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Agricultores contam com novo Código para não perderem suas terras

Luzia dos Santos Silva representa as vítimas injustiçadas e ameaçadas pela atual legislação ambiental. Ela resolveu deixar seu pedacinho de terra no interior da Amazônia, quase na fronteira com o Acre, para ir até as selvas de pedra de Brasília e de São Paulo e relatar o drama dos pequenos agricultores de sua região.

Um punhado de ambientalistas e acadêmicos faz barulho na mídia contra a aprovação das mudanças que estão sendo propostas pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) no Código Florestal Brasileiro. A maioria destes militantes verdes sequer conhece o teor das propostas que criticam e muito menos qual o impacto que elas teriam sobre a vida de milhões de brasileiros que hoje sofrem as consequências de uma lei caduca que pune quem não merece e deixa impune quem realmente comete crimes ambientais.

Luzia dos Santos Silva (foto acima) representa as vítimas injustiçadas e ameaçadas pela atual legislação ambiental. Ela resolveu deixar seu pedacinho de terra no interior da Amazônia, quase na fronteira com o Acre, para ir até as selvas de pedra de Brasília e de São Paulo e relatar o drama dos pequenos agricultores de sua região. Eles estão sob o risco iminente de perder tudo o que têm por causa de multas injustas e altíssimas aplicadas pelo Ibama com base no atual Código Florestal. O órgão federal se recusa a ouvir e entender as razões que levaram os agricultores a desmatar parte de suas propriedades. 

Em entrevista ao Vermelho, concedida na sede do portal, em São Paulo, Luzia nos conta o que os levou a esta situação e relata o drama destes pequenos produtores rurais.

Ela assessora o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Boca do Acre, cidade com cerca de 30 mil habitantes, quase na fronteira com o Acre. Também ocupa a Secretaria para a Mulher do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (o antigo Conselho Nacional dos Seringueiros – CNS). Na entrevista, Luzia esteve acompanhada do engenheiro florestal Rinaldo Augusto Orlandi, que, através do Instituto de Desenvolvimento Ambiental Raimundo Irineu Serra, busca ajudar as populações de caboclos ribeirinhos, índios e pequenos agricultores do Amazonas. Estas populações sofrem a perseguição implacável do Ibama e de ONGs ambientalistas que, diz Rinaldo, "fecham os olhos para o drama humano em nome de interesses que até agora não conseguimos identificar quais são".

"Viajando pelo país a gente constata que esta é uma situação vivida também por pessoas de vários estados como Acre, Mato Grasso, Rondõnia…", acrescenta o engenheiro.

Problema antigo

Luzia relata que mais de mil agricultores de Boca do Acre estão ameaçados. Desde 2006 até agora, cerca de 300 propriedades já foram multadas por desmatamento. O grande problema é que estas áreas foram desmatadas há 20, 30 anos, e foram derrubadas por orientação do próprio governo. Na década de 1970, o Instituto Nacional de Reforma Agrária, o Incra, incentivava trabalhadores de outras regiões do país a ocuparem terras na Amazônia para povoar a região, cultivar a terra ou explorar a pecuária. O desmatamento da floresta foi inevitável.

"Quem foi para o Amazonas atendendo ao chamado do governo era obrigado a usar, pelo menos, metade da propriedade. Meu pai fez isso, todo mundo que se estabeleceu lá fez isso", conta Luzia. Mas agora a legislação mudou por meio de decretos, portarias, instruções normativas, e as novas gerações destes trabalhadores, que sequer têm conhecimento desta legislação, estão tendo que pagar um alto preço por isso. Da noite para o dia, os pequenos agricultores e extrativistas da região viram-se obrigados a manter 80% de suas propriedades com mata nativa, mata que na maioria dos casos nem existia mais, devido à obrigatoriedade anterior de desmate.

Em geral, as multas para quem não cumpre esta exigência são tão altas que chegam a representar até três vezes o valor da propriedade. "Há pouco tempo, o proprietário de um pequeno pedaço de terra plantou sobre uma área queimada. O fogo havia se alastrado na região a partir de uma queimada em outra propriedade, mesmo assim ele foi multado em R$ 80 mil, mas a renda mensal deste agricultor é de R$ 700. Ele nunca vai conseguir pagar esta multa e o Ibama não mostra nenhuma sensibilidade para situações como essa", diz Luzia.

Segundo ela, os multados têm o direito de recorrer, mas até agora nenhum recurso foi acatado pela justiça. E em muitos casos o processo de cobrança já está avançado. "Muita gente já recebeu a visita do cartório. E a visita funciona assim: o oficial de justiça vai lá na sua terra, lista tudo que você tem lá, desde uma galinha até a casa, e a partir daí seus bens ficam todos embargados. O agricultor não pode nem vender uma galinha. Dependemos da terra pra sobreviver. Se tirar a terra da gente, ficamos sem nada, sem ter como sobreviver", relata, indignada, a sindicalista, dando a dimensão do problema social e do drama que estas famílias estão vivendo.

A maioria dos agricultores locais sobrevive do plantio de arroz, milho, mandioca e pecuária.

Luzia relata outra situação absurda: "Se o proprietário quiser derrubar uma área para plantar, mesmo que esteja dentro do limite previsto pela legislação, ele precisa de uma licença ambiental expedida pelo Ibama. Acontece que o único escritório do Ibama na região foi fechado em 2007. Então, o agricultor precisaria viajar até Manaus para pedir esta licença. De barco, são vários dias de viagem. De avião, a despesa passaria de R$ 2 mil reais. Como um agricultor simples, com renda mensal de um salário mínimo ou pouco mais, vai conseguir fazer isso?", indaga Luzia. Ela lembra ainda que muitos destes agricultores não têm a documentação da terra e, por isso, nem sequer podem pedir a licença. Mas podem ser multados.

Ela também cobra bom senso das autoridades ao sugerir que, no caso dos pequenos agricultores, a compensação pelo desmatamento não seja feita através de multas e sim através do incentivo ao reflorestamento, com subsídio estatal, já que o custo para se reflorestar 1 hectare é de R$ 10 mil reais.

Luzia deixa claro que sua luta e suas reivindicações são em defesa dos pequenos produtores rurais e não em defesa dos grandes fazendeiros. "Estes têm como se defender e devem pagar por eventuais crimes ambientais que venham a cometer".

Esperança com a anistia

Rinaldo (foto ao lado) conta que o projeto relatado pelo deputado Aldo Rebelo, propondo anistia aos pequenos agricultores, acendeu a esperança para estas pessoas que estão sob risco de perter tudo que têm.

O projeto concede aos proprietários multados por desmatamento ilegal até 22 de julho de 2008 o perdão da dívida, desde que aceitem aderir ao Programa de Regularização Ambiental, compromisso de recuperação das áreas devastadas.

Na justificativa do relatório,  o deputado Aldo Rebelo sustenta que o perdão devolverá à legalidade mais de 90% dos proprietários e criará um grande incentivo para a preservação e recuperação da região Amazônica.

Rinaldo e Luzia pretendem levar o deputado até Boca do Acre para que ele veja a situação dos agricultores locais. Na ocasião, pretendem também chamar o Ministério Público e o próprio juiz local para negociar uma parada neste processo de multas, até que a nova legislação ambiental seja votada.

Caboclos ribeirinhos

Além do problema específico dos agricultores vitimados com pesadas multas, o engenheiro florestal Rinaldo levanta um problema mais conceitual: a marginalização dos caboclos ribeirinhos que habitam a floresta há séculos. Na maioria das vezes, eles promovem agricultura de subsistência e extrativismo, ocupando a mata ciliar, sem causar prejuízos ambientais. Mesmo assim, a atual legislação ambiental criminaliza este tipo de ocupação da terra.

"O que está acontecendo é que o caboclo não existe sob o ponto de vista do Estado brasileiro. Se você consultar o IBGE-Censo não existe nem o ribeirinho nem o caboclo. Eu estimo que haja uns três milhões de brasileiros que se encaixam nesta categoria. Mas o caboclo está sendo obrigado a se autodeclarar índio, senão ele não tem nenhum amparo do Estado brasileiro", diz Rinaldo.

Ele também não poupa críticas às grandes ONGs ambientais como a WWF, Greenpeace e SOS Mata Atlântica. Segundo ele, estas entidades atuam na região, conhecem o problema das pessoas que moram ali, mas não mostram nenhuma solidariedade à população. "Eles omitem a nossa realidade de propósito. Eu não sei a quem eles servem. Sei, por exemplo, que a SOS Mata Atlântica tem por trás dela a indústria Klabin e grandes corporações de mídia", diz Rinaldo.

Segundo ele, "o projeto de Aldo resgata a relação homem-floresta, ao reconhecer os direitos ancestrais do agricultor-raiz e das populações tradicionais", algo com que as grandes ONGs ambientalistas não se preocupam.

Da redação,
Cláudio Gonzalez