OAB/RN reprova 75% dos candidatos

O índice de reprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Norte é de 75% dos candidatos. Segundo dados da instituição, divulgados na última semana, dos 1.630 inscritos na primeira fase do exame 2010.3, no Rio Grande do Norte, somente 400 foram aprovados, ou seja, 24,5%.

Se por um lado, a rejeição vem impregnada do sentimento de dever cumprido em filtrar quem está ou não preparado para atuar no mercado de trabalho, por outro, gera certa dose de desconforto e preocupação ao revelar a qualidade de ensino nas instituições de ensino superior.

Enquanto há quem aponte que os cursos de direito no Estado não dão a formação mínima necessária exigida ao teste, há também quem defenda que o nível do exame exige o máximo de conhecimento do candidato. Em meio a contra sensos e falhas bilaterais – distantes de se resolver – estão concluintes de direito ansiosos por ajustes para finalmente poderem exercer a profissão que escolheram.

Na avaliação do presidente da OAB/RN Paulo Eduardo Teixeira, o baixo rendimento ocorre porque as universidades estão mais preocupadas em preparar bacharéis para concursos públicos, do que para profissão. “Se priorizarem a qualidade do ensino, o formando estará qualificado para os dois", enfatiza.

O presidente atribui o resultado estadual – que segue a média de aprovação nacional em torno de 30% – ao elevado número de candidatos proveniente do crescimento descontrolado de cursos jurídicos no País, sobretudo na rede privada. Historicamente as universidades públicas mantêm maior índice de aprovação. A ausência na rede particular, da ferramenta de vestibular para ingresso nas universidades também tem reflexo no que é oferecido ao mercado de trabalho. “Se não há rigor na seleção de quem entra, não se pode exigir e garantir a qualidade na saída”.

No Rio Grande do Norte, existem hoje treze faculdades de direito reconhecidas pelo Ministério da Educação, que insuflam o mercado de trabalho com cerca de 1,5 mil formados, por ano, que nem sempre conseguem a habilitação junto ao órgão de classe.

A proliferação das faculdades de direito, de acordo com Teixeira, é resultado de anos de negligência do MEC, que não fiscalizou a criação e atividades dos cursos. Contudo, mais que uma questão quantitativa, a inserção é definida pela excelência profissional. “O mercado potiguar comporta a demanda porque há a possibilidade de expansão do quadro do poder judiciário. Mas comporta com qualificação", frisa o advogado. A qualidade passa ainda por valorização do professor e reestruturação de cursos.

O advogado Jorge Galvão concorda que o baixo índice de aprovação espelha a crise no ensino universitário. “O que a OAB questiona é o mínimo a respeito da militância que o candidato passará a exercer na profissão". Segundo ele, o desempenho deve ser interpretado como ponto de partida para que universidades avaliem a grade curricular e critérios de seleção, com mais rigor pela qualidade do ensino. E não de revisar o modelo de avaliação do órgão responsável por fornecer a carteira profissional. "A questão é até que ponto as universidades estão preparando o futuro advogado? É preciso lembrar que, apesar do mau desempenho ser uma realidade nacional, o candidato concorre com ele mesmo", reforça Galvão.

NOTA MÌNIMA

O Exame de Ordem não tem reserva de números de vagas, basta o examinando alcançar a nota mínima (6) que o habilitará a solicitar a inscrição nos quadros da Ordem.

Obrigatório desde 1994, o exame é realizado três vezes ao ano, com aplicação de mesmo conteúdo e procedimentos para todos os Estados. O exame é regido pelo Provimento nº 136/2009 do Conselho Federal e executado pela Fundação Getúlio Vargas em conjunto com a OAB. Dividido em duas fases, a primeira objetiva com 100 questões, que o candidato deve responder em cinco horas. E a segunda discursiva. "A prova unificada permite que os candidatos concorram em pé de igualdade com bacharéis de qualquer lugar". Sem o exame, avalia Galvão, OAB perderia o controle total sobre as qualificações dos candidatos afiliados, mas o prejuízo de valor incomensurável para a sociedade.

Embora delegue a deficiência ao nível de ensino, Paulo Teixeira admite que o exame deve auferir o conhecimento do candidato em grau de quem saiu da universidade. "O exame não atingiu o nível de excelência desejado, mas estamos aperfeiçoando", garante o presidente da OAB.

Exame de Ordem

O exame é uma prévia demonstração de capacitação técnica e ética dos bacharéis que concluíram o curso de Direito, que tem como objetivo verificar se o bacharel reúne condições técnicas e críticas para exercer a advocacia, não como uma simples profissão, mas como uma função pública. O teste se origina do exame que as Ordenações Filipinas (Livro 1, Título XLVIII) exigiam para os que desejassem atuar como procuradores na Casa de Suplicação, em Portugal. O Exame de Ordem ou equivalente é exigido em países como os Estados Unidos, França, Inglaterra e Japão, dentre outros, juntamente com um estágio realizado após a graduação durante dois anos, em média. E dispensado na Espanha, Uruguai, Venezuela e Iraque.

Baixa aprovação preocupa cursos

O tratamento do ensino enquanto empresa geradora de lucro é, na opinião da coordenadora do curso de direito da UFRN Ana Beatriz Rebello, uma das principais causas da crise na qualidade do ensino jurídico. “Quando a preocupação não é a qualidade da formação, as consequências são drásticas como revela o desempenho do exame da OAB. Por isso a necessidade de filtrar", frisa Rebello.

A UFRN forma por ano 180 estudantes. E apresenta o melhor desempenho entre as instituições de direito no Estado. Segundo dados da OAB, dos 121 candidatos 110 foram aprovados na primeira fase, e o filtro selecionou 63 na segunda fase da prova, realizada em dezembro do ano passado. O índice de aprovação no exame 2010.2 foi de 52,1%.

A professora considera o nível do exame o "mínimo" exigido por quem pretende atuar na área e compatível com o explorado na sala de aula. Para Beatriz, mudanças para facilitar o acesso podem acarretar prejuízos a sociedade, com a colocação de profissionais despreparados no mercado. "É bom para o Brasil que se tenha mais pessoas graduadas. Mas não podemos incorrer no erro de achar que quem se forma está capacitado, ao contrário de outras graduações".

O coordenador do curso de Direito da Universidade Potiguar (UnP), Fernando Cabral de Macedo Filho, pondera que o modelo de prova unificada consolidado ao longo dos anos, não considera as ênfases por áreas do direito adotadas por cada instituição de ensino superior . Apesar de não existir análise se causa prejuízo, o formato não valorizaria as peculiaridades regionais.

Por não se tratar de concurso público e sim de avaliação da capacidade do bacharel para atuar na área, Macedo Filho defende que o exame de ordem não deveria ter caráter de "eliminar quem sabe menos ou classificar somente quem sabe quase tudo", mas de avaliar o nível mínimo de competência exigida para atuar na profissão. E, após a classificação, oferecer curso de formação específica para advogado, como ocorre com os juízes e delegados. A caracterização de exame em concurso é atribuída a elaboração das provas por empresas terceirizadas.

"É preciso deixar claro que o curso de direito não forma advogados, mas oferece uma formação generalista para as diversas áreas de atuação. E o exame exige o conhecimento máximo do aluno", afirma Fernando Cabral.

A UnP responde por cerca de 40% dos cerca de 1,5 mil bacharéis de direitos formados todos os anos no Rio Grande do Norte. A média de aprovação no exame 2010.2, foi de 7,7% segundo dados da Comissão de Exame de Ordem (OAB). Dos 1.275 inscritos, 455 foram aprovados na primeira fase e 98 na segunda. A UnP criou uma espécie de coordenação de projetos de ações para auxiliar os alunos desde o nono período, para o exame da Ordem. Aulas elaboradas a partir de provas objetivas da OAB, revisam as matérias mais importantes.

O exame é a garantia social de que os operadores do direito estão aptos para o exercício da advocacia”, defende o coordenador do curso de direito da Faculdade Natalense para o Desenvolvimento do RN (Farn) Walber Cunha. O índice de aprovação na FARN, segundo o coordenador, é superior a média nacional.

A integração constante entre ensino, pesquisa e extensão somados a um projeto pedagógico inovador e diferenciado proporciona ao aluno uma visão dinâmica dos conhecimentos teóricos adquiridos ao longo do curso.

"O aluno comprometido com os estudos durante os cinco anos da sua formação acadêmica certamente logrará êxito em relação ao Exame de Ordem, o que evidencia a importância e a necessidade da existência do mesmo", afirma Cunha.

Facilidades encontradas na Internet e em manuais jurídicos que trazem os conteúdos resumidos de maneira muito sucinta, também corroboram para a média de reprovação, segundo Alexandre Menezes, coordenador de Direito da Faculdade de Natal (Fal).

O modelo é satisfatório por exigir do aluno estudos mais aprofundados, e integrar as teorias com a prática profissional cotidiana. Menezes reconhece que há pormenores que devem ser melhor trabalhados nos bancos acadêmicos.

Para melhorar os índices, o coordenador sugere a motivação de alunos, por parte dos professores e indicações bibliográficas, além da discussão que já ocorre com outros setores jurídicos para definir o perfil esperando dos bacharéis. Projetos de Extensão, como o Grupo de Estudos Criminais e o projeto Direito Civil na Prática, aliam estudo aprofundado e debate de casos práticos. A instituição oferece ainda curso de preparatório, sem custos adicionais aos alunos e ex-alunos.

Candidatos buscam cursinhos preparatórios

Enquanto não se corrigem possíveis deficiências na elaboração do exame e na formação acadêmica em direito, a alternativa encontrada por quem precisa da carteira da classe são os cursinhos preparatórios. A quase totalidade dos candidatos aprovados se valem dessas instituições para se capacitar ao exame. “Os cursinhos são um mal necessário. Se não houvessem os índices de reprovação seriam infinitamente maior”, afirma o advogado e professor de direito do Trabalho do IAP Cursos, UnP e Escola de Magistratura do Trabalho do Estado (Esmat/RN) Alexandre Pinto.

A diferença entre o conteúdo dado em cinco anos de faculdade e os três meses de preparação, não se restringe ao tempo, nem ao investimento financeiro. O estudo direcionado varia de R$ 800 a R$ 1 mil para a primeira fase e mais R$ 300, para a segunda fase. Segundo o professor, a qualidade da aula e a valorização do professor entre as duas instituições são o a receita sucesso dos primeiros. Nos cursinhos, o valor da hora aula é até cinco vezes maior do que a paga em Universidades. Embora o currículo seja mais rápido, o ritmo e nível de aulas é mais intensificado, focadas no conteúdo programático para o exame.

Para o professor, as estatísticas negativas são conseqüência da abertura na rede privada de cursos, que não selecionam bem os candidatos na entrada. “Acabam trazendo semi-analfabetos, com extrema dificuldade de escrever e interpretar”. Mas os alunos também, tem sua parcela de culpa, por não investir em bibliografia e recorrerem a resumos de teoria. “Em geral, os estudantes atravessam o curso com apenas um livro de consulta, o Vade Mecum, que reúne um conjunto de leis”. Ao contrário do que se pensa, o grau de dificuldade não é tao alto. O candidato que se mantem ao longo do curso universitário com média sete “sem colar”, é classificado na prova de classe.

Mas a estrutura da prova deve ser revista. A extensão de cada pergunta exige maior tempo de análise para resposta. O ideal seria dividir a aplicação em dois dias, como acontece no concurso para juízes. “A OAB perdeu o foco da prova que deveria ser de aferição de conhecimento de iniciantes e não de advogados de carreira, como acontece hoje”, afirma.

Aprovados ou não, bacharéis pedem revisão

Aprovado no primeiro exame que fez, em 2006, o advogado Fabrício Germano Alves, 28, não é de acordo com a exigência do teste no atual formato e acredita que a formação do advogado deveria ser contínua e o exame aplicado pelas instituições de ensino, com avaliação ao longo do período acadêmico. Para ele, as questões decorativas e técnicas da prova da OAB, não medem o conhecimento prático do candidato.

“É preciso repensar essa avaliação e a defasagem no ensino. Se acham que o bacharel sai sem formação, cabe ao MEC fiscalizar os cursos, então. Claro que depende do interesse do aluno, mas não se aprende a advogar em um curso preparatório para o exame da Ordem”, pondera Fabrício Germano.

A bacharel em direito Daniela Navarro de Carvalho, 31, não teve êxito nas três tentativas, entre 2009 e 2010. Período em que falhas na elaboração das provas pelas organizadoras Cespe e posteriormente Fundação Getúlio Vargas, foram questionadas na justiça, sob alegação de não estarem em acordo com o provimento 136 da OAB. A norma prevê que o aluno seja avaliado pelo raciocínio jurídico, desenvoltura, domínio gramatical do examinando, além de estabelecer percentual de questão por disciplina.

“O exame é um mal necessário para verificar quem está qualificado, já que as faculdades despejam milhares, muitas vezes despreparados, todos os anos. Mas esquecem que a prova é para recém-formado em direito, para avaliar o conhecimento geral e cobram conhecimento em nível de especialização e em formato de concurso”, avalia. São 100 questões para serem resolvidas em cinco horas, com abordagem de temas em ordem aleatória que quebra a sequência de raciocínio.

Há uma desconfiança generalizada, denuncia a bacharel, entre os candidatos que a reprovação no exame fomente o lucro de empresas terceirizadas, que cobram R$ 200 por taxa de inscrição, com oferta de testes três vezes ao ano.

“Parece haver interesse na reprovação, para que os alunos tenham que refazê-lo e pagar mais não só a taxa, como também a preparação em cursinhos”, lamenta Navarro.

O conteúdo cobrado no exame não está acima do visto em sala de aula durante o curso, segundo Juliana Oséas Fernandes, 24, que concluiu o curso em agosto passado, pela UFRN. A bacharel não conseguiu aprovação na primeira tentativa.

Apesar de condizente, Juliana pondera que o exame não avalia o conhecimento geral a ponto de “dizer que você está pronto para ser advogado”. Algumas áreas como direito ambiental é puco explorado e o previdenciário, sequer é cobrado. Prevalecem questões de direito civil, com noções dadas no início do curso. “É uma bagagem que você arrasta por todo o curso, mas o exame se prende a detalhes com intuito de eliminar”.

Ela defende a reorganização do teste, que permita suprir necessidade de conhecimento e corrigir deficiências. O modelo defasado obriga os candidatos a procurar cursinhos preparatórios. “Não pelo nível da universidade ser maior ou menor, mas para aprender a fazer uma peça como o exame pede, é preciso se matricular no cursinho, mesmo que a forma não seja usada no exercício da profissão”, afirma Juliana.
 

Tribuna do Norte