droga tem variantes imensas, falta de informação, de estrutura familiar, emprego e renda, muita coisa que acaba fazendo o jovem desembocar na droga. O parlamento tem que ser o espelho dessa preocupação da sociedade. Porque existem as “cracolândias” nas grandes capitais?

Vermelho: É uma deficiência do parlamento que não responde com lei às necessidade da sociedade?
EM: Precisamos debater esses problemas e não só o parlamento, mas o parlamento deve chamar o executivo para juntos formularem leis e estatutos que possam facilitar a execução de atividades que atendam às necessidades da sociedade. O avanço é naturalmente muito lento, é pouco, você tem um governo propriamente democrático com o governo Lula.

A estabilidade política começou com a redemocratização, mas a participação popular só começou com o governo Lula. É difícil que em um período de oito a 10 anos a sociedade tenha capacidade de entender tudo isso. A discriminação racial continua, ela se transmite de forma mais branda ou mascarada. A discriminação com as mulheres da mesma forma. Tem a lei Maria da Penha, para combater a violência contra as mulheres, mas a sociedade precisa adquirir mais formação. O problema da sociedade moderna é a intolerância de aceitar o diferente, o contraditório. Enquanto houver intolerância vai ter discriminação e violência.

Vermelho: Com o processo democrático e popular em curso, a eleição da presidente Dilma, a maioria governista no Congresso, você tem esperança de ver aprovadas essas matérias que representam avanços sociais que continuam emperradas na Casa?
EM: Eu tenho muita esperança. O fato da escolha de Dilma para ser presidente já foi um grande salto e demonstrou claramente que existe mudança em curso. O fato dela ter sido eleita melhorou ainda mais esse processo. E ela conduzir o governo dizendo que quer 30% de participação de mulheres já demonstra que ela quer uma sociedade inclusiva. Já diminui a intolerância contra as mulheres e os outros segmentos sociais vão se ancorar nesse processo.

O processo com as mulheres vai ser o entreposto para políticas públicas para outros setores. O que tinha de mais grave na sociedade da discriminação era contra com as mulheres e os negros, que sofrem uma discriminação truculenta. Os outros, deficientes e crianças, eram uma coisa mais de "coitadinhos". Agora com a Dilma vem a pauta dos negros, da juventude… O mesmo aconteceu com a eleição de Lula, os trabalhadores começaram a discutir geração de emprego e renda, salário mínimo…

Vermelho: Existem outros assuntos polêmicos na Casa que aguardam votação há muitos anos, como reforma política e reforma tributária, que acabam repercutindo no conjunto da sociedade. Qual a sua expectativa com relação a esses temas?
EM: Na reforma política, o primeiro parâmetro vem na escolha daqueles que possam nos representar. A gente precisa construir a relação com a sociedade para que ela possa escolher bons representantes, o que produz resultado positivo para a sociedade. Se você tem bons representantes, não precisa mexer muito na reforma política.

Vermelho: Mas não tem que ter mecanismos e regras para que esse bons representantes sejam escolhidos?
EM: Sim. Sim. Claro. Para isso você precisa estruturar a política. Tem os partidos que são quem representam os mandatos. É preciso dar condições reais para que os partidos possam funcionar, trabalhar políticas ideológicas, políticas públicas, de Estado, que possam nortear esse processo de construção partidária. Temos que ter financiamento público de campanha. Sair definitivamente desse caixa dois que ronda a política brasileira, que é quando você financia um parlamentar para defender os seus interesses.

Você tem que sair desse processo porque acaba no comprometimento indireto ou direto com quem financiou a campanha. Financiamento público de campanha é o que vai libertar a política, quando você tem o poder público, que serve para isso, fazer política pública, financiando esse debate, a melhoria da qualidade de vida da sociedade. Portanto, a sociedade financia porque quer escolher quem venha a defender os interesses da sociedade. E garante que todos possam disputar de igual para igual.

O outro ponto importante, que fortalece os partidos, é o voto em lista. Você escolhe o partido porque a ideologia que ele defende diz respeito a você. O eleitor vai levar a mensagem do partido, a ideologia do partido, o que fará ele crer que a política representa o interesse da sociedade. As pessoas precisam voltar a acreditar na política.

Primeiro, é financiamento público; segundo, é voto em lista; e outro ponto é que os partidos históricos, ideológicos, que têm projeto político, possam ter a mesma visibilidade dos outros partidos, com tempo de televisão igual, fundo partidário igual etc. Todos tenham as mesmas condições na disputa eleitoral. E os que não sobreviverem caem fora, mas vamos dar oportunidade: quem crescer fica, quem não crescer…

Tem também a reforma tributária, outro tema polêmico. Esse problema é originário da construção do país, com municípios, estados e União e distribuição dos impostos. A União mantém grande bolo dos recursos nacionais e os municípios, que é onde a população vive, ficam com menos recursos.

Vermelho: E a divisão dos recursos feita pela União não é equitativa. Você, que é representante de um estado que é historicamente discriminado, qual solução aponta para o problema?
EM: Ai nós vamos repuxar a questão política. Porque a Amazônia tem menos recursos que o Sudeste, porque a bancada é menor e, no presidencialismo, a presidente depende da existência de uma bancada que defenda interesses de quem governa. No parlamentarismo teríamos mais condições de tratar isso porque a distribuição de poder é maior.

Vermelho: A reforma tributária tem que ter essa preocupação de garantir o desenvolvimento por igual do país?

EM: É claro. É a velha história de não poder tratar igual os diferentes. Quem tem mais, precisa menos; quem tem menos, precisa mais. O governo Lula procurou prestigiar as regiões Nordeste e Norte, diferenciando o envio de recursos públicos que a União tem em mãos, mas isso precisa ser estabelecido pela legislação tributária, ver qual a participação dos estados e municípios, principalmente dos municípios, que é quem precisa mais para movimentar a vida das pessoas.

Vermelho: A sua intenção é manter atuação nessas áreas em que vem atuando ao longo das outras legislaturas?

EM: Além das bandeiras do partido, eu tenho atuado na defesa dos interesse do meu país e do meu estado, mas isso não impede que eu trate de outros temas como tenho tratado, como questões urbanas, educação, cultura, desenvolvimento econômico. No Congresso não há prioridade na escolha do tema, mas pela projeção que a gente necessita ter, escolhe alguns temas porque a população nos observa por aí, se você pulveriza muito o debate, eles não lhe observam, porque a população não entende bem o papel do deputado federal, que é o de debater os temas nacionais. Eles pensam que nós vamos cuidar dos problemas da cidade, do estado.

Vermelho: Nesse caso, qual a sua opinião sobre as emendas parlamentares, que os deputados defendem como uma ajuda necessários aos seus estados e municípios, mas o governo vem acenando com a possibilidade de corte no orçamento e corte nas emendas?

EM: Esse é o único fôlego que o parlamentar tem para ajudar seu estado. A União, além de ficar com o grande bolo, tem problema da dívida interna, que nos obriga a acumular recursos, fazer a “bendita” reserva, guardar dinheiro, para pagar juros, isso tudo reduz os recursos da União para investimentos.

Estados pequenos como o meu sobrevivem praticamente desses recursos (emendas parlamentares). Se cortar, vamos produzir lá na ponta uma sociedade sem opção. A gente, que está vendo e vivendo a realidade do estado, sofre a cobrança e acaba fazendo o papel do governo federal, fazendo complementação da função do governo federal. Não é o caminho e eu acredito que a Câmara não vai permitir.

Vermelho: Sempre quando começa uma legislatura existe um debate sobre a imagem do parlamento. Esse desgaste é criado pela mídia ou os maus parlamentares são responsáveis por essa imagem negativa?
EM: Tem de tudo um pouco. A mídia, que quer fazer o papel do parlamento, e tem os maus parlamentares, mas outro problema é que o que pesa na escolha dos parlamentares é o poder econômico. Há dois anos, a Associação dos Magistrados fez uma pesquisa perguntando o que levava uma pessoa a votar no vereador, deputado, etc. E 95% das pessoas disseram que votam em quem faz favor para elas – da camada mais alta até a mais baixa. Como o favor não pode chegar para todos, os que não ganham o favor dizem que o político não faz nada e bate no político. Favor na política é o que atrapalha, a pessoa não percebe que o coletivo da sociedade está recebendo, ele quer o dele, o individual.

Vermelho: Isso é uma questão de…

EM: É questão de construção coletiva e de formação da sociedade em que a educação ainda não chegou nesse nível de estabelecer o conhecimento da população, do entendimento do papel de cada um. Uma porção de mazelas que na reforma política se pode debater para deixar claro o papel de cada um. A sociedade precisa dessa formação. Essa TV Câmara tem que sair do canal fechado para o canal aberto e ajudar a formar uma nova sociedade, principalmente uma juventude, que entenda o papel do parlamento.

De Brasília
Márcia Xavier