Sem categoria

As manobras desesperadas de Mubarak não intimidam oposição

A situação política no Egito entrou numa rota de radicalização nesta quarta-feira (2), depois que defensores do ditador Hosni Mubarak invadiram a praça Tahrir, no centro do Cairo, provocando um confronto com os militantes da oposição que estão concentrados no local. O conflito começou pela manhã e à tarde já se contavam pelo menos um morto e mais de 600 pessoas feridas.

O Exército, que antes promovia revistas para impedir que manifestantes ingressassem na praça portando armas ou pedras, fez vistas grossas à ação dos partidários do regime, deixando que invadissem a praça e provocassem o duelo. Com isto, caiu a máscara das forças armadas, que se esforçam para aparentar neutralidade, mas na prática continuam leais ao militar ditador.

Provocação orquestrada

São fortes as evidências de que o ato em defesa de Mubarak nada teve de espontâneo e foi orquestrado com a contratação de mercenários. De acordo com a rede de TV Al-Arabya, alguns dos manifestantes favoráveis a Mubarak receberam pagamento de 200 libras egípcias (US$ 34) para participar. Contando com a cumplicidade do Exército, que permaneceu passivo, eles romperam um cerco, derrubaram faixas e entraram em confronto com os militantes da oposição que estavam na praça.

Alguns estavam montados em cavalos e camelos e armados com paus, pedras e coquetéis Molotov. A oposição denuncia que policiais à paisana se infiltraram na multidão.

Na Praça Tahir há “bandidos armados com punhais, canivetes, tacos e pedras”, escreve no seu blogue o colunista do New York Times Nicholas Kristof. “Todos têm os mesmos slogans e a mesma hostilidade para com os jornalistas. Claramente, estão organizados e foram preparados. A ideia de que isto é um movimento espontâneo pró-Mubarak é absurda.”

Desespero

Parece claro que o objetivo do governo é mergulhar o Egito no caos e na guerra civil para justificar uma repressão militar massiva. É uma tática desesperada do ditador, cuja proposta de permanecer até o final do ano no cargo de presidente e depois cair fora foi rechaçada pelo povo, que exige sua saída imediata. “Vamos ficar na rua até que ele se vá”, afirmou um jovem oposicionista.

A oposição não está intimidada. Promete manter a mobilização e realizar na sexta-feira (4) uma outra grandiosa manifestação. Ontem (1º de fevereiro) cerca de 2 milhões de pessoas participaram do ato histórico pela democracia no centro do Cairo.

A manobra violenta de Mubarak ampliou o isolamento do regime na (mal) chamada comunidade mundial. Líderes do imperialismo europeu elevaram o tom na cobrança de uma transição imediata no rumo da “democracia” e o presidente dos EUA, Barack Obama, falou no mesmo sentido, aparentemente afastando-se, pela primeira vez, do velho e fiel aliado.

O ditador deu a entender que não pretende ceder à pressão internacional, mas vive uma situação a cada dia mais precária e tudo indica que está com os dias contados.
 
Embaraço

A situação dos Estados Unidos é particularmente desconcertante. A Casa Branca foi tomada de surpresa e demorou a perceber a gravidade e o alcance dos acontecimentos em curso no mundo árabe. A secretária de Estado, Hillary Clinton, admitiu o embaraço do império nesta quarta, quando disse que está pisando em “território desconhecido” no que toca às convulsões no Egito e, antes, na Tunísia. Não é para menos.

No dia 25 de janeiro, diante das primeiras manifestações de descontentamento no Cairo, a senhora Clinton declarou: “Nossa avaliação é que o governo do Egito é estável”. A tempestade que sobreveio nos dias seguintes mostrou como ela confundiu os desejos e interesses do império com a realidade.

Os EUA foram constrangidos a mudar de posição praticamente todos os dias desde que a secretária pronunciou a infeliz frase. A posição de Israel não é mais confortável. Mubarak é o maior amigo do governo sionista na região. Este teme a democratização e chegou a apelar à União Europeia, EUA e outros países para evitar críticas públicas ao ditador aliado. Sabe dos perigos da democracia para seus interesses ilegítimos.

Contexto histórico

Os problemas não se limitam ao Egito. Nesta quinta (3), a oposição ao ditador do Iêmen, Ali Abdullah Saleh, promete realizar uma grande manifestação pela democracia no país. Saleh apelou para que o ato fosse suspenso e antecipou nesta quarta (2) que não vai tentar prolongar o seu mandato, que só termina em 2013. É a mesma manobra de Mubarak.

Na Jordânia, o povo também saiu às ruas por liberdade. Na Tunísia, onde cabe destacar o papel de vangarda do movimento sindical nas manifestações que derrubaram o ditador, nasceu a Frente 14 de Janeiro, uma coligação de dez partidos proibidos durante a ditadura de Ben Ali, que exigiu a formação de uma Assembleia Constituinte e de um Congresso Nacional “para a proteção da revolução”.

Os ventos revolucionários que sacodem o mundo árabe prometem varrer as ditaduras reacionárias sustentadas pelo imperialismo, mudar a realidade política de muitos países e resultar muito provavelmente num novo Oriente Médio, que nascerá em confronto com os desígnios do imperialismo americano e seu aliado Israel. O império não controla os pincéis que vão desenhando a nova realidade na história, mas também não está parado e não se pode desprezar sua capacidade de intervenção no processo político da região.

De todo modo, o pano de fundo desses acontecimentos revolucionários é o esgotamento da ordem imperialista mundial hegemonizada pelos Estados Unidos. Não podemos esquecer também que eles ocorrem no contexto de uma severa crise mundial do capitalismo, que ainda não chegou ao fim e é particularmente sensível para a classe trabalhadora europeia. Seus efeitos e suas lições, preciosas para os movimentos sociais na medida em que revelam o poder da unidade e da determinação popular, tendem a ultrapassar as fronteiras do chamado mundo árabe e do Oriente Médio.

Da Redação, Umberto Martins, com agências