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Movimento Passe Livre: Só com pressão popular Kassab vai dialogar

Nina Campello tem 21 anos, é estudante de Direito e pertence ao Movimento Passe Livre em São Paulo. À frente de mobilizações contra o recente aumento da tarifa de ônibus, ela relata nesta entrevista a repressão que o movimento vem sofrendo por parte da polícia e assegura que continuarão os protestos pois "só assim o prefeito (de São Paulo) Gilberto Kassab vai dialogar".

O Movimento Passe Livre realizou na quinta-feira, 27, às 17h, em frente ao Teatro Municipal, nova manifestação pública contra o aumento da tarifa de ônibus na cidade de São Paulo, que passou de R$ 2,70 para R$ 3.

O primeiro ato, no dia 13 de janeiro, reuniu cerca de mil manifestantes e acabou violentamente reprimido pela Polícia Militar (PM), que utilizou bombas de efeito moral, gás pimenta e balas de borracha. Trinta e uma pessoas foram detidas e, pelo menos, dez ficaram feridas.

“O que mais me impressionou foi a perseguição aos manifestantes no centro da cidade, iniciada após a dispersão, ou seja, o ato público já havia acabado”, denunciou ao Viomundo Nina Cappello. “Em alta velocidade, carros de polícia passaram a percorrer o trajeto da manifestação – Praça da República – Câmara Municipal-Teatro Municipal –, em busca de pessoas que viram no ato.”

Nina tem 21 anos, é estudante de Direito, pertence ao Movimento Passe Livre e foi a responsável pela negociação com a PM durante a manifestação do dia 13. Desempenhou o mesmo papel no segundo ato contra o aumento das tarifas, em 20 de janeiro.

“Devido à repercussão negativa na mídia , a PM teve postura diferente na segunda manifestação”, revela Nina Cappello em nova entrevista ao Viomundo. “Mesmo alguns policiais querendo nos reprimir, o comandante nos deixou claro, desde o começo, que a preocupação era evitar qualquer tipo de conflito e que seguraria o máximo possível a tropa.”

“Na quinta-feira passada, fizemos uma performance de uns 15 minutos no cruzamento das avenidas Brigadeiro Luiz Antonio com Paulista, que paralisou o trânsito”, acrescenta. “A tensão aumentou. Receei por repressão. Felizmente, não ocorreu.”

Viomundo – Que outras diferenças você notou entre a primeira e a segunda manifestação?
Nina Cappello — O número de participantes quadruplicou. A segunda chegou a ter 4 mil. Gente da população em geral se juntou a nós, mostrando indignação com a violência como fomos tratados, o descontentamento com o aumento absurdo da tarifa de ônibus e a péssima qualidade de transporte público. É necessário um novo modelo de transporte público em São Paulo.

Viomundo – Pelas fotografias, a maioria dos manifestantes é estudante. É isso mesmo? Vocês acreditam que conseguirão reverter o aumento tarifário
Nina Cappello – Bem, foi assim em outras cidades. Os estudantes se mobilizaram e conseguiram barrar o aumento. Para a maioria dos trabalhadores, é muito difícil participar. No final da tarde, estão saindo do trabalho e ainda terão muito chão para chegar em casa, pois dependem do transporte coletivo precário. Mas a gente nota, pelos aplausos enquanto passamos, que eles nos apóiam.

Entretanto, temos plena consciência de que não iremos mudar o jogo apenas com estudantes. Nesse sentido, é fundamental que as nossas ações envolvam número cada vez maior de pessoas e de setores da população.

Viomundo – Os estudantes pagam metade da passagem, muitos trabalhadores recebem vale-transporte. Como mobilizar esses diferentes segmentos da sociedade?
Nina Cappello — Os estudantes pagam metade, mas o aumento da tarifa traz implicações para a população como um todo. Reconhecemos dificuldade também para mobilizar, por exemplo, os sindicatos, pois muitos trabalhadores recebem vale-transporte, cujo valor sobe quando a passagem aumenta. Por isso, já começamos a conversar com alguns sindicatos …

Viomundo – O aumento da tarifa é a única reivindicação do Movimento Passe livre?
Nina Cappello – É a causa mais imediata. Mas sabemos que não basta barrar o aumento se não questionarmos e transformamos a lógica do transporte público como um todo. Como ele é gerido por concessões a empresas privadas, basta os empresários pressionarem a Prefeitura, para o poder público ceder, aumentando o preço das passagens, sem melhorar em nada as condições para os usuários.

O transporte deve ser visto como um direito, e não como fonte de lucro. Por isso, deve ser público de verdade, assim como a saúde e a educação. É um direito básico . Do jeito que está hoje em dia, a tarifa impede que parte da população se locomova pela cidade, e isso se agrava a cada novo aumento.

Por isso, o aumento da tarifa é o aumento da exclusão. A locomoção não se dá apenas na ida e volta do trabalho. Vai além. Por que não temos ônibus de madrugada? Por que é muito mais difícil pegar ônibus no final de semana?

O transporte deve funcionar de acordo com os interesses da ampla maioria da população, para isso o poder público deve assumir para si o planejamento e a gestão dos transportes coletivos. E os usuários devem participar diretamente disto.

Viomundo — Vocês marcaram para hoje um novo ato, na frente do Teatro Municipal. Um ato atrás do outro não seria desgastante para o movimento?
Nina Cappello – Apesar do sucesso do ato na Avenida Paulista, é importante voltarmos com força total para o centro da cidade, para dialogar com quem mais sofre com o aumento das tarifas, que são os trabalhadores das classes mais desfavorecidas.

Com a crescente aceitação da nossa pauta pela população, provavelmente esse desgaste não será rápido. Evidentemente que se ficarmos apenas nos atos de rua, uma vez por semana, e nada de concreto for sendo conquistado, haverá um desgaste…

Por isso, cada vez mais, pretendemos pressionar o poder público para revogar o aumento da tarifa e repensar a lógica do transporte como um todo.

Viomundo – A mídia tem noticiado o movimento. Como você avalia a cobertura
Nina Cappello — No ato da Paulista, em 20 de janeiro, tivemos cobertura expressiva em grande parte devido à repressão da manifestação anterior. Aparentemente, a maioria da imprensa só queria saber como seria o comportamento da PM naquele ato e quantas pessoas agregaríamos na manifestação. Não estava muito interessada nas explicações para o aumento da tarifa e o absurdo do nosso modelo de transporte…

Viomundo – E os parlamentares como têm reagido às manifestações de vocês?
Nina Cappello – Alguns já nos contataram e pretendem, pela via institucional, cobrar explicações do poder público para esse aumento da tarifa. Mas essa cobrança só acontecerá, de fato, no início de fevereiro, quando o Legislativo volta das férias.

Viomundo – Já tentaram marcar uma reunião com o prefeito Gilberto Kassab para discutir o aumento da tarifa?
Nina Cappello – O Kassab rejeita discutir o aumento que ele deu para as passagens de ônibus. Até agora não se dispôs a conversar conosco. Em anos anteriores, articulamos audiências públicas para exigir explicações sobre o aumento da tarifa. O secretário de Transportes nem sequer apareceu. Por isso volto a dizer: só com pressão popular, o Kassab vai dialogar com a gente, e esperamos que ele se disponha a isso.

Conceição Lemes
para o Viomundo