Ana C. Cavalcante: “Com juros a 400% não há libido que aguente..”

Os queridos brasileiros e as queridas brasileiras começam a semana tendo que digerir a perspectiva de mais aumento na taxa de juros. É que o viés de alta deixado bem claro na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) foi ratificado duas vezes: pela ata do Comitê e pelo Boletim Focus, divulgado nesta segunda-feira (14).

De acordo com a projeção do mercado, a inflação oficial deste ano, medida pelo IPCA, pulou de 5,78% para 5,82% – acima da meta quase sagrada de 4,5% definida para o País. Na semana passada, o colegiado que faz as projeções para o Banco Central havia reduzido o índice após 12 altas consecutivas. Para o ano que vem, a expectativa permanece em nos 4,80%. Pelo menos, por enquanto.

Como todos nós sabemos de cor e salteado se a inflação ameaça subir, os juros avançam porque precisam contê-la. Essa é uma das regras de ouro do manual de economia, mais precisamente no capítulo dedicado à quase sempre mau-humorada política monetária. Lá também está escrito que o ambiente econômico é tão sensível aos movimentos do mercado que nem precisam fatos concretos para determinar mudanças… Basta a expectativa. Por isso, as elevações constantes dos últimos meses tanto na projeção dos juros quanto e índices de preços.

A inflação voltou a subir no Brasil porque a economia está em expansão e falta-lhe infraestrutura capaz de dar vazão ao novo status de produção.. O crescimento do PIB de 2010, de 7,5%, alimenta a preocupação dos que precisam manter em cativeiro o traiçoeiro dragão inflacionário. Esse temor ganha cores mais fortes por aqui em função de uma característica peculiar ao nosso país. Temos forte memória inflacionária. Vivemos longos períodos de alta de preços descontrolada e até de hiperinflação. Por essas e outras, o governo federal já cogita medidas alternativas para frear o crescimento da economia. Entre elas, a manutenção do dólar no patamar atual – eficiente contra pressões inflacionárias. De quebra, ainda cria cenário mais favorável para aumento menor dos juros. Outro ingrediente da receita é a redução já anunciada pelo governo nos gastos públicos.

E a nova expressão do economês à brasileira – as “medidas macroprudenciais” – ainda conta com outras providências como contenção do crédito. Diz a ata do Copom: “Ao se considerar esse cenário alternativo e as perspectivas de desaceleração da atividade doméstica, bem como a complexidade que ora envolve o ambiente internacional, entre outros fatores, a eventual introdução de ações macroprudenciais pode ensejar oportunidades para que a estratégia de política monetária seja reavaliada”. Está tudo dito nessas mal-traçadas linhas.

Ah… Sobre o título desta Cenário, vale a informação. O desabafo é do escritor mineiro, também jornalista e psicanalista, Hélio Pellegrino, sobre os juros vigentes nos anos 1980. E a propósito de Pellegrino, vale citar o trecho de sua carta a Fernando Sabino, quando fez 60 anos. A inspiração econômica é óbvia. Vejam só, caros leitores-internautas:

“Esses 60 anos valeram a pena. Investi na amizade,
no capital erótico, e não me arrependo.
A salvação está em você se dar, se aplicar
aos outros. A única coisa não perdoável
é não fazer. É preciso vencer esse
encaramujamento narcísico, essa tendência
à uteração, ao suicídio. Ser curioso.
Você só se conhece conhecendo o mundo.
Somos um fio nesse imenso tapete cósmico. Mas haja saco!"

Ana Cristina Cavalcante é jornalista, com diploma, que adora economia, filosofia, rock inglês e futebol.

Fonte: InvestNE