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América Latina: Envelhecimento acelerado, novos desafios

Embora a América Latina mantenha a imagem de região jovem, sua tradicional pirâmide populacional mostra acelerada redução na base, por menos nascimentos, e aumento no vértice, pela quantidade de idosos, fenômeno que apresenta imensos desafios demográficos.

Por Marcela Valente, na agência IPS

Em 2000, a população com mais de 60 anos da região era de 43 milhões, em 2025 estará em torno de 100,5 milhões e em 2050 chegará aos 183,7 milhões, segundo o Centro Latino-Americano e Caribenho de Demografia.

Este aumento não responde ao crescimento geral da população, mas a um processo de envelhecimento demográfico. Se em 1975 os idosos eram 6,5% da população, hoje chegam a 9%, até 2025 serão 14,8% e em 2050 a média dos países prevê 24,3%, segundo o estudo feito por essa entidade para a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. Um exemplo de país envelhecido é Cuba, onde a projeção é que em 2050 os maiores de 60 anos representarão 37,5% da população. Assim, a pirâmide latino-americana vai se transformando em uma coluna retangular com a parte mais alta alargando-se inclusive pelo aumento de pessoas com mais de 80 anos.

Conscientes desta evolução, representantes da América Latina, com apoio do Grupo dos 77 mais a China, a maior coalizão em desenvolvimento da Organização das Nações Unidas, conseguiu que a Assembleia Geral aprovasse, em novembro, a criação de um grupo de trabalho sobre direitos das pessoas idosas. O grupo, proposto por Brasil e Argentina, vai liderar a elaboração de um tratado internacional de proteção dos direitos dos idosos, que cada vez mais são maioria na América Latina e no mundo.

Quais desafios este processo apresenta para uma região que, embora tenha apresentado um acentuado progresso econômico e social na última década, ainda possui numerosas pendências em matéria de atenção à sua população? “A América Latina está envelhecendo de modo mais rápido do que a Europa. Em apenas 30 anos, diminuiu bruscamente a fecundidade e cresce o número de idosos, o que apresenta a necessidade de mudanças de modelo, tanto em nível de saúde como de alcance da cobertura de previdência e assistência social”.

Essa afirmação foi feita pelo argentino Ernesto Peláez, diretor de mestrado em Demografia no Centro de Estudos Avançados da Universidade Nacional de Córdoba e secretário-geral da Associação Latino-Americana de Estudos de População. Ernesto recordou que historicamente na região o maior desafio era reduzir a mortalidade materno-infantil, e ressaltou que, embora ainda haja o que fazer nessa área, existem novas demandas desatendidas. “Temos muitos pediatras, mas são poucos os geriatras”, afirmou.

Para este especialista, o envelhecimento populacional, que é mais acentuado em Cuba, Costa Rica e Uruguai, coloca sobre a mesa a necessidade de se pensar na prevenção, na atenção e nos cuidados em relação aos mais idosos, que perdem autonomia em famílias que têm um número cada vez menor de integrantes. A Argentina é o país que mais apela para geriatras e asilos na região, mas se trata de um recurso de uma minoria. Apenas menos de 2% dos idosos nesse país estão institucionalizados. O restante da América Latina tem uma taxa inferior a 0,5%, garantiu Ernesto.

Também são necessárias algumas mudanças. Atualmente, há grande disparidade entre países, com alguns assegurando renda para mais de 80% dos idosos, como Brasil, Argentina e Uruguai, enquanto muitos outros estão abaixo ou em torno de apenas 15%. Em muitos países não existe um sistema de contribuições durante a idade ativa que garanta uma renda na fase de aposentadoria. É o caso de Bolívia, Equador, Paraguai, Guatemala, El Salvador, Nicarágua e República Dominicana, por exemplo, onde os idosos estão praticamente condenados a trabalhar até morrer.

No estudo “A Cobertura da Assistência Social na América Latina”, o argentino Rafael Rofman, especialista do Banco Mundial, afirma que “a maioria dos países da região tem sérios problemas para atender os objetivos básicos de seus sistemas de previdência social”. Rafael mostra nesse trabalho os limites que tem o sistema de contribuições para garantir renda a todos os adultos idosos. A alta informalidade e instabilidade trabalhista fazem com que, nos países onde vigora esse esquema, não possa ser garantida a cobertura para todos os idosos. Para amenizar essas limitações, por exemplo, o governo brasileiro fixou uma pensão isenta de contribuição para idosos da área rural.

Na Argentina, após a chegada de Néstor Kirchner ao governo, em 2003, foi oferecida uma alternativa aos idosos que não fizeram contribuições para a aposentadoria por terem trabalhado no mercado informal e para mulheres trabalhadoras do lar. Os interessados tinham acesso a uma renda com os descontos por contribuição não realizada em sua fase ativa. Assim, o número de idosos argentinos com renda cresceu de 3,2 milhões para 5,6 milhões de pessoas, elevando para 86,7% a porcentagem de aposentados que recebem remuneração.

Na Bolívia, Evo Morales concedeu um subsídio universal aos mais idosos, sem exigência de contribuição anterior. Contudo, o estudo de Rafael diz que, se o sistema fosse realmente universal, a cobertura deveria aumentar muito mais do que mostram as estatísticas. Definitivamente, alguns governos estão trabalhando para que as rendas gerais, não apenas as contribuições dos trabalhadores formais, sejam destinadas em parte para garantir uma renda aos idosos e essa tendência ganhará importância com o aumento do número de idosos nas próximas décadas.

Na sociedade civil, muitas organizações trabalham para garantir maior integração dos aposentados e reivindicam seus direitos. Para os especialistas, as melhores iniciativas são as que procuram aproximar as diversas gerações e as que incentivam o constante aprendizado e atualização em diferentes saberes. É o caso do trabalho realizado há 20 anos no Uruguai pelo Centro Institucional de Colaboração com os Idosos, que dá cursos de idiomas, informática, literatura, atividades físicas, entre outros.

“Nós trabalhamos muito a questão dos direitos dos idosos”, disse à IPS a vice-presidente do Centro e uma de suas fundadoras, Silvia Tron, de 84 anos. “Agora a ênfase está na questão dos maus-tratos e da violência, e abrimos o atendimento jurídico e psicológico para idosos”, acrescentou. Silvia contou que “o consultório está tendo muito sucesso”, embora por situações lamentáveis, pois são muitos os idosos que chegam para denunciar maus-tratos por parte de familiares e a perda do direito sobre seus bens e sua renda.

Para esta dirigente social, o desafio no médio prazo é a educação sobre o envelhecimento em todos os setores sociais. Neste sentido, foram feitas experiências no Centro com professores de escolas primárias e secundárias, as quais querem ampliar para os médicos, funcionários do transporte público, jornalistas e policiais. “No Uruguai, somos quase meio milhão de aposentados. Eu falo sempre aos dirigentes políticos que podemos decidir uma eleição, e estamos aumentando. Por isso, temos de participar e fazer com que ouçam nossas vozes”, alertou Silvia.

Fonte: Envolverde