Sebo Cata livros recebe doações para renascer das Cinzas

Jácio Torres diz que perdeu mais de 100 mil livros no incêndio do Cata Livros da Xavier da Silveira.

Literatura, música, obras de arte, instrumentos, informação, educação e, sobretudo, memórias. Muitas, sempre. Para quem gosta de um bom mergulho cultural, não há local mais propício que adentrar um sebo – de preferência sem hora marcada para compromissos posteriores. Por mais caótico que seja, é lá onde encontramos parte significativa da história de qualquer sociedade. E sim, tenha certeza disso, há organização no caos. Essa máxima da Teoria do Caos é conjugada todos os dias, e com todas as letras, por Jácio Torres.

Proprietário do Sebo Cata Livros, cujo acervo da loja matriz localizada na Av. Xavier da Silveira virou cinzas durante um incêndio ocorrido quarta-feira passada (dia 16), no bairro de Nova Descoberta, Jácio contou que o fogo consumiu mais de 100 mil livros, 30 mil vinis, quadros, objetos e uma infinidade de documentos.

O sebista lembra que adquiriu várias bibliotecas antigas de intelectuais potiguares ao longo do tempo, e que guardava manuscritos e outras raridades para futura publicação. “Além dos livros e documentos, estava com um grande acervo de obras de Assis Marinho, a coleção completa de Jackson do Pandeiro, discos raros de Raul Seixas e do humorista Jacinto Silva, antiguidades…Tudo perdido”.

Mas Jácio Torres e sua fiel escudeira e companheira de vida Vera Gomes, sabem que não adianta ficar chorando pelo leite derramado: “Agora é trabalhar dobrado para reconstruir, pois pretendemos voltar a funcionar lá na Xavier da Silveira em breve”, afirmam em coro. “Bola pra frente que a vida continua!”, complementam cheios de otimismo. Além da loja em Nova Descoberta, que já funcionava no local há nove anos, a dupla ainda possui outros dois pontos: no Mercado de Petrópolis e na avenida Salgado Filho, ao lado do Bar do ex-Combatente, quase esquina com a Av. Bernardo Vieira.

As causas do incêndio ainda não foram identificadas, mas vizinhos do sebo informam que a causa pode ter partido de um curto circuito elétrico. “Os Bombeiros estão produzindo um laudo e já condenaram o prédio, mas a perícia é feita pelo Itep que está em greve”, diz Jácio. “A câmera de segurança de uma clínica que funciona em frente pode dar algumas pistas sobre o que aconteceu”, informou Vera.

Doações

O que conforta Jácio e Vera é o apoio dos amigos e o reconhecimento da sociedade pela contribuição cultural. “Estamos recebendo doações de clientes e amigos, gente de outros estados também estão ajudando”, adiantou Jácio. “Está vendo isso?! Esse é o motivo que nos faz ter força para seguir em frente”, diz o sebista ao receber livros e discos de um cliente antigo do Cata Livros. “Estou ganhando presentes a todo momento”, diz apontando uma pilha de LPs. “Olha só: disco dos Mutantes, o primeiro do Guilherme Arantes, um novinho da Joan Baez…”, entusiasma-se.

Enquanto a reportagem da TRIBUNA DO NORTE conversava com Jácio, pelo menos cinco pessoas chegaram para fazer doações. “Estamos para receber mil livros de um sebo de Campina Grande (PB), o quase homônimo ‘O Cata Livro’, que é de uma parente do primeiro proprietário de Cata Livros, Antônio Capistrano”, contou Torres.

Jácio Torres começou sua trajetória com o tio no sebo Transalivros, que funcionava em frente ao cinema São Luiz no Alecrim (local onde hoje funciona o Banco do Brasil), na época “havia um movimento em frente aos cinemas de vendas de revistas e HQs”, lembra. “Nessa época, Vera vinha comprar livros para ficar me paquerando”, entrega o sebista.

Nos anos 1980, o Transalivros mudou para a Cidade Alta, e logo Jácio recebeu uma proposta de Antônio Capistrano para comprar o Cata Livros – resolveram adotar o nome com a devida permissão, e se estabeleceram numa casa ao lado do Instituto Histórico e Geográfico, onde ficaram por mais de 20 anos e chegaram a promover o Mercado das Artes – Espaço Cultural Poeta Jorge Fernandes, com outros sebistas da cidade como Abimael Silva, do Sebo Vermelho.

“Foi uma época bárbara, fizemos muitos amigos e a proposta tinha tudo para deslanchar com galeria de arte, local para shows… Aí veio o Plano Collor e ficamos sem nenhum tostão para manter o espaço. Também faltou apoio do poder público para continuarmos”, contou Vera, que garantiu fixar uma placa com os dizeres “Em breve estaremos de volta” no local onde funcionava a loja da Xavier da Silveira. “É perto de casa”, conclui.

O produtor cultural Nelson Rebouças adiantou que, em abril, deverá promover um show beneficente para tentar minimizar as perdas de, como bem escreveu o escritor Lívio Oliveira, “uma parte da memória literária do RN”.

Saiba mais

Templos informais da cultura, os primeiros sebos surgiram na Europa do século XVI, quando os mercadores começaram a vender a pesquisadores papiros e documentos importantes da época. Segundo o historiador Leonardo Dantas Silva, esses mascates eram chamados de alfarrabistas, nome que os acompanha até hoje em países como a França e Bélgica, onde a atividade dos sebistas é considerada essencial para historiadores e pesquisadores em geral.

O nome ‘sebo’ foi designado quando ainda não existia energia elétrica e as pessoas liam os livros à luz de velas. Essas velas acabavam sujando e engordurando os livros. Também há quem defenda que o termo seria um modo de caracterizar a sujeira que inevitavelmente se acumula quando um livro passava por várias mãos.

No Brasil, os primeiros sebos foram montados por intelectuais no Rio de Janeiro, no final do século XIX, e logo se espalharam pelo território nacional. Hoje em dia, eles também podem ser encontrados em endereços eletrônicos na internet.

Por Yuno Silva – Jornal Tribuna do Norte